Terapia com vírus cura paciente com superbactéria

A quantidade de superbactérias resistentes a antibióticos tem crescido nos últimos anos, o que faz desse problema de saúde uma das maiores preocupações médicas atuais. A resposta para essa crise pode estar nos vírus, segundo cientistas americanos. Isso porque eles conseguiram curar um paciente imunocomprometido de uma infecção agressiva usando uma terapia baseada em bacteriófagos, um tipo de vírus que consegue matar bactérias. Detalhes do trabalho foram apresentados na última edição da revista britânica Nature Communications.

No artigo, os autores relatam que o voluntário escolhido para testar a nova técnica, um homem de 56 anos, sofria com um tipo de artrite inflamatória. Devido à saúde debilitada, ele contraiu uma infecção provocada pela bactéria Mycobacterium chelonae. “Esse micro-organismo está associado a problemas na pele e em tecidos moles, principalmente em indivíduos com sistema imunológico fraco, mas é difícil de tratar devido à extensa resistência antimicrobiana”, detalha no texto a equipe do Brigham and Women’s Hospital.

O paciente deu entrada no hospital em janeiro de 2020, apresentando, inicialmente, uma erupção cutânea pequena, que, em pouco tempo, se espalhou por todo o braço esquerdo. Em alguns meses, a situação se tornou crítica, e ele precisou ser internado. Os cientistas contam que, após um ano de tratamento, feito com o uso de antibióticos, a situação não mudou, com o homem sofrendo diversas lesões na pele desencadeadas pela infecção. Os médicos optaram, então, por um tratamento experimental: o uso de um patógeno.

Para isso, saíram em busca de um vírus bacteriófago — especializado em matar bactérias. Eles extraíram micróbios das feridas do paciente e sequenciaram o seu genoma. Também procuraram uma opção promissora entre outros patógenos que, em experimentos laboratoriais, conseguiram tratar superbactérias da mesma família da M. chelonae.

A equipe chegou ao vírus perfeito: o muddy. O voluntário recebeu o patógeno em combinação com antibióticos por via intravenosa. Os resultados começaram a surgir em duas semanas, com o paciente apresentando melhoras nas lesões sem manifestar efeitos colaterais graves. “Os bacteriófagos são capazes de infectar e matar hospedeiros bacterianos, mas o uso clínico é limitado devido a interações complexas com o sistema imunológico humano”, afirmam os autores.

Inédita – A terapia com esses micro-organismos já demonstrou tratar com sucesso a infecção causada por Mycobacterium abscessus, que é amplamente conhecida devido à alta resistência a antibióticos. “Essa é a primeira vez que a terapia fágica foi aplicada à M. chelonae. Além disso, é o primeiro caso em que os resultados são alcançados com um único vírus. Normalmente, são usados coquetéis de vários deles”, declarou, ao jornal El País, Jessica Litlle, principal autora do estudo e pesquisadora do Brigham and Women’s Hospital, nos Estados Unidos.

O paciente, que teve sua identidade preservada, desenvolveu anticorpos contra o vírus muddy, mas sofreu algumas recaídas. A expectativa dos cientistas é de que mais análises poderão tornar o tratamento mais eficaz e seguro. “Precisamos entender melhor a interação entre esses vírus e o sistema imunológico e se isso pode afetar o sucesso do tratamento”, explicou Litlle.

Seguir estudando a técnica também é importante, defende a equipe, porque as superbactérias resistentes a antibióticos podem ser a causa de uma nova pandemia. Marcelo Daher, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), concorda e avalia que a abordagem adotada pelo grupo estadunidense é promissora.

“É uma estratégia muito interessante e bastante similar a tratamentos em uso”, diz. “Temos casos graves de diarreia em que usamos bactérias e fungos retirados de transplantes fecais, por exemplo. É muito positivo ter a possibilidade de transferir esses micro-organismos e controlar doenças.”

Segundo o especialista, o caso relatado pela equipe do Brigham and Women’s Hospital é um pouco mais complexo e trabalhoso “Essa bactéria não é tão comum, o que precisou de uma busca por um vírus que respondesse à ela. Além disso, trata-se do caso de indivíduo imunosuprimido, algo muito específico, mas, no fim, rendeu resultados positivos”, explica.

Daher avalia que, apesar de promissora, a abordagem está distante de um uso ampliado. “Precisamos avaliar melhor até para saber se teremos também outros patógenos com esse mesmo potencial”, justifica. O médico também reforça as medidas que precisam ser tomadas para evitar a crise das superbactérias. “Esse é um problema que vimos durante a pandemia de covid-19, muitos pacientes que morreram por infecções bacterianas. Devido a esse cenário, é importante evitar o uso exagerado de antibióticos, que é feito também em outras áreas, como na agricultura.”                                                                                                                                                                 (Fonte: Correio Braziliense)

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