Agressão e racismo após acusação de furto em loja de shopping em Cuiabá
Um servidor público federal denunciou ter sofrido agressão e racismo ao ser acusado de furto na saída de uma loja de um shopping em Cuiabá, na quarta-feira (9).
Paulo Arifa, de 38 anos, que é negro, disse que comprou um sapato e, ao sair para ir em outra loja, foi abordado por cinco seguranças e uma funcionária, que exigiram a nota fiscal do produto.
Paulo contou que decidiu comprar o sapato e a roupa às pressas para participar de uma reunião do trabalho, que tinha sido antecipada. Como estava de bermuda e chinelo, ele foi até o shopping.
“Escolhi o calçado, paguei no caixa e a moça perguntou se eu queria sacola, eu disse que não. Ela retirou o dispositivo de segurança e eu calcei ali mesmo. Segui para uma loja de roupas e na saída do provador fui abordado. Demorou para cair a ficha que a abordagem era comigo”, contou.
No mesmo dia, o servidor registrou um boletim de ocorrência contra a loja. A Polícia Civil solicitou exames de corpo de delito e imagens das câmeras de segurança do local, que devem ser entregues em até 10 dias. A ocorrência é investigada pela 2ª Delegacia de Cuiabá.
Em nota, o Pantanal Shopping disse que abriu um processo administrativo interno para apurar o caso. Conforme a ocorrência registrada na polícia, Paulo sofreu injúria, calúnia e lesão corporal.
Ao G1, ele contou que, devido ao constrangimento, ficou nervoso e não conseguia localizar a nota fiscal do produto no momento da abordagem.
Em seguida, ele disse que os fiscais tentaram conduzi-lo para a sala segurança do local, momento em que um dos funcionários o segurou e o empurrou.
“Iniciei as filmagens após tentar resolver o conflito de outras maneiras, após tentar localizar a nota, mas aí já era tarde demais. Ainda estou assustado e com medo. Quando me vi cercado por seguranças querendo me conduzir lembrei do caso do João Alberto, morto pelo segurança. Achei que algo pior poderia acontecer”, relatou.
A vítima disse que pisou em falso por causa do empurrão e machucou o pé. Depois de alguns minutos, ele conseguiu localizar a nota que comprovava a compra, e foi liberado pelos seguranças.
Ao sair do shopping, Paulo seguiu para o hospital ortopédico. Exames apontaram uma torção no tornozelo direito. Ele foi afastado das atividades por 15 dias para fazer fisioterapia e se recuperar da lesão.
“Não estou conseguindo dormir. Estou tendo pesadelos. Estou acostumado a ser seguido por segurança como suspeito, aliás, tenho o biotipo de suspeito por ser preto e pobre. A sociedade ainda mantém velado o racismo, negando que ele exista. Até quando vamos manter velado a hipocrisia social?! Negro também e gente”, disse.
Paulo afirmou ainda que já esteve em várias situações de risco durante a carreira no trabalho, no entanto, esse foi o momento em que mais sentiu medo.
“Desenvolvemos um trabalho muito peculiar na União. Tive a oportunidade de atuar em vários processos com o Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, Ministério Público Federal. Lidamos com situações extremamente delicadas, com traficantes, garimpeiros, e também com jacarés, arraias, cobras e onças, mas nunca tive tanto medo como nesta situação”, disse.
Segundo o servidor, é inadmissível que as pessoas sejam julgadas pela cor da pele ou pela roupa que usa.
“Sonho com dias em que todos serão realmente iguais perante à Justiça, e que a igualdade realmente exista. Já avançamos muito na desigualdade social, mas, ao mesmo tempo, vejo que temos um longo caminho a percorrer”, afirmou.
O que diz o shopping
Em nota, o Pantanal Shopping disse que abriu um processo administrativo interno para apurar o caso e tomar todas as medidas cabíveis para que ocorrências como essa não se repitam.
“O Pantanal Shopping esclarece que não tolera nenhuma forma de discriminação ou violência e que o tratamento narrado não faz parte das diretrizes do shopping, que baseia a abordagem com o público de forma geral em valores como ética, respeito, humildade e transparência”, diz.
Os seguranças envolvidos foram afastados.
Desigualdade racial
Dados divulgados em agosto deste ano pelo Atlas da Violência 2020 indicam que os assassinatos de negros aumentaram 11,5% em 10 anos, enquanto os de não negros caíram 12,9% no mesmo período.
Entre os negros, a taxa de homicídios no Brasil saltou de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes entre 2008 e 2018. O relatório também mostra que, em 2018, os negros representaram 75,7% das vítimas de todos os homicídios.
Em 2016, a taxa de homicídios contra negros em Mato Grosso foi maior que o índice nacional, segundo o Atlas da Violência divulgado em 2018. Entre 2006 e 2016, o estado ainda registrou um aumento de 17,7% na taxa de mortalidade de negros. No mesmo período, o índice de vítimas brancas teve redução de 3,3%.
Como conclusão, os autores do estudo apontam que “a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal e às políticas de segurança. Os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros”. (Fonte: G1)