Bolsonaro inelegível: as alternativas do ex-presidente na Justiça e na política após decisão do TSE
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou nesta sexta-feira (30/6) Jair Bolsonaro (PL) inelegível por oito anos, contados a partir da eleição de 2022, levando o ex-presidente a dizer que levou “uma facada nas costas” e que não está “morto” politicamente.
Apesar da inelegibilidade valer a partir de agora, essa disputa judicial dificilmente se encerrará por aqui.
O ex-mandatário pode apresentar recursos no próprio TSE e já anunciou que poderá acionar o Supremo Tribunal Federal (STF). Tudo depende da estratégia que a defesa escolher, conforme explicam especialistas.
À BBC News Brasil, o advogado de Bolsonaro, Tarcísio Vieira, afirmou nesta sexta após o julgamento que vai esperar a publicação oficial da decisão para decidir qual caminho seguirá. A inelegibilidade significa que, daqui pra frente, o ex-presidente não pode se candidatar a nenhum cargo eletivo até outubro de 2030, mas ainda pode continuar filiado ao seu partido e receber salário da sigla.
Essa punição tampouco traz restrições à expressão de opiniões por Jair Bolsonaro, de acordo com os entrevistados.
Por outro lado, segundo o cientista político Jefferson Barbosa, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a inelegibilidade não deve interromper a influência e a carreira política de Bolsonaro, que se tornou uma figura central na direita brasileira e tem herdeiros políticos próximos, a começar pelos seus próprios filhos: Carlos Bolsonaro (Republicanos) é vereador no Rio de Janeiro; Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PL-SP); e Flávio Bolsonaro, senador (PL-RJ) – os três usaram o Twitter para criticar o TSE e defender o pai. Há ainda afilhados políticos poderosos, como o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Ao mesmo tempo, o caso julgado no TSE é apenas um de vários processos contra Bolsonaro não só na Justiça eleitoral, mas também na Justiça comum.
Além disso, ele é alvo de inquéritos no STF, que lá permaneceram mesmo após a perda do foro privilegiado porque fazem parte de grandes investigações que já estavam tramitando na Corte, como os chamados inquéritos das milícias digitais e das notícias falsas.
Somente no TSE, há um total de 18 ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra Bolsonaro, incluindo a julgada agora. As AIJEs tratam de acusações de abuso de poder nas eleições e têm como pena a inelegibilidade – caso Bolsonaro venha a ser novamente condenado, no entanto, não haverá acréscimo no período em que ficará inelegível.
Segundo o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que apresentou a ação julgada desde a quinta-feira (22) da semana passada, a reunião com embaixadores fez parte de uma campanha sistemática do então presidente para minar a credibilidade do sistema eleitoral, visando questionar o resultado da eleição em caso de derrota.
O argumento foi endossado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) na ação.
Já a defesa de Bolsonaro defendeu no tribunal que o então presidente estava protegido pela liberdade de expressão e conduziu a reunião com a intenção de “aprimorar o processo de fiscalização e transparência do processo eleitoral”.
O relator da ação no TSE, Benedito Gonçalves, acatou o argumento e foi acompanhado por 5 dos 7 juízes da corte.
A BBC News Brasil pediu entrevista para três parlamentares do PL sobre a situação jurídica e política de Bolsonaro, mas eles preferiram não se pronunciar.
Recursos no TSE e STF
O primeiro e mais óbvio recurso que a defesa de Bolsonaro tem é no próprio TSE, onde pode apresentar os chamados embargos de declaração.
“Os embargos de declaração servem pra você suprir uma omissão, uma lacuna no voto, uma obscuridade, uma dúvida, ou para corrigir um erro material… É um recurso dirigido ao próprio órgão que julgou”, explica Jamile Coelho, advogada especializada em Direito Eleitoral, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep) e desembargadora eleitoral substituta no Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE-AL).
Os embargos de declaração devem ser apresentados no prazo de três dias após a publicação da decisão a ser contestada.
