Associar o termo mudo ao indivíduo surdo é ofensivo, diz jovem intérprete de Libras

Dia Nacional do Surdo foi nesta quarta (26), e em período de eleição muitos intépretes são vistos durante o horário eleitoral na televisão. Para entender um pouco melhor de Língua Brasileira de Sinais (Libras), acessibilidade, realidade dos surdos e intérpretes nesta área o site rdnews conversou com um profissional do meio. Desde a infância, Rafael Silva sentiu a necessidade de se comunicar com um vizinho que era surdo. Aos poucos, se aprofundou na Libras e, aos 15 anos, já era fluente. Deu aulas em uma igreja da cidade de Ji-Paraná, onde nasceu e morou parte da juventude. Hoje, aos 22 anos, ele conta para a reportagem que trabalhou em importantes instituições como no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Rafael veio para MT pela vontade de cursar Libras também na academia, curso que em Rondônia, ainda não existia. Além da línguagem de sinais, também faz Letras na Universidade Associação Educacional Leonardo Da Vinci (Uniasselvi). Mesmo lugar em que é interprete de um aluno de Ciências Contábeis em sala de aula. Silva falou sobre leis, e a importância de intérpretes não apenas em escolas ou em período eleitoral, mas também em hospitais, supermercados e tribunais. Além disso, o jovem reforça que o uso do termo surdo-mudo é errado e ofensivo, já que pouquíssimas pessoas que têm perda auditiva também são mudas, pois é raro que elas tenham algum problema nas cordas vocais.

                                                      E N T R E V I S TA 

Pergunta – São poucos os intérpretes de libras em atuação na sociedade. Por que escolheu essa área e qual a realidade dela?

Resposata – Não escolhi, foi à profissão que me escolheu. Nessa profissão acompanho os alunos na trajetória acadêmica, mas quando fui aprender a língua de sinais era apenas para interagir com um vizinho que é surdo e, por isso, deixado de lado pelos colegas do bairro. Comecei a estudar aos 13 anos e aos 15 já conseguia conversar de forma fluente com os surdos e interagir com aquele vizinho. Fui me profissionalizando e percebi que não podia ter escolhido outra profissão, pois a cultura surda me encanta e poder me comunicar e vivenciar um pouco das histórias de vida dos surdos é encantador.

P – Não existe mudo, apenas surdo. Porém, quase ninguém sabe disso. Qual a importância da língua de sinais para a integração e acessibilidade?

R – Conforme a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina, Karin Lilian Strobel a sociedade não conhece nada sobre o povo surdo e, na maioria das vezes, fica com receio e apreensiva, sem saber como se relacionar com sujeitos surdos, ou os tratam de forma paternal, como “coitadinhos”, e “que pena”. Lida como se tivessem “uma doença contagiosa” ou de outra forma preconceituosa com outros estereótipos causados pela falta de conhecimento. É importante que as pessoas entendam que os surdos são pessoas que se comunicam usando a língua de sinais e não devem ser chamados surdos-mudos, é ofensivo. Eles possuem a Língua Brasileira de Sinais, reconhecida pela Lei 10.436 de 24 de abril de 2002 e essa lei oficializa a Libras como língua oficial da comunidade surda. A língua de sinais veio para promover a inclusão das pessoas surdas. A Libras, por exemplo, possui estrutura gramatical própria por ser uma língua gesto-visual e isso é usar os movimentos específicos com as mãos e também expressões na face e corpo.

P- Dentro disso, qual a importância de um interprete de libras?

R- Nós, os tradutores e intérpretes de Libras, surgimos da necessidade de profissionais que auxiliam a comunidade surda a interagir com os ouvintes, fazendo o processo comunicativo. A importância está em todos os ambientes de atendimentos internos e externos, para que os surdos se sintam bem onde forem e não caiam nessa barreira comunicativa.

P- O TRE do Espírito Santo suspendeu uma propaganda eleitoral na TV, em que um intérprete de Libras foi acusado de inventar sinais. Neste caso, como saber se um interprete é confiável ou se não faz os sinais de forma coerente?

Reprodução/Facebook

Rafael Silva

Rafael Silva, 22 anos, veio para Cuiabá em busca de especialização

R – Fiquei triste ao ver que existem pessoas que fazem tal coisa, pois os tradutores e interpretes de Libras se capacitam com freqüência e estudam muito para poder atuar no dia a dia, fazendo com a maior clareza possível a comunicação falada ou escrita.  Muitos acreditam que nós apenas sinalizamos o que é dito, mas não é bem assim. Precisamos estudar todos os contextos e aplicar a melhor forma. Assim, fazendo com que o receptor da mensagem entenda o que é sinalizado. É importante saber se o intérprete possui formação na área ou algum proficiência que comprove conhecimento e fluência. Não se pode chegar a algum lugar e “mexer as mãos”. Ser intérprete vai além dos sinais apresentados com as mãos. É preciso estudo contínuo e aperfeiçoamento.

P- Em período eleitoral os interpretes de libras costumam ser muito requisitado por candidatos. Existe algum tipo de empenho para que esses profissionais sejam mais frequentes na atuação e não apenas em campanhas?

R – No período eleitoral se tornou obrigatório por decisões judiciais e leis que visam à acessibilidade audiovisual, com língua brasileira de sinais, recursos de legendas descritivas e audiodescrição nas campanhas. Fora dos períodos eleitorais, os locais que mais nos requisitam são as escolas e faculdades, por serem ambientes acadêmicos e os surdos passam um bom tempo de suas vidas para se graduarem. Porém, todos os lugares com atendimentos à comunidade precisam de profissionais para atuarem na mediação da comunicação, como hospitais, supermercados e tribunais.

(Por Mirella Duarte, do rdnews)

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