Auto da Compadecida: Do livro para o palco, professor fala do desafio de dirigir o espetáculo
O Auto da Compadecida, a obra imortal do escritor paraibano Ariano Suassuna, foi transformada em peça de teatro em Dourados e apresentada de forma sublime por um grupo de artistas que se superou na interpretação dos personagens.
Para Marcos Machado Chaves, responsável pela direção do espetáculo há cinco anos, o trabalho foi uma experiência única, desafio realizado com sucesso junto com a sétima turma de Artes Cênicas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Marcos Chaves se define como um artista polifônico e atua como ator profissional, diretor, sonoplasta, operador e técnico de som. É doutor em teatro, mestre em artes cênicas, especialista em em encenação teatral e graduado em música. Com pós doutorado em artes cênicas, foi professor colaborador assistente do programa de pós graduação em artes cênicas da Universidade de Brasília.
Atualmente, Marcos Chaves atua na Douradense Cia Última Hora, sendo também professor adjunto da UFGD na área de música e cena.
A seguir, sua entrevista sobre o desafio de dirigir o Auto da Compadecida no teatro, tirando a obra do papel para o palco.
E N T R E V I S T A
PERGUNTA – Quais foram as inspirações para dirigir a encenação do espetáculo Auto da Compadecida?
RESPOSTA – Foram múltiplas as inspirações, foram muitas, todas atravessando o texto de Ariano Suassuna, que por si só já é inspiração o suficiente para a montagem. Mas é claro que outras questões estiveram presentes e inspiraram né, a que mais se destaca em minha memória é relativa à estética, que foi uma inspiração para a montagem. Foi uma inspiração para dirigir essa encenação, que esteve dentro da estética circo teatro, uma estética que foi muito generosa conosco e ela geralmente é generosa com artistas de teatro, pois ela aproxima a encenação às questões pessoais do coletivo, do grupo, da companhia, que pode ser montada por pessoas próximas, da família, amigos, é uma grande trupe que se articula nessa montagem para cumprir, criar, estar presente em todas as necessidades da peça e do espetáculo. Foi uma inspiração também alguns circos teatro, vamos chamar assim, que são companhias de circo teatro, que a gente pode usar até o nome do gênero e da estética para se referir a eles e a elas também, que tinham, pelo menos em alguma época do Brasil, ou em determinadas regiões do Brasil, uma rotatividade, uma questão de montar um circo onde se apresentava o teatro. Eu que venho do Rio Grande do Sul, eu sou gaúcho, eu trouxe principalmente as referências de um personagem chamado Bebé e nesse sentido, eu não tenho certeza e ficaria devendo assim qual é o nome dessa companhia, circo teatro serelepe, eu não me recordo ao certo, mas a figura desse artista, do Bebé, é a referência principal e que conecta a trupe que ele gerenciava em certa ocasião. Inclusive nós mostramos o artista que faz o Bebé num vídeo que ele apareceu num TCC e que ele deu uma entrevista, lá no Rio Grande do Sul, então só para dividir, nessa entrevista o nome da trupe é tcheatro do Bebé, numa gira Gaúcha né, esse documentário feito numa universidade Gaúcha sobre o Bebé, nós tivemos acesso e compartilhamos com a turma, na época, para que o pessoal entendesse que a ideia desse circo teatro mambembe, e nesse caso o Bebé era uma família, e eu me refiro ao passado porque pelo que eu soube há muitos anos que eles encerraram as atividades do grupo dessa trupe, mas era uma família que fazia toda essa questão, o Bebé era uma personagem Central, um palhaço que ficava, que era o protagonista sempre. Os