A princípio, o plenário do tribunal teria que avaliar o recurso dentro de cinco dias. Este prazo para os juízes, porém, não costuma ser seguido na prática, afirma a especialista.
“O Ministério Público, os advogados têm que entrar [com o recurso] no prazo, sob pena de não acessar aquele direito. Mas os prazos dos juízes são sempre impróprios, ou seja, não tem nenhuma punição se não forem seguidos.”
Mas tanto Coelho quanto o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Wallace Corbo afirmam que os embargos normalmente são julgados rapidamente e dificilmente alteram o resultado de um julgamento — ainda mais no caso em questão.
“É muito difícil que, em um caso tão complexo, que demandou tanta análise do TSE, que haja uma mudança de entendimento por conta desse recurso”, aponta Corbo, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Mesmo que não mude o resultado, é esperado que a defesa de Bolsonaro acione esse recurso porque é um caminho natural dentro do próprio TSE e porque protelar essa disputa judicial pode dar margem para Bolsonaro continuar se apresentando como um candidato viável até que não haja mais recursos possíveis.
Outra alternativa jurídica à disposição de Bolsonaro é o recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF), que seria julgado pelo plenário da Corte.
Assim como o embargo de declaração, este recurso não suspenderia a inelegibilidade do ex-presidente.
“É um recurso em que se alega algum tipo de violação à Constituição, e aí o Supremo seria o responsável por julgar esse recurso e manter a decisão do TSE, ou mudar em algum aspecto a decisão”, diz Corbo.
“Em um caso, por exemplo, que envolva o Direito Eleitoral, uma parte pode alegar que o entendimento do TSE violou seus direitos políticos previstos na Constituição, que violou o devido processo legal.”
Haddad e Lula em 2018; no mesmo ano, Lula foi preso e substituído por Haddad na corrida presidencial (Foto: Nelson Almeida/Getty Images)
Corbo explica que a defesa só pode apresentar um recurso por decisão judicial, portanto, deverá escolher se acionará os embargos de declaração no TSE ou o recurso extraordinário no STF.
Mas Coelho lembra que há uma ordem pra isso: os embargos de declaração precedem o recurso extraordinário — ou seja, não pode ocorrer a ordem contrária, com recurso primeiro no STF e depois voltando para o TSE. Então os caminhos possíveis são a defesa entrar com um recurso primeiro no TSE e depois no STF, ou acionar direto o STF.
Coelho acredita que a defesa de Bolsonaro vai seguir com o recurso primeiro no TSE.
“Em regra, se entra com os embargos de declaração, até para você delimitar o que você quer jogar para o Supremo Tribunal Federal”, diz a advogada.
Ela acrescenta que o recurso extraordinário não analisa mais provas, apenas a questão da constitucionalidade.
A advogada avalia que as próprias divergências no julgamento do TSE devem ser aproveitadas no recurso — como a polêmica inclusão da chamada minuta golpista no processo, já que esse fato vai além do escopo principal da AIJE julgada no TSE, referente à reunião com embaixadores em julho de 2022.
O futuro político de Jair Bolsonaro após a inelegibilidade
Em um encontro do PL na semana passada, Jair Bolsonaro falou que está pensando em se candidatar a vereador pelo Rio de Janeiro em 2024 e depois, “se estiver vivo até lá e também elegível”, tentar a Presidência em 2026.
Ele minimizou a inelegibilidade determinada pelo TSE afirmando que o contexto poderia mudar.
“Só por curiosidade, o presidente do TSE em 2026 será o Kassio Nunes, que eu indiquei. O vice-presidente do TSE em 26 [2026] será o terrivelmente evangélico André Mendonça, que eu indiquei. As coisas mudam”, disse o ex-presidente.
Dias depois, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo publicada segunda-feira (26), Bolsonaro admitiu que poderia ficar inelegível, mas afirmou que pretendia seguir na vida pública. Já nesta sexta ele falou em recorrer ao STF contra decisão já esperada.
