ARTIGO: “O LUGAR DO FEMININO E DO FEMINISMO É TODO DIA”

 Gicelma da Fonseca CHACAROSQUI TORCHI[1]

A categoria do sexo é a categoria política que funda a sociedade heterossexual.  (Monique Wittig)

Dia desses levantei uma bandeira: temos que ter representação feminina em todos os lugares, inclusive nas mesas de debates políticos dentro da universidade. Isso porque sou professora na UFGD e passamos pela discussão do FUTURE-SE, um projeto lei, nefasto, perverso do governo Federal que na verdade quer a Privatização das Universidades Públicas e dos Institutos Federais. Notei que a maioria das mesas de reflexões sobre o assunto era composta por homens, reclamei a representação feminina. Claro que fui combatida pelo discurso de que “esse não é o momento para levantarmos a questão do machismo cultural e/ou estrutural”, que “a questão do Future-se é muito mais séria e emergencial”, etc. Argumentei que sim a questão é séria, mas que todo dia é dia, principalmente quando podemos escolher, de nos policiarmos do machismo estrutural/cultural sim. Afinal, segundo Foucault (2003) a escolha também é uma questão regulação social.

E eu, crítica por natureza e convicção política e, vindo de uma equipe de gestão da Reitoria da UFGD (2015/2019) que tinha na composição de seu escalão 19, sim dezenove Mulheres, entre pró- reitoras, coordenadoras, assessoras, chefes, representantes de órgãos administrativos e a própria Reitora, não podia deixar de gritar por igualdade de gênero.

Penso que a defesa do feminino e do feminismo (e da diversidade como um todo) tem que ser diária. A luta contra as dominações sexistas e racistas, a luta pela pluralidade humana não se limita à compreensão da existência da bicategorização hierárquica de sexo, mas deve tratar da construção homogeneizadora e da categoria normativa das mulheres, e precisamos lutar hordienamente contra as diferentes formas de assujeitamento, pois é a diversidade das condições de vida e das relações de poder para com as mulheres que as faz alcançar a liberdade de forma desigual.

Vivemos em um mundo masculino e é a luta feminista que dilui a “dicotomia patriarcal homem/mulher na maneira como se manifesta, de formas diferentes e por caminhos diversos, nas instituições e práticas sociais” (CASTEL, 2008 p. 238). Nossos direitos precisam ser direito naturais, destituídos de marca de gênero, precisam ser reivindicados por nós e em nosso nome “como ser autônomo, independentemente do homem e do papel que lhe cabe sob o patriarcalismo”. Ma essa é uma tarefa árdua e fundamental do movimento, realizada por meio de lutas e discursos. Ou como diz Judith Butler “o feminismo é tão diversificado a ponto de incluir nos movimentos mulheres que não se consideram feministas, chegando até mesmo a opor-se ao termo”. A luta é longa, afinal o que é negado é a identidade da mulher conforme definida pelos homens e venerada na família patriarcal.

O Feminismo possui uma história longa, surgiu primeiro nos Estados Unidos no final dos anos 60 e depois na Europa no início da década de 70, e desde a década de 90 (“espalhado, distinto e multifacetado, ativo”) está em constante expansão pelo mundo (não tenho espaço físico aqui para descoser sobre a expansão, inclusive porque é complexa) em diversas correntes. Eu vou falar rapidamente, tecer apenas algumas considerações sobre o assunto, até porque não é pretensão esgotar o mesmo, ou com o disse Butler “A complexidade do conceito de gênero exige um conjunto interdisciplinar e pós-disciplinar de discursos, com vistas a resistir à domesticação acadêmica dos estudos sobre o gênero ou dos estudos sobre as mulheres, e de radicalizar a noção de crítica feminista”, e não é nossa finalidade esgotar esse assunto e sim fomentá-lo.

Por que “feminismo” e não feminino? O feminismo é um posicionamento, um Modus operandi , um agir político, dessa maneira passa a ser refletido, pensado no plural, para afiançar a abrangência das diferenças nas relações de poder, vivenciadas entre mulheres que cultivam interesses múltiplos e, muitas vezes, até contraditórios.

A meu ver a nossa luta é todo dia. É todo dia que precisamos fazer reflexão crítica em torno do simbólico na sociedade : nos nossos ambientes de militância política, no trabalho, na escola, na universidade, em casa, no lazer, “nas conversas com amigas e amigos, no tratamento que dispensamos às nossas filhas e aos nossos filhos, nas nossas relações afetivas em geral, etc” ( Oliveira 2013).

 Sim porque o machismo, tanto quanto o patriarcado, contraíram ao longo do tempo a destreza de “se transmudar sob os ares da neutralidade e da naturalidade”. Por isso defendo que necessitamos dar visibilidade às questões  de gênero, persistindo em apontar e/ou  criticar e até mesmo denunciar os acontecimentos que pareçam mais ingênuos, sem perder, ao mesmo tempo, a extensão propositiva dessa crítica, sem o abandono de apontar, enfim, novos caminhos a serem construídos.

 Para finalizar gostaria de citar Oliveira.[2] (2013) ao afirmar que o feminismo é libertário, do ponto de vista crítico, porque abaliza a parcialidade do discurso de liberação sexual das mulheres (e dos homens), assim como os seus efeitos opressivos e repressivos do ponto de vista social e cultural, de controle das nossas vidas e dos nossos corpos, de vigilância sobre os nossos desejos e de discriminação em relação aos nossos direitos.


[1] Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professora da Faculdade de Comunicação Artes e Letras (FACALE/ UFGD). Professora do Programa de Pós-Graduação em letras-UFGD. Pós-doutoranda pela UFMT no Programa de Estudos Contemporâneos. E-mailgicelmatorchi@ufgd.edu.br

[2] * Tatiana Oliveira é militante da Marcha Mundial das Mulheres do Rio de Janeiro, do núcleo feminista Rosa dos Ventos e doutoranda em Ciência Política pelo IESP-UERJ.

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