A caminho do 3º transplante, o sorriso é de quem não perdeu a esperança
Os fios de cabelo cacheados quase na altura dos ombros e a cicatriz no peito parecem as únicas testemunhas dos 7 anos de luta de Fabíola Cristina Jesus Escobar. É preciso determinação e esperança para seguir em frente dia após dia após o diagnóstico de leucemia, mas o sorriso no rosto e brilho no olhar pouco revelam da dor, pelo contrário, são a prova de que mesmo nos dias mais sombrios a jovem ainda é capaz de sonhar.
Com a história de Fabíola, o Campograndenews abre oficialmente 2019 com uma série de reportagens sobre a necessidade, a luta contra o relógio, o apelo pela vida de quem depende de um transplante.
Para a maioria dos jovens de classe média, o dia-a-dia de Fabíola era comum aos 19 anos, decidida a conquistar para si um futuro estável, ela tinha uma jornada dupla, dividida entre o trabalho e os estudos, seguia ritmo que fazia com que o cansaço diário, parecesse apenas consequência da rotina.
“Normalidade” que mascarou por muito tempo uma doença, que para Fabíola foi silenciosa e, com sintomas como manchas roxas que apareciam na pele sem explicação, sangramento no nariz e na boca, imunidade baixa, sonolência e cansaço, passam facilmente despercebidos aos mais desatentos. O diagnóstico de leucemia foi tardio, segundo ela 85% da medula já estava comprometida, o que torna o tratamento ainda mais complicado e as chances de recuperação muito menores do que as de um câncer descoberto no início.
Fabíola trabalhava durante o dia como auxiliar de produção em uma fábrica perto da casa em que morava na época, a distância era percorrida a pé, tanto na ida quanto na volta. Um esforço que fazia parte do sonho de concluir os estudos em Radiologia e conseguir um bom emprego na área, mas que precisou ser interrompido depois de exames de rotina exigidos pela empresa em que trabalhava fizeram a vida dela mudar completamente de rumo.
Do diagnóstico de leucemia para cá, já se passaram quase 8 anos, em que Fabíola viu os anos que marcam o fim da adolescência e todo começo da vida adulta perdidos entre os corredores do hospital e sessões de quimioterapia.
Enquanto os amigos na mesma idade frequentavam bares e festas da universidade, planejavam o futuro e experimentavam a liberdade necessária à juventude, sem grandes preocupações com o dia de amanhã, para Fabíola cada nascer do sol era motivo de gratidão, apesar dos efeitos colaterais da quimioterapia, que ao destruir as células doentes, também parecia levar um pouco da vitalidade dela a cada dia.
Hoje Fabíola é noiva e faz planos de se casar no civil no dia 12 de janeiro deste ano, mas ao contrário da maioria dos casais, o pedido de namoro veio ainda no hospital durante o primeiro ano de tratamento, ela conta que os dois se conheceram durante o curso de Radiologia e amizade acabou virando romance, não nas condições que ela esperava, mas em um cenário que poderia ser um filme roteirizado por John Green ou Nicholas Sparks, escritores de romance muito populares atualmente.
“Parecia que estávamos em outra época, por causa do tratamento minha imunidade estava baixa e nos primeiros 6 meses, não podíamos nos beijar, ficamos sentados um ao lado do outro conversando, com alguma distância e uma máscara cirúrgica entre nós. Em nenhum momento ele me abandonou, mesmo quando meus cabelos começaram a cair, ele nunca disse que eu estava feia e nem perdeu a esperança de que eu iria superar a doença”, relembra.
O primeiro transplante só aconteceu em 2016, após 4 anos de tratamento, por falta de opção dos médicos e sem doadores compatíveis, o procedimento foi “autólogo”, com células tronco da própria medula de Fabíola, tratadas com altas doses de radiação ou quimioterapia para garantir que não existam células cancerígenas.
Procedimento foi feito em São Paulo e deu à Fabíola mais 1 ano de esperança, entre os cuidados pós transplante e a possibilidade de voltar a sonhar. Foram 15 dias em isolamento absoluto, com medicações diárias para restabelecer a imunidade e monitorar a adaptação do corpo, depois desse período ela recebeu autorização para sair do hospital, mas durante 5 meses o acompanhamento é constante, com idas e vindas do hospital para novos exames. Dentro do período de 100 dias o alerta é máximo, com dieta restrita, ela não pode comer iogurtes, queijos, verduras e nenhuma fruta de casca mole para evitar qualquer risco de contaminação, além de todas as vacinas que precisam ser refeitas. Após esse tempo, se o corpo não sofrer nenhuma reação, a rotina começa a voltar aos poucos, os exames ganham um intervalo maior de tempo e se tudo der certo, o paciente só precisará voltar ao hospital 1 vez por ano, por “desencargo de consciência”.
Fabíola estava perto de completar 1 ano de transplante muito bem, os médicos estavam otimistas sobre o estado da doença, quando a presença de novas células cancerígenas foram detectadas. Dessa vez, com um pouco mais de sorte, um doador 100% compatível foi encontrado e em janeiro de 2017 ela retornava a São Paulo para uma nova tentativa.
Com bolsa integral para cursar Direito em uma universidade particular, ela estava pronta para recomeçar a vida, mesmo com todos os cuidados pós transplante. Ainda que o doador fosse 100% compatível, Fabíola teve rejeição do pulmão e da pele, consequências que quem transplante medula fica suscetível, a rejeição da pele melhorou depois de algum tempo sem se expor ao sol e com muito protetor solar, até dentro de casa, mas a reação do pulmão é crônica e ela vai precisar viver com as limitações respiratórias por toda a vida.
No clima de Campo Grande, atualmente ela precisa de 3 inalações ao dia e medicamentos como corticóide para diminuir os acessos de tosse e falta de ar, um preço considerado razoável perto da quimioterapia.
O aniversário de 2 anos de transplante parecia a confirmação de que, dessa vez, os sonhos que Fabíola nunca deixou de lado poderiam se tornar realidade, no 8º semestre do curso de Direito, ela fazia estágio em um escritório de advocacia, já tinha adiantado algumas matérias dos últimos semestres e além da formatura em vista, também haviam os planos para o casamento.
Tudo mudou quando os sinais que ela aprendeu a reconhecer tão bem voltaram, em um intervalo de 12 dias entre o último exame que apontava a medula limpa das células cancerígenas, Fabíola voltou a sentir o conhecido cansaço e ter pequenos sangramentos na boca e no nariz, trazendo a tona uma suspeita que ela confirmou no dia seguinte a internação no hospital para novos exames.
Mesmo com a universidade trancada e com os planos para a festa de casamento adiados, Fabíola ainda mostra determinação em vencer a doença. Segundo ela, no Brasil não existe um caso de 3º reincidência do quadro de leucemia e os médicos ainda discutem os próximos passos, já que depois da rejeição do pulmão, os riscos de um 3º transplantes são ainda maiores, trazendo de volta toda a incerteza do passado.
Aos 27 anos, Fabíola tem o olhar distante, com marcas de uma dor que nunca a impediu de continuar tentando, o pensamento está no irmão que ela perdeu há 2 anos em um acidente de moto, ele acompanhou toda a luta dela pela vida e para quem ela prometeu não desistir até o último minuto, hoje a força vem também do amor que faz dele vivo dentro dela.
Podem doar medula óssea pessoa em bom estado de saúde entre 18 e 55 anos, através do Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), depois da retirada de 5 ml de sangue, enviados para exame em laboratório e arquivados no banco de doação, o transplante só é realizado em caso de compatibilidade genética entre paciente e doador.
(Por Kimberly Teodoro, do campograndenews)