Loja faz bonecos negros, com down, cegos, vitiligo e lábio leporino
As palavras fortes e de empoderamento da avó materna, Maria Francisca Henrique, ecoam até hoje na cabeça das três irmãs: Joyce Venancio, Maria Cristina Venancio e Lucia Venancio. “Foi sensacional nascer na família que nascemos. Tivemos pais conscientes e avós fundamentais para toda a nossa formação, principalmente a vovó, que sempre nos encorajou a sermos nós mesmas e nunca nos intimidarmos por nossa cor”, diz Joyce.
Hoje, empresárias e donas da Loja Preta Pretinha, que faz bonecos inclusivos, entre eles, negros, com síndrome de down, cegos, amputados, com vitiligo, elas conquistaram seu espaço e brigam para que outras crianças tenham a mesma inspiração que tiveram.
Joyce conta que os pais trabalhavam e a avó cuidava das crianças da família. “Ela aproveitou diversos momentos para conversar sobre o que nós representávamos para a família e sobre os obstáculos que iríamos enfrentar na vida por sermos negras. Frisava bastante que éramos lindas, inteligentes e nos incentivava a estudar e guardar dinheiro para frequentarmos os melhores restaurantes sem dar atenção à cara feia de ninguém”, fala Joyce.
Na infância, a empreendedora questionava muito a avó e a mãe sobre a ausência de bonecas negras. “As poucas bonecas negras que apareciam no mercado tinham traços de brancas. Eu e minhas irmãs não nos identificávamos com elas. ”
Joyce lembra que um dia chegou em casa chorando porque queria uma boneca parecida com ela. A avó, sensibilizada, mesmo sem ter o “dom para fazer uma boneca”, decidiu arriscar e produzir uma peça. Comprou a cabeça de uma boneca branca de plástico, tingiu uma meia de seda de marrom, vestiu na peça, que ficou bem modelada parecendo a pele da boneca, pintou o rosto, customizou o corpo com tecido e enchimento. E pronto!
“O dia que levei na escola foi uma festa. Algumas crianças gostaram, outras falaram que era feia. Por ter a autoestima bem trabalhada em casa, eu não me intimidei. Desde então, eu e minhas irmãs falávamos que quando adultas teríamos uma loja de bonecas negras. ”
As meninas cresceram, cada uma seguiu sua carreira e em 2000 se uniram para abrir a Preta Pretinha, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo.
Peças inclusivas, sem estereótipos
A loja é conhecida por comercializar bonecos inclusivos. Lá é possível encontrar bonecos negros (com dread, trança raiz, black power etc.), com síndrome de down, cegos, amputados, vitiligo, fenda labial (também conhecido como lábio leporino), ruivo, oriental, castanho… “Produzimos bonecos de todos os estilos e tamanhos e percebemos que muitas pessoas idosas também amam as nossas peças. ”
Joyce conta que as bonecas da Preta Pretinha não são estereotipadas e são produzidas com tecidos de boa qualidade. “As pessoas tinham uma visão errada de bonecas negras como sendo bruxinhas, nega maluca, nega flor. Nós quebramos tudo isso. Nosso papel foi realmente de inclusão. ”
Segunda a empreendedora, a loja é frequentada por educadores, professores, juízes da Vara da Infância e da Família e mídia.
“Esse público acabou fortalecendo bastante nosso trabalho. Em algumas visitas eu cheguei a ouvir professores reclamando que as crianças exigiam que falassem sobre a africanidade nas escolas. Sempre que conseguia, interferia e falava sobre a importância de se falar sobre grandes nomes de negros que fizeram o Brasil, como escritor e historiador Teodoro Sampaio. Muitos não sabem que ele era negro. ”
Bonecos a partir de R$ 10
A Preta Pretinha comercia em média 1.200 bonecos por mês. O mais barato é o mini boneco de 8 cm (R$ 10), e o mais caro é a boneca Mariah (tem 49 cm e é o carro-chefe da loja), que sai por R$ 198.
A loja também produz bonecos personalizados que são feitos sob medida e ficam mais caros. Entre os trabalhos das irmãs estão os personagens João e Maria dos dois livros do ator Lázaro Ramos: Caderno de Rimas de João e Caderno sem Rimas de Maria.
Além do estabelecimento comercial, as irmãs mantêm o Instituto Preta Pretinha e dão palestras sobre africanidade em escolas públicas.
(Fonte: R7)