A escravidão mora ao lado: “Adotada” aos 6 dona Neli foi descartada sem direito a nada e agora busca justiça

Se alguém pensa que a escravidão acabou, talvez não saiba – ou não queira ver, que ainda existem aqueles que tratam seres humanos como tal. A história da dona Neli mostra que a injustiça mora ao lado. “Adotada” aos seis anos, ela foi “descartada” sem receber direitos trabalhistas e com a dignidade ferida por aqueles que acreditava “ser da família”. O caso aconteceu em Campo Grande (MS).

E quem conta a história dela é a filha, Alessandra Rodriguez. “Entregue a adoção com apenas seis anos de idade, Dona Neli, conhecida por todos como Tereza, conheceu cedo o peso do abandono. Na época, era comum crianças serem incorporadas a lares para diversas finalidades, entre elas a servidão, através da chamada adoção à brasileira”, contou ela, que pelo estudo quebrou o ciclo.

A história mostra que dona Neli teve a  infância permeada de muito trabalho, já que foi “adotada” para ser babá e cuidar das crianças da família, entre outros afazeres.  “Com o passar do tempo, conforme minha mãe crescia, suas responsabilidades aumentavam, passando a ser responsável pelos afazeres domésticos. Motivo pelo qual não lhe foi permitido frequentar a escola, pois era ela quem fazia tudo dentro de casa e cresceu acreditando que fosse normal, e até uma forma de carinho a maneira a qual era tratada, mesmo com as diversas surras, o desdém e o sofrimento pela cor de sua pele”, relembra.

A pressão psicológica também fazia parte da vida na casa “de família”. Dona Neli, morava em um cômodo nos fundos da “casa grande”, e várias vezes quis sair e viver uma vida diferente. Quando isso acontecia, Alessandra conta que a mãe era pressionada pelos “insistentes pedidos de permanência e até uma suposta dívida de gratidão que a prendiam ao lugar. Continuou então sua jornada no local, sempre trabalhando”.

Não tinha dia nem hora, o tempo todo Neli era acionada para servir a todos. E não tinha o direito de descanso respeitado. “Minha mãe dedicou sua vida aos cuidados daquela família, sem receber nada, privada de seus direitos e de realizar seus sonhos. Ela sempre esteve ali, ajudou na criação de muitos, embora poucos reconheçam e sintam o mínimo de gratidão por seu esforço”, se revolta.

Hoje, aos 63 anos, após 57 longos anos dedicados de trabalho, foi mandada embora. A revolta fica maior porque a dispensa aconteceu sem consideração, sem direito algum, sem condições sequer de uma aposentadoria.

E foi preciso acionar a justiça, já que para receber o que lhe é de direito. Dona Neli foi obrigada a entrar com um processo na justiça trabalhista. “E minha mãe mesmo sofrendo constantes ameaças de despejo, humilhações, sendo coagida e desrespeitada por aqueles que na audiência, perante um juiz, juram tê-la como membro de sua família, mas na realidade, nunca o fizeram e adotam vergonhosa conduta, ela continua sendo uma pessoa que tem amor. Sempre foi frisada sua condição e ela, que já foi chamada de burra, analfabeta e até de escrava, é tratada como uma serviçal”, conta a filha revoltada.

São vários questionamentos que ficam para a família. “Qual o valor da dignidade? Qual o valor de uma vida toda de abnegação e lealdade? Hoje está em jogo a vida de uma mulher cujo maior pecado foi acreditar que merecesse tão pouco, colocando sua própria vida em função daqueles que hoje, sem consideração ou piedade a afligem tanto sofrimento. Vidas Negras Importam e que as lágrimas e a luta de Tereza não seja  em vão”, lembra a filha, sobre a história da mãe”.

Para quem quiser ajudar, o telefone de contato é o 67 9 9330-6222. (Fonte:aonca.com.br)

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