Após 88 anos, comunidade negra vai celebrar padroeira Nossa Senhora da Abadia, em Rio Brilhante

A cidade de Rio Brilhante será testemunha de um acontecimento histórico neste dia 16 de agosto de 2025. É que depois de 88 anos, a comunidade negra local e regional celebra Nossa Senhora da Abadia, tendo como local o Clube da Juventude, a partir das 18h. A última festa dedicada à padroeira remonta ainda ao século 19, em 1937, quando a comunidade foi despejada de suas terras e a celebração interrompida.
Segundo as lideranças da comunidade, o momento é de satisfação pelo resgate da festa ancestral, que será momentos de integração e fortalecimento dos laços familiares e culturais. Além de elementos da cultura negra, a Festa à Nossa Senhora da Abadia terá ainda atrações sertanejas e populares, na mistura da miscigenação construída ao longo dos anos.
A celebração à Nossa Senhora da Abadia será dentro da festa tradicional da comunidade negra Gomes Jarcem, sendo realizada de forma rotativa entre os municípios de Maracaju, Rio Brilhante e Campo Grande, municípios onde existem maior concentração dos familiares da comunidade quilombola. Estudos apontam que a chegada dos primeiros negros aconteceu por volta de 1890, se estabelecendo às margens do rio na divisa dos municípios dos hoje municípios de Rio brilhante e Maracaju.
Conforme Lucas Gomes Jarcem, presidente da Associação da Família Quilombola Jarcem, o evento marca um momento de celebração da comunidade negra, familiares e amigos. “O Quilombo Jarcem se une em fé e alegria para a festa tradicional de Nossa Senhora da Abadia. Mais que uma festa, é *memória viva”, afirma a liderança.
De acordo com Lucas, a festa é o encontro de gerações que mantêm acesa a chama da devoção e da resistência. “É o momento de cantar, dançar, abraçar e sentir o coração bater no mesmo compasso da nossa história”, observa o presidente, aproveitando para convidar amigos e simpatizantes da causa para a noite especial.
A Festa de Nossa Senhora da Abadia em Maracaju terá muita música e comidas típicas, cultura e acolhimento. “Tradição e sabores da nossa gente. União e força de um povo que nunca desiste, na fé que resiste, na história que vive”, ressalta Lucas Gomes Jarcem.
O evento em Rio brilhante tem o apoio da Prefeitura de Rio Brilhante, Sindicato Rural, vereador Valci, senadora Soraya, deputada federal Camila Jara e deputado estadual Zé Teixeira, além do ex-governador André Puccinelli e do vice-prefeito Dr. Leonardo.
História da presença – Depois da passagem dos bandeirantes no século 16 e a chegada posterior dos tropeiros, as terras onde está Maracaju atraiu entrantes mineiros e francanos pelas grandes extensões de vegetação rala, principalmente campos, com pastagens naturais e pela forte presença de gado alçado. Essa geografia fez com famílias inteiras de colonos, oriundas de Minas Gerais migrassem para ocupar parte dos sertões devolutos das Vacarias mato-grossenses.
Neste contexto aparece também a presença dos negros, ainda no século 18, que escravizados ou não, aportaram em Maracaju e em Rio Brilhante ainda no século 18. A chegada dos primeiros membros da comunidade negra remonta aos idos de 1890 e 1905. Joaquim Cândido Jarcem e seus irmãos, Benedito e Francisco, fazem parte da leva de descendentes de escravizados que migraram para o então sul de Mato Grosso, pouco depois da libertação dos escravizados em 1888.
Com o objetivo de estabelecer o “projeto camponês”, os irmãos Jarcem migraram de Uberaba, no Triângulo Mineiro, para a cidade de Cuiabá/MT. Nessa cidade, obtiveram informações sobre grandes extensões de terras férteis, que estavam abandonadas, no sul de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), como consequência da guerra do Paraguai.
Os irmãos chegaram primeiro em Nioaque e Joaquim se casou com a índia terena Belisária da Conceição, com o casal se mudando para uma área na divisa de Maracaju com Rio Brilhante (Barra Mansa), em 1890. Os irmãos Benedito e Francisco acabaram casando com mais duas irmãs de Belisária. As famílias crescerem, com a chegada dos primeiros filhos.
O sucesso da comunidade negra com suas terras atraiu também a atenção de outras pessoas, que se intitularam donas da propriedade e promoveu o despejo dos Jarcem em duas oportunidades, sendo a primeira com mulheres e filhos enviados para Porto Murtinho, com os homens presos em Rio Brilhante. Com ação judicial, eles voltaram à terra, sendo repelidos novamente. Desta vez, a família já era muito numerosa e ela se dividiu para os diversos municípios da região, com a maior parte ainda residindo em Maracaju.
(Com informações do livro Maracaju 100 anos – Terra Prometida).