espetáculos eram todos os dias diferentes, porque eles tinham um repertório Grande, tipo Bebé e o lobisomem do Fragata, porque o Bebé fazia isso, ele ia para as cidades e usva o nome, Fragata era um bairro de Pelotas então se ele montasse o teatro, a lona, no Fragata ele colocava circo teatro no Fragata, se ele montasse aqui em Dourados no Parque Alvorada seria Bebé e o lobisomem do Parque Alvorada, que é justamente esse contato que tem o circo teatro tem de aproximar enormemente da comunidade local de onde está instalado e as pessoas lotavam muito onde passava o circo teatro do Bebê porque tinha muita essa questão do cômico, da família. Mas é aquilo também, que a gente vê em outros circo que não são circos teatro, mas circos pequenos às vezes né. Certa vez, eu e minha esposa Ariane levamos nosso filho Daniel em um circo aqui em Dourados, um que tinha alguns números circense de equilíbrio, de palhaços, de mágicos e tinha também algumas personagens Chaves assim para chamar o público. Há, vai ter uma música com a Frozen, na época estava bastante em voga, então era bem curioso que nós chegamos nesse local, que tinha um trailer para comprar pipoca e tudo, na bilheteria tinha alguém que vai trabalhar no teatro, você ia lá comprar pipoca e tinha uma moça com uma peruca enorme e aí você pensava, ah a Elsa Da Frozen tá aqui vendendo pipoca e daqui a pouco ela vai estar lá entrando como Frozen, e realmente era. Então o circo teatro tem essa magia, de que tudo é feito pelas pessoas da trupe. Quando a gente escolheu essa estética, como uma das principais inspirações para o Auto da Compadecida, esteve nesse lugar de que as alunas atrizes e os alunos atores iam estar em outras frentes, que não só a atuação né, iam estar preocupados com o entorno, com a venda de ingresso, com divulgação e isso para o projetão é muito importante porque a galera acaba conhecendo outras funções e no nosso caso isso se justificava completamente porque o circo teatro remete a esse lugar da trupe, da trupe mambembe, das relações próximas entre as artistas e os artistas, então tivemos muitas inspirações e não poderia ser diferente, pois Ariano Suassuna em sua multiplicidade, não apenas na escrita do Auto, mas nós também acabamos observando outras obras do Ariano Suassuna, em entrevistas do Ariano , mas dentre tantas questões que inspiraram esta montagem do Auto da Compadecida, além de todo o universo que traz o Ariano Suassuna, a estética do circo teatro foi Fundamental e com isso também conexões musicais muito relevantes, teatro musicado, assim por dizer que também é característica, assim de parte do imaginário do circo teatro, alguma visitação na comédia dell’arte. Também foi importante na montagem o contato com a cultura, obras e cultura do nordeste, não do nordeste como todo, porque tem uma multiplicidade enorme, então nós tivemos que eleger qual lugar qual estado região e observar para um diálogo que não seja que não fosse estereotipado nem Clichê, mais que dialogasse com essa brasilidade presente tão peculiar, que tem em Ariano Suassuna, e como nós, na equipe tínhamos uma diretora assistente, preparadora corporal que nasceu no Ceará, elegemos essas referências de regiões do interior do Ceará. Buscar uma observação, como se o circo teatro fosse montado lá e tivesse circulando o Brasil, para também nos afastar de um estereótipo, de um Clichê e respeitar e valorizar a obra com diálogos que fortalecessem, assim essa visitação, essa inspiração que atravessa questões conectadas ao nordeste, a região Nordeste do nosso país.
P – Como funciona a montagem dos chamados “Projetões”?
