Acamada, artista plástica voa e pinta no tablet memórias da vida

Acamada, no residencial Casannova, lugar de repouso em que ela vive, com esclerose múltipla, Regina Penna usa o tablet e memora as coisas boas da vida

Inspirada na natureza, nos banhos de cachoeira, vida campestre ou tardes ensolaradas que viveu, o que não falta para a artista plástica Regina Pena, aos 67 anos, é criatividade.

Quando descreve a alma do artista, pensa sem pestanejar, em simplicidade. Para ela, tudo que criou foi feito para o universo. “Ter a alma simples é o maior detalhe de um artista. Além de toda mensagem, tem a alma muito pura”, reflete.

Entre as memórias e sonhos mais frequentes, ressalta a chuva, os raios de sol, um banho no mar ou nadar nas águas doces de Chapada. Fecha os olhos e imagina. “Flutuantes é o nome de uma das séries que fiz, uma das minhas preferidas. Tem a ver com água e estar em contato com a natureza assim, leve e sem tocar o chão”, diz.

De renome internacional, Regina Penna por si mesa, nesta auto-imagem

No quarto, um cigarro e a janela

Se limita só quem pensa que a saúde de Regina, mulher livre e a frente do seu tempo, se restringiria a um quarto. No espaço em que ela conversa com a reportagem está cercada com inúmeras tecnologias hospitalares, uma janela quase sempre fechada, uma TV e um tablet.

Apesar de enfrentar a esclerose múltipla desde 2006, o que ilustra são suas memórias mais bonitas, como sempre foi. Os cenários variam entre Cuiabá e as cidades do interior como Chapada dos Guimarães, Distrito de Bom Sucesso, Santo Antônio do Leverger ou em Cascavel, cidade do Paraná. “Nunca considerei parar de fazer o que eu faço. Minha inspiração vem de dentro, são fragmentos do que guardei em mim”, comenta.

Enquanto narra, reclama do que já saíra na mídia, notícias dando mais destaque ao atual estado de saúde do que ao seu trabalho.

Acende um cigarro, puxa e traga o fumo, solta em um suspiro profundo – como quem reflete os últimos tempos. “Arte para mim é fonte de vida. Antes, desde as 5h da manhã eu estava trabalhando no ateliê. Amo pintar, mas também trabalhar com esculturas. Eu catava um objeto que acreditava poder fazer algo e, às vezes, ficava semanas olhando pra ele, até criar”, lembra.

Um barulho vem do banheiro. Enterrompe-se a entrevista, Regina pede um favor à reportagem. “Por favor, abre novamente a janela do banheiro” – e cata mais um cigarro da carteira.

Quem fechou foi outro morador do residencial Casannova, lugar de repouso em que ela vive. O mesmo que outrora recebeu o patrono do colunismo social de Mato Grosso, Jejé de Oyá.

Paredes com tela de Regina Penna, que tem projeção internacional

Saudade do cheiro da tinta

Para Pena, um dos maiores desafios que compete a todo artista plástico é a hora de saber parar. Parar com a tinta, com os traços ou de aperfeiçoar. O humor afeta nas expressões de suas obras, mas não nas cores. Com o avanço da esclerose, teve de guardar os pincéis, mas continuou exercendo seu melhor por meio de um aplicativo no tablet.  Quando não gosta de algo que fez na plataforma, passa o dedo por cima, faz outra vez.

Em uma das cenas mais bonitas que pensa ter visto, memora lavadeiras com os tecidos esticados entre as cristalinas águas do rio. Para ela, uma verdadeira aquarela. “Sinto muita falta do cheiro das tintas, mas todos meus momentos artísticos foram importantes. Eu soube expressar meus sentimentos, assim como faço agora, por essa tela”, ao apontar para o display.

Em 2007, sem conseguir segurar o pincel, também começou a escrever poemas. Apesar de ainda ser resistente a ideia da escrita, lançou um livro.

 Enquanto acontece o bate-papo dentro do quarto da artista, uma cantoria faz fundo sonoro, todos os idosos fazem um coro na recreação. “É a religião deles”, diz sorrindo supondo que seja rotina.

Comparações com Frida Kahlo

“Eu sou aquariana, teimosa e persistente. Não me deixo abater facilmente”, define. Apesar de admirar Frida, não entende bem a comparação que sempre lhe é atribuída. “Não sei, ela me parecia mais triste”, acha.

Em seguida, retoma o fôlego e concorda com a afirmativa de que, talvez, a artista mexicana também discordasse de algumas coisas que saíssem sobre ela nos jornais.

Exposição no Sesc Arsenal segue até dia 29 e traz telas atuais da artista

Exposição

No Sesc Arsenal sua exposição Metamorphoses segue até dia 29 de março.

Neste momento artístico, ela está repousada na arte contemporânea por meio das criações através da plataforma de arte digital.  Obras que trazem temáticas figurativas e abstratas. Os temas, além da natureza, mostra mulheres, relacionamentos, política, metamorfoses e abstrações com geometrias e balões.

Desta vez, começa um barulho de chuva, atenta aos sons – sensitiva e sensasorial – declara que tenta imaginar o dia. Como o dito popular, a jornalista lhe descreve, sol e chuva – casamento de viúva, alguém bate na porta. É hora de ir.

 

SERVIÇO

Exposição Metamorphoses de Regina Pena

Vai até: 29 de março

Terça e Sábado: das 14h às 21h

Domingo: das 15h às 21h

Local: Sesc Arsenal – Cuiabá. Na Galeria de Artes.

( Por Mirella Duarte, do RDnews)

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