Quando perguntado sobre possíveis sucessores, ele demonstrou timidamente que poderia apoiar alguns nomes que têm sido apontados para esse posição — como sua própria mulher, Michelle Bolsonaro, e o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“Se ela quiser, ela pode sair candidata. Mas o que eu converso com a Michelle é que ela não tem experiência”, disse sobre a ex-primeira dama.
Sobre o governador de São Paulo, Bolsonaro o descreveu como um “excelente gestor” e, perguntado sobre se o apoiaria como candidato à Presidência, respondeu: “Pode ser. Teria que conversar com ele”.
Para o cientista político Jefferson Barbosa, independente do resultado no TSE e da manutenção ou não da inelegibilidade após recursos, Bolsonaro capitalizaria sobre a situação.
“Como herói ou como mártir, a imagem vai trazer seus dividendos. É claro que, para o partido [PL] é muito melhor o ex-presidente como candidato. Entretanto, se não ocorrer, toda esta simbologia e esse peso do mito político vai render créditos para aquele que se alçar a herdeiro para o próximo processo eleitoral”, aponta Barbosa, doutor pela Unesp e professor na instituição.
O cientista político destaca que, mesmo antes do julgamento, a imagem de Bolsonaro como uma vítima do sistema já estava sendo impulsionada nas bases sociais — online e offline — de seus apoiadores.
“Toda a sua base eleitoral, seus militantes mais aguerridos, os chamados bolsonaristas, terão munição para trabalhar a imagem da condenação do ex-presidente. A ideia do mito Bolsonaro ganha então novos ingredientes: o mártir, aquele que foi atacado por forças que estão trabalhando contra o que eles colocam como o ‘povo brasileiro'”.
“É curioso o próprio pêndulo do Partido Liberal: ele esteve na aliança governamental petista e, agora, está com o bolsonarismo, simplesmente pela rentabilidade da imagem deste e deste movimento”, diz Barbosa.
“Parece que o Partido Liberal e os seus congressistas estão aderindo cada vez mais a esta pauta da moral, dos costumes, da religião. Porque isto garante votos.”
Para o cientista político, a inelegibilidade de Bolsonaro tem duração incerta não só pela possibilidade de recursos judiciais, mas também pela própria instabilidade do contexto político e social do Brasil.
“Podemos lembrar, por exemplo, que um [ex-]presidente ser condenado hoje nada garante que ele ficará inelegível pelos próximos oito anos. Afinal, os rumos políticos brasileiros têm sido muito instáveis nos últimos anos. O próprio atual presidente Lula teve seus direitos políticos cassados, foi preso, e a base de apoiadores de Bolsonaro não levava em conta a possibilidade da sua candidatura, muito menos sua vitória eleitoral.”
Barbosa diz que, com base em fatos ocorridos na política brasileira nos últimos anos, elementos como a pressão social e do Legislativo podem eventualmente afetar os rumos da inelegibilidade de Bolsonaro — uma combinação complexa de fatores como a que levou ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 e à prisão e absolvição de Lula.
Um exemplo já visível dessa pressão via Legislativo é a mobilização liderada pelo deputado federal Sanderson (PL-RS), o qual anunciou que pretende apresentar um projeto de lei para anistiar todos os crimes eleitorais que não tenham envolvido violência e corrupção no pleito de 2022 — algo que poderia beneficiar diretamente Bolsonaro.
Barbosa lembra que o governo atual do PT foi formado por uma frente ampla heterogênea e tem dificuldades de articulação com o Congresso, o que pode contribuir para instabilidades.
Ele destaca também a possível influência no Brasil do cenário internacional, sobretudo nos Estados Unidos, onde o republicano Donald Trump pretende se candidatar novamente à Presidência em 2024 em meio a diversas investigações e processos judiciais, inclusive pelo ataque ao Capitólio em janeiro de 2021 — semelhante em vários pontos ao ocorrido em 8 de janeiro em Brasília.
“Temos então, um momento de incertezas. Desde a situação do trumpismo, se ele vigorará, aos rumos da economia brasileira”, diz o cientista político.
(Por Mariana Alvim, da BBC Brasil em São Paulo)