Cidade de MT ‘abraça’ direitos da natureza, mas recua após pressão de agronegócio
No dia 19 de julho, o programa “Harmonia com a Natureza”, das Nações Unidas, celebrou em suas redes sociais a inclusão dos “direitos da natureza” na Lei Orgânica do município de Cáceres, no Pantanal mato-grossense, próximo à fronteira com a Bolívia. A medida havia sido aprovada dois dias antes, por unanimidade, pela Câmara Municipal. Na segunda-feira (14), no entanto, os vereadores mudaram de ideia e revogaram a decisão anterior por ampla maioria: 12 a 3.
A instituição de direitos para a natureza é uma tendência que já vem sendo adotada em dezenas de países. Parte do reconhecimento do ambiente natural como sujeito de direitos, que devem ser protegidos assim como acontece com cidadãos. O reconhecimento pode ser mais genérico ou específico. Um rio, por exemplo, pode ter garantidos seus direitos.
Cáceres é a sexta cidade brasileira a adotar tal iniciativa. Bonito (PE), Paudalho (PE), Serro (MG), Guajará-Mirim (RO) e Florianópolis já aprovaram medidas semelhantes. No Equador — que reconheceu os direitos da natureza em âmbito nacional —, a primeira vara judicial da natureza foi estabelecida para garantir os direitos do Arquipélago de Galápago. Na Costa Rica, discute-se os direitos das abelhas.
Na cidade pantaneira, contudo, a decisão sofreu forte oposição do agronegócio, mais especificamente de empresários do ramo da pecuária. Em um ofício encaminhado no último dia 9 ao legislativo municipal, o Sindicato Rural de Cáceres solicitou a “imediata revogação” da emenda à Lei Orgânica. O presidente do sindicato, Aury Rodrigues, argumenta no documento que a medida seria inconstitucional.
“Em que pese a competência legislativa concorrente para legislar sobre matéria ambiental, à União cabe legislar acerca das normas gerais, enquanto que a Estados e municípios a competência legislativa se restringe a suplementar as normas gerais editadas pela União”, diz o documento enviado ao presidente da Câmara, Luiz Landim (PSB).
Cinco dias depois, o plenário aprovou urgência para o novo texto e revogou a emenda. Autor do projeto de lei, o vereador Cezare Pastorello (PT) disse que a pressão dos empresários do agronegócio levou seus colegas a mudarem de lado. Segundo ele, nove vereadores assinaram como autores do projeto de lei e, mesmo assim, optaram pela revogação relâmpago em plenário.
Durante a votação, todos os parlamentares que subiram à tribuna se disseram defensores da natureza, mas não apresentaram argumentos técnicos para a urgência na revogação da matéria. Autor do pedido de revogação, o vereador Flávio Negação (União Brasil) classificou como “absurda” a acusação de coação por parte dos ruralistas e defendeu a liberdade dos vereadores para mudarem de opinião. Procurado, ele não quis se manifestar.
Seu colega Isaías Bezerra (Cidadania), que também havia aprovado o projeto original, disse que após se debruçar sobre o texto encontrou uma série de “pegadinhas”, mas não as detalhou. Ele chegou a dizer que plantações e pastagens “também fazem parte da natureza” e que, portanto, devem ser protegidas por meio da aplicação de agrotóxicos “para eliminar as pragas”.
Pastorello repetiu o apelo feito aos colegas antes de ser derrotado na votação. Segundo ele, o selo de cidade que respeita os direitos da natureza poderia ser um diferencial competitivo para a pecuária de Cáceres. “Quando os compradores, sobretudo estrangeiros, fossem escolher, certamente dariam preferência a um local que instituiu oficialmente o respeito aos direitos da natureza”, afirmou o vereador.
“O recado que estamos dando é negativo, de que o pecuarista de Cáceres é contrário ao desenvolvimento sustentável e ao meio ambiente”, completou.
Presidente do Sindicato Rural, Rodrigues justificou a revogação como uma forma de evitar um acúmulo de funções para o poder público local e também para evitar um excesso de regulação sobre o tema. “Já temos muitas leis, não é preciso criar novas, é preciso cumprir o que existe”, afirmou. “O poder público tem que cuidar da saúde e da educação. Ninguém aqui é contra a natureza”, completou o produtor.
Pastorello também destacou que a certificação ajudaria a melhorar a imagem ambiental de Mato Grosso, Estado com o maior rebanho do Brasil, com cerca de nove bovinos por habitante, segundo o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea-MT). Cáceres figura entre as cidades com maior número de cabeças e de propriedades dedicadas à pecuária.
De acordo com o levantamento mais recente do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mato Grosso ultrapassou o Pará e assumiu o primeiro lugar em volume de desmatamento no bioma amazônico. Os dados mostram que o desmatamento no Estado entre janeiro e julho deste ano caiu 7% em relação ao mesmo período de 2022, ante uma queda média de 41% para todos os Estados que compartilham a Amazônia.
Procurada para comentar o resultado, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso afirmou que, no período analisado, o desmatamento com autorização ambiental representou 42% de toda a supressão de vegeral no Estado. Ou seja, as ações foram realizadas em acordo com o Código Florestal Brasileiro.
O órgão acrescentou que Mato Grosso investe neste ano R$ 77 milhões na prevenção e combate ao desmatamento ilegal e incêndios florestais. Segundo a secretaria, é o maior orçamento para esta finalidade da história.
“Utilizamos imagens de satélite de alta resolução e precisão para identificar com rapidez os crimes ambientais, e impedir a continuidade ainda no início. Desde o início do ano, o Estado aplicou multas que somam R$ 1,1 bilhão em 185 operações ambientais realizadas”, informou a pasta, em nota.
(Por Murillo Camarotto, do Valor — Brasília)