R – O “Projetão”, ele foi pensado assim porque ele é um grande projeto que envolve muitas disciplinas, então a resposta mais curta que contemplaria esse pensamento é que é um grande projeto, que atravessa mais de uma disciplina. Nos últimos anos ficaram mais ou menos cinco disciplinas do semestre, pelo menos, interagindo entre si, às vezes nem todas, às vezes só quatro delas, depende muito das professoras, dos professores que estão com os componentes curriculares no semestre do projetão, no caso do quarto semestre das alunas e dos alunos das artes cênicas. A disciplina “central”, sem tomar essa palavra como algo remetendo a um lugar hierárquico, de querer ter uma palavra final, indicação, mas de uma mediação, uma disciplina que está no centro de uma mediação entre as outras disciplinas que é a encenação 2. Geralmente a professora ou o professor que assume a disciplina de Encenação 2, que tá no quarto semestre do período letivo, fica responsável por mediar ou dirigir o projetão, sempre foi assim até então, mas pode até ter outras interpretações em algum outro momento, mas até então quem esteve com encenação 2 dirigiu a montagem do projetão. Entao em 2017 eu estava com a disciplina de encenação 2 e as professoras e os professores que pegam as outras disciplinas do quarto semestre, ficam pensando, pelo menos recebe um convite a pensar coletivamente, às vezes fazem mais à parte e não participam do projetão, mas é muito comum que as disciplinas de Espaço e Visualidade 1, que ajuda bastante na montagem principalmente em questões que correspondam às visualidades do espetáculo, a iluminação, o pensamento na espacialidade, no cenário, no figurino, então essa disciplina fica muito próxima do projetão. Outra disciplina que fica muito próxima é Técnicas e Poéticas do Corpo 1, porque acaba que a professora ou professor que está nesse componente, faz uma preparação corporal para a montagem, pega os conteúdos e os conceitos que tem que passar no semestre e acabam fazendo uma ponte com a montagem. Outra disciplina fica muito próxima é de atuação 4, é um componente que já está na sua quarta oferta, no quarto semestre que os alunos têm desde o primeiro semestre, não necessariamente com o mesmo professor ou a mesma professora, mas essa disciplina também é muito importante para projetão porque daí, ajuda na construção da cena, nas criações dos personagens. Então pelo menos essas quatro disciplinas costumam estar juntas. Agora estamos em 2023 e estamos a montar a décima segunda peça, a décima terceira turma está a montar a décima segunda peça. Só não é a décima terceira também, porque a primeira turma de artes cênicas realizou outras montagens, mas não era com essa questão interdisciplinar entre os projetões, até gera dúvidas assim, será que as outras montagens não eram projetões, De certa forma eram, mas pensados enquanto projetâo, foi só a partir da segunda turma de artes cênicas que montou então o primeiro projetão, nesse pensamento que se entende até hoje e montou Sonho de uma Noite de Verão de William Shakespeare, dirigido pelo professor João Marcos Dadico Sobrinho.
O Auto da Compadecida foi montado pela sétima turma de artes cênica, que foi o sexto projetâo, dirigido por mim junto com uma equipe maravilhosa que estavam como diretores e diretoras assistentes. As pessoas dos outros componentes que estão próximos, assim como uma outra pessoa, que é um colega maravilhoso que a gente tem no núcleo de artes Cênicas, que é um técnico administrativo, Rodrigo Bento, um pesquisador, artista extremamente competente no campo da visualidade e ele costuma estar muito próximo. Ele foi um diretor assistente mesmo sem estar à frente de um componente curricular, mas como técnico do núcleo, ele participou ativamente, colaborativamente de maneira fantástica. Então nós tínhamos uma equipe muito legal no Auto da Compadecida e mais ou menos o projetão funciona dessa forma, os componentes regulares que se dialogam para que se possa montar um espetáculo teatral e ainda bem que esses componentes dialogam, porque geralmente um semestre costuma ter, um semestre letivo, ele não tem seis meses, então ele tem algo perto de quatro meses no máximo né, então para montar um espetáculo de quatro meses é algo complexo. Mas é claro que o projetão pode começar a ser pensado no semestre anterior, em encenação 1, é algo que todo ano a gente repensa como poderia ser melhor o projetão.
P – Quais foram as dificuldades na encenação desse espetáculo?
