Enquanto muitos têm medo de preso, Val comemora ser recebida de braços abertos
Mato Grosso do Sul tem 7.302 presos trabalhando. Remunerados e não remunerados, esse grupo faz parte dos que buscam por ressocialização e tentam recomeçar a vida. Após sugestão de uma cliente, o Campograndenews foi até a casa de bolos, na Vila Carvalho, em Campo Grande, para saber a história das funcionárias, todas detentas.
Valquíria Cardoso da Silva, de 34 anos, concordou em falar com a reportagem, sem receio de mostrar o rosto. Com sorriso de ponta a ponta, há 1 ano e meio, ela é a gerente da loja cheia de planos para o futuro.
Ela revela que foi presa por tráfico de drogas. Também diz que o foco agora é cumprir a pena e voltar para casa para ficar com os quatro filhos pequenos. Além de reencontrar a família, ela afirma que espera ter uma nova chance para conseguir um emprego e seguir a vida, “porque as pessoas têm medo de preso”, acrescenta.
“Tem muitas mulheres, homens, pessoas do regime fechado ao semiaberto, que querem realmente mudar de vida, mas não têm oportunidade. Eles (empresários) têm medo. É um preconceito enorme contra os detentos. Muita loja não contrata alguém que cumpre pena com medo de perder o cliente”.
Na contramão disso, a empresária e dona da empresa, May Arakaki, de 35 anos, divide o atendimento com as três funcionárias que ainda cumprem pena por seus crimes. Uma delas, já com 18 anos de cadeia, é a maior surpresa para a empresária. “Ela já teve muitas idas e vindas, mas está junto com a Valquíria e outra funcionária, entre as melhores, e vai completar um ano conosco”, afirma.
May diz que já ouviu muito a pergunta “você não tem medo?” quando conta para alguém que seu quadro de funcionários é composto por presos. “Eu penso que quem deve ter mais medo são eles. Afinal, eles estão em busca da liberdade e de recomeçar a vida. Se fizerem algo de errado, perdem mais uma chance e recomeçam tudo de novo. Hoje, eu só consigo enxergar benefícios e gratidão da parte delas em trabalhar na minha empresa”.
Os instantes de risadas entre Valquíria e May provam que a relação profissional já virou amizade. “Eu tenho total confiança nela. Val é a gerente, ou seja, é a pessoa que é cobrada por todos os lados, dos patrões aos clientes, e ela tira de letra tudo isso”, afirma a dona.
A funcionária faz questão de confirmar o bom relacionamento e sugere que outros estabelecimentos assinem parceria com o sistema penal para que haja novas oportunidades, mas com a garantia de valorização. “Aqui eu sou tratada com respeito. Nada é exigido além das minhas funções, eu como da comida que eles comem, sou tratada com dignidade, porém, existem pessoas que tratam mal funcionários que são presos. Eu acho que tinha que ter empresas que realmente vestem a camisa da ressocialização, não apenas usufruir da mão de obra por causa do benefício financeiro”, comenta, lembrando que, fora da lei, milhares de empresas se beneficiam, uma vez que não têm de recolher os encargos trabalhistas.
Passado – Antes de ser presa, Valquíria vivia no Jardim Noroeste. Aos 15 anos diz que fez seu primeiro “corre” (tráfico), e viu que era dinheiro fácil. “Pra mim, fazer o corre era melhor, porque eu não precisava ter vínculo com empresa nenhuma, eu tinha o meu dinheiro, dinheiro fácil”.
Mas o dinheiro foi a única coisa que restou na vida de Valquíria, e só durante um tempo. “Quando a gente entra no crime, a gente entra com uma ilusão porque há muito dinheiro, mas ele traz coisas que você não quer: desacertos, inimigos, pessoas ruins, inveja, violência e amigos, que na verdade, nunca são seus amigos”.
O “serviço sujo” durou anos, até Valquíria ser presa dentro de casa, há dois anos, com inúmeras denúncias. “Paguei muito da minha faculdade traficando”, lembra de quando fez três anos de Pedagogia.
Hoje, os planos é terminar de cumprir a pena e voltar para casa sem hora de marcada para passar pelo portão do presídio. “Foi a primeira e única vez que eu fui presa, hoje, meus planos é cuidar da minha família, a única coisa que tenho, e dar continuidade ao meu trabalho”.
Emocionada, ela diz que chora quando a chefe diz seu nome seguido de seu cargo como gerente. “Quando ela me chama pelo nome e me apresenta como gerente, passa um filme na minha cabeça. Eu lembro que até um ano atrás eu era só uma presa, hoje eu sou a Valquíria, gerente de uma casa de bolos”.
A proprietária chora junto, e garante, que diante do caminho que a funcionária tem trilhado, o recomeço após o fim da pena promete ser melhor. “Se Valquíria continuar comigo, se esse trabalho continuar fazendo bem a ela, como tem feito para minha empresa, ela será uma funcionária contratada, de carteira assinada, com seus direitos garantidos, após o cumprimento de sua pena”, afirma.
Contratação – Em Mato Grosso do Sul, todo preso que é encaminhado ao mercado de trabalho passa uma comissão técnica, composta por assistentes sociais, psicólogos, diretor de unidade prisional e corpo de segurança.
Entre os critérios para contratação, estão ordem de chegada na unidade prisional, qualificação profissional, histórico disciplinar, além do próprio perfil requisitado pelo empregador.
(Por Thailla Torres, do Campograndenews)