Procuradora diz que 80 mil crianças são obrigadas a trabalhar e que cenário é grave
O Ministério Público do Trabalho (MPT), em parceria com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgam campanha que busca dar visibilidade à importância de se combater o trabalho infantil doméstico. Esta prática atinge, no Brasil, mais de 80 mil crianças, segundo dados divulgados na última semana pelo FNPETI. A ação de conscientização deste ano conta com um podcast, vídeos e uma live abordando os danos causados a crianças e adolescentes submetidos a esta modalidade de trabalho, que apesar de ser considerada uma das piores formas de trabalho infantil, é extremamente invisibilizada.
A procuradora do Trabalho Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT, explica que o trabalho infantil doméstico não se restringe ao trabalho em casa de terceiros. “Um ponto importante é que, quando falamos de trabalho infantil doméstico, temos sempre a ideia do adolescente que vai trabalhar para uma outra família, que é outra forma comum de exploração do trabalho infantil, mas esquecemos do trabalho infantil doméstico praticado no âmbito da própria residência da vítima, quando crianças assumem as responsabilidades de uma pessoa adulta na casa, lavando roupa, cozinhando, limpando, tomando conta de outras crianças ou de idosos. Isso também é trabalho infantil, é violação de direitos, já que a criança está exposta a esforços físicos intensos, isolamento, longas jornadas, exposição ao fogo, posições antiergonômicas, entre outros riscos ocupacionais que têm impacto no seu desenvolvimento”, explica Villa Real.
Segundo pesquisa do FNPETI divulgada na última semana, em 2019 o trabalho infantil tem sexo e cor, atingindo, em sua maioria, meninas (85%), negras (70%) e adolescentes de 14 a 17 anos (94% do total). Essas meninas realizam uma variedade de atividades incompatíveis com sua idade, mas o mesmo estudo mostra que, em 2019, 48,6% das trabalhadoras infantis domésticas eram cuidadoras de crianças, 40,3% trabalhadoras dos serviços domésticos e 5,3% trabalhadoras nos cuidados pessoais a domicílio. Presente em todos os estados brasileiros, a violação tem incidência particularmente alta nos estados do Paraná (6,9%), Pará (9,2%), Bahia (16,4%) e Minas Gerais (19%) que, juntos, corresponderam a quase 52% do total de casos identificados em 2019.
Para a secretária-executiva do FNPETI, Katerina Volcov, este perfil exige a superação de obstáculos culturais históricos e a prestação adequada de serviços públicos. “Para prevenir o trabalho infantil doméstico, precisamos sensibilizar a população sobre essa temática, porque ainda há uma herança escravocrata que naturaliza a atuação de mulheres em serviços domésticos e naturaliza o serviço de adolescentes nesse tipo de atividade”, declara. “Precisamos de políticas de cuidado e de proteção às crianças e às adolescentes, assim como escolas em tempo integral, porque muitas das adolescentes que trabalham desenvolvendo essas atividades acabam cuidando de crianças menores. Não há creches pra todas as crianças e isso faz com que uma adolescente tenha de cuidar de crianças menores”, completa a Volcov.
A procuradora Ana Maria Villa Real alerta que o cenário é grave para qualquer tipo de trabalho infantil. “O cenário é sensível e preocupante. Com o aumento assombroso do desemprego, da informalidade, da desproteção social das famílias, temos observado um aumento da pobreza e, como consequência, do trabalho infantil”, alerta. Somente nos primeiros oito meses deste ano de 2022, foram recebidas pelo MPT 1.700 denúncias de trabalho infantil. Nesse período, foram firmados pela instituição 495 termos de ajuste de conduta relacionados ao tema e movidas 80 ações civis públicas.
Villa Real explica que para reverter esse quadro dramático, a implementação de políticas públicas é o caminho. “É fundamental promover o trabalho decente e diminuir a pobreza de forma estrutural. Instituir políticas de prevenção e erradicação do trabalho infantil, políticas de proteção social robustas e consistentes, expandir as políticas de creche, assim como as escolas em tempo integral, inclusive com o fim de assegurar a segurança alimentar das crianças, porque muitas delas trabalham para poder comer, para sobreviver, é imperioso. É essa combinação de políticas públicas que vai assegurar infâncias dignas e saudáveis e romper o ciclo da pobreza”.
Para Maria Cláudia Falcão, coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT, o cenário é preocupante, e, sem a adoção de medidas urgentes, é provável que a crise da Covid-19 empurre mais alguns milhões de crianças e adolescentes para o trabalho infantil. “É fundamental que, neste momento onde se estão pensando em diversas políticas de retomada econômica, a criança seja colocada no foco dessas políticas públicas. As crianças precisam ser prioridade. É necessário reduzir os riscos da pobreza familiar e a vulnerabilidade, apoiar meios de subsistência e o acesso à escola, haja vista os índices de evasão escolar. É necessário investir em sistemas governamentais de proteção social para erradicar e prevenir o trabalho infantil”.
Campanha – As atividades deste ano abrangem vídeos que começaram a ser divulgados nas redes sociais quarta-feira (12), e um podcast sobre o tema, disponível, na mesma data, nas principais plataformas de podcasts e também na Rádio MPT.
Nesta sexta-feira (14), uma live sobre a temática no canal de YouTube do MPT, com participação da coordenadora nacional da Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT, procuradora Ana Maria Villa Real, da secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), de Katerina Volcov, da coordenadora-geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista Pereira, e da presidenta do Instituto Trabalho Decente, Patrícia Lima. (Da assessoria)