R- É uma pergunta complexa, assim muito difícil de respondê-la, por quê foram muitas dificuldades e em muitos graus. Nenhuma dificuldade que tenha gerado algum incômodo, algum impeditivo na montagem, a princípio dificuldades normais de organização, porque se tratava de um grupo muito grande, 34 atores e atrizes em cena, então é um número bastante vistoso. Muito legal, foi uma das questões que a gente acabou colocando na divulgação: O grande elenco composto por 34 alunos atores e alunas atrizes, divididos em três atos, de forma que ocorra uma participação ativa e múltipla para cada personagem. A peça é uma releitura do texto de uma forma inusitada e acreditamos, potencializa seu grau de comicidade, pois sempre haverá um elenco diferente para cada ato do espetáculo. Então é uma dificuldade, muita gente e a questão dessa organização dos ensaios, da agenda, nunca foi algo fácil, mas também nunca é em nenhum projetão. Eu imagino essa questão da organização é algo a ressaltar. Também é algo bastante normal ao projetão: o tempo, que é uma dificuldade, porque a gente tem basicamente, durante o semestre, pouco mais de três meses para edificar essa criação teatral e é um período bastante caótico para envolvimento necessário para toda montagem que se articula em um projeto. Mas o resultado também costuma ser muito gostoso de assistir, de dialogar com o público, costuma ser marcante para o público que assiste e para as pessoas envolvidas, só que nesse grau de dificuldade que fica muito para a equipe, demanda toda a equipe criativa, demanda muito envolvimento, demanda muito tempo. Nos ensaios do Auto da Compadecida nós fizemos de madrugada quando a gente precisava fazer algum encontro a mais. Alguns encontros do projetão ficam marcados para o horário de aula do curso de artes cênicas, o curso é noturno e ali dentre os componentes você tem ali, pelo menos, uns quatro encontros destinados ao projetão, alguns não diretos né, por exemplo nas aulas de corpo que, talvez, tem alguns conteúdos a serem passados específicos da matéria de corpo, que não estão ligados à peça mas indiretamente, estão ligados a peça e tem ali para contribuir. Então você tem encontros diretos nas aulas de encenação 2 e outras aulas que estejam sendo ministradas pelo professor ou professora que está dirigindo a turma, encontros mais indiretos de componentes que estão ajudando e todo o ensaio que você precisa mais tem que ser marcados em horários extras sábados domingos e é muito comum e, como eu falei, nós tínhamos três elencos desses 34 alunos atores e alunas atrizes, em cena nós dividimos em três elencos, um para cada ato, por exemplo o ato três que era um ato numeroso a gente ensaiava domingo, o ato que tinha o elenco um pouco menor, que conseguia ter uns horários mais diferentes, a gente cansou de ensaiar na Praça Antônio João que é a praça central aqui de Dourados e a gente ensaiar às 11 horas da noite e até 01:00, 02:00 da madrugada e fizemos algumas vezes esses ensaios, em horário bastante diferente. Então isso tá dentro da dificuldade, porque se a equipe, dependendo do tamanho do envolvimento do projetão, não doa bastante do seu tempo, isso pode agir como impeditivo, então duas dificuldades que não diz respeito apenas ao Auto da Compadecida, mas nós sentimos muito está ligado a organização de uma equipe muito grande e nessa organização, tipo de dessas 34 pessoas, de uma equipe muito grande estaria conectado também a estruturar ensaios que envolva a todas as pessoas e isso é muito difícil né essa organização desse ensaio com tantas pessoas. Outra dificuldade também está conectado também a essa da organização é a falta de tempo para fazer a montagem que é sempre driblada de uma forma ou de outra. Cada turma, cada ano, acha suas estratégias para poder compensar isso, mas é algo que talvez fosse interessante pensar para outros projetões, na atualização desse projeto político pedagógico do curso de artes cênicas, talvez fosse legal repensar. Mas também um adendo assim, essa vivência acaba sendo fantástica para a formação de atrizes e atores. Um porque realmente é muito difícil você passar depois que você tiver na vida artística profissional, é muito difícil que você tenha experiências com grupos tão numerosos, é claro que acontece, mas não é algo tão comum, quando tem 10 pessoas em cena já é um grupo bastante numeroso. Então imagina mais de 20 pessoas isso é muito mais complexo só acontece em processos grandiosos em grupos que tem investimento muito altos para isso. Foi então uma vivência maravilhosa e acaba tendo uma relação profissional bacana, também com caos que é uma montagem profissional. Então essa vivência, todos e todas acaba adquirindo, alunas que com poucas experiências anteriores em um exercício teatral acabam entendendo como complexo, pode ser uma montagem, cada uma na sua complexidade particular mas entender isso na prática é muito importante para a formação da artista.
P – Como foram divididas as funções (cenografia, sonoplastia, criação de músicas, iluminação, maquiagem, dentre outras) entre os integrantes da turma?
R – Como o tempo de montagem é muito curto, então a gente já indica no ponto de partida mais ou menos uma artista ou um artista responsável por articular cada elemento da encenação teatral como, por exemplo, das pessoas que estavam próximas professores, professores, técnicos que estavam próximos, eu estava na direção, na assistência de direção estava Rodrigo Bento e o Beto Mônaco, na preparação de atores que também de certa forma eu trato como assistente de diretores estavam Ariane guerra, José parente e Vinnie Oliveira. Então todas as pessoas que eu citei agora da equipe diretiva, estavam mais responsáveis por núcleos de um elemento da encenação teatral. Na parte visual o Rodrigo Bento foi fundamental para as nossas questões, ele teve e sempre foi uma pessoa que esteve próxima a orientação, sobretudo da iluminação, do cenário e do figurino, assim como eu estive nesse papel de mediação central da pesquisa de criação da trilha sonora, como Ariane esteve na preparação corporal com a ajuda do Romário e da Tarsila Bonelli. Uma coisa bacana de falar, é que em um dos primeiros encontros, a gente mostrou assim, todas as funções para separar por equipes de interesse, então os alunos e as alunas se mobilizaram de acordo com aquilo que tinha desejo de estar próximos e próximas, de outras funções para além da atuação. Por exemplo teve um grupo que ficou responsável pela festa que a gente fez para ter captações financeiras. Todas as montagens no projetão, ou a maioria dessas montagens, buscam alternativas para ajudar a adquirir os elementos cênicos como cenário e figurino por exemplo, precisamos de recursos para isso, então a gente faz rifas, festas, campanhas de financiamento coletivo, as chamadas crowdfunder, as chamadas vaquinhas ou catarse. Então as pessoas se dividiam também entre essas equipes de interesse como pessoas que estavam mais próximos da visualidade e também uma equipe próxima das questões musicais, nós tivemos uma banda em cena e nisso o José Manoel, pesquisador Juninho, teve uma importante participação e colaboração como artista convidado, próximo do grupo e que entrou também nas questões criativas na banda. A banda tinha outras atrizes e outros atores também que estavam lá na peça, então eram pessoas que estavam pensando nas suas personagens, sobretudo as pessoas da sétima turma de artes cênicas, que tinha outras funções, outros pensamentos, outras contribuições colaborativas em distintas equipes, então basicamente dessas divisões elas foram acontecendo quase naturalmente pelo interesse das próprias alunas atrizes e dos próprios alunos atores.
P – Qual sua opinião sobre a importância da dramaturgia sonora dentro de um espetáculo teatral?
R – Eu sou da opinião que, pensar a sonoridade de um espetáculo teatral, pensar a dramaturgia sonora em um espetáculo teatral, pensar em toda a musicalidade e a sonoridade como um todo, assim todas as questões que atravessam o universo do som e da música em um espetáculo teatral, é uma questão fundamental dentro das Artes da cena. Se pegarmos a definição de que teatro é uma obra audiovisual, a gente nunca pode esquecer e, não seria nem um pouco recomendável que se esqueça, e que pouco se valorize ou se observe a parte áudio desse pensamento de uma obra áudio visual que é o teatro, com signos visuais, com signos sonoros. Então muitas pessoas que pesquisam som e música no teatro acabam fomentando essa importância e eu me coloco como uma dessas pessoas assim como existem várias pessoas nesse lugar, no Brasil e no mundo, mas sobretudo falando nas pesquisas, os programas de pós-graduação aqui no Brasil, dentro das várias áreas das Artes ou áreas correlatas a área das Artes, tem ressaltado essa importância de se pensar na sonoridades de um espetáculo teatral, na dramaturgia sonora de um espetáculo teatral, nessa questão criativa do som e da música no teatro. Então sendo defensor deste lugar e também uma das pessoas que busca reivindicar cada vez mais esse lugar para que essas pessoas artistas de teatro atentem e não se esqueçam de ter profissionais que possam agregar e que possam articular esse pensamento que é fundamental, fundamental mesmo. Acredito que nós estejamos vivenciando um momento muito interessante no Brasil, nas últimas décadas com o aumento das pesquisas e da observação da importância do registro dessa importância ao pensar uma encenação teatral, uma importância na criação sonora e não só a criação sonora proposital, as músicas que você pensa para cena, as articulações com signos sonoros distintos, até como a voz ou som concretos, sons musicais, mas o todo pensar no teatro como um acontecimento. Eu gosto muito de conversar com artistas alunos e de observar e ressaltar algo que também nutre outros pesquisadores e pesquisadoras e gostam de pontuar e pensar teatro como um grande acontecimento, como um acontecimento teatral e neste acontecimento único efêmero cada sonoridade, cada som acontece de uma forma determinada em cada apresentação, mesmo uma música gravada em que você só aperte o play, ela vai reverberar diferentemente no espaço da apresentação, devido até a temperatura que pode influenciar na diferença das caixas de som de um aparelho reprodutor então mesmo que seja só um play, uma música muito parecida, cada dia é uma nova experiência para um público diferente, que vai revelar de uma forma diferente e tudo isso é também dramaturgia sonora, não é só o que você cria previamente, mas é o que acontece e está sendo cocriado também pelas espectadoras e pelos espectadores. Isso é um grande barato, as coisas mais apaixonantes do teatro, no meu ponto de vista e de escuta, é essa questão da efemeridade, do acontecimento único. Então pensar nessa importância é ter muito, é algo desafiador e também algo que nos motiva a seguir com as pesquisas entre som e cena e música e cena.
P – Como foi pensada a música de cena do espetáculo?
R – Pensando agora em música de cena, como essas músicas propostas que a gente inseriu no espetáculo O Auto da Compadecida, algumas a gente trabalhou como sugestões já prévias, inspirações que tínhamos ligadas ao contexto imaginado, ao circo teatro ou as questões que dialogam com as pesquisas ao nordeste. Então, também questões ligadas ao teatro musicado, ao Teatro Musical, outras influências, uma das primeiras que nós trouxemos foi uma música do Chico Buarque de um outro espetáculo teatral que é a música de sua formosura, e nós trabalhamos isso com os alunos como uma inspiração, para que eles tivessem essa experiência e foi tão bacana que essa música abriu o espetáculo, era uma outra música, de um outro espetáculo, que não era o Auto da Compadecida, mas que foi se configurando como algo daquela montagem, então nós temos esse exemplo como uma música pesquisada, uma música que a gente pesquisou e a banda tocou ao vivo e todas as atrizes e todos os atores cantaram de forma acústica. A banda tinha alguns instrumentos como o acordeom e o trombone de vara que eram executados de forma acústica, mas também tínhamos um teclado amplificado e um microfone para trazer a voz cantada amplificada como guia para algumas cenas, para algumas músicas no caso, então tinha música pesquisada e música original, a gente criou algumas músicas, em alguns entreatos, a gente colocou músicas chaves, na abertura no encerramento e nos entreatos, tinha outras inserções também como músicas tema, música de ambientação, mas as músicas principais foram essas de abertura, encerramento e de entreatos e algumas a gente fez de forma original. A gente criou em cena, então principalmente a equipe que estava responsável por isso, eu que estava na mediação da trilha sonora, o Juninho que estava nessa colaboração musical sempre presente e alunas, alunos e alunes que estavam presentes na Banda né. Tinha um aluno indígena que contribuiu tocando acordeom, o Cláudio, que foi muito bacana e outras atrizes e outros atores que também estavam somando nessa parte, então a gente trazia alguns materiais e experimentava com a turma né e dessas músicas originais muitas já trazidas por quem assinou a trilha sonora no caso a própria direção com minha responsabilidade e eu já trazia essas harmonias essas melodias e esses arranjos para experimentar com a banda e o pessoal também dava essa composição coletiva em cima do trabalho, basicamente isso então tinha música original tinha música pesquisada E também inserimos algumas músicas na parte da música pesquisada músicas já prontas para reprodução, como a música da entrada do Emanuel onde a gente colocou uma música da Enya, porque a gente experimentou alguns materiais e teve uma Cadência que super deu certo e nós nos mantivemos. A música da Compadecida que foi Marcante e foi uma música que nós buscamos e pesquisamos do espetáculo do Cirque du Soleil, uma música do varekai e super funcionou em cena e nós mantivemos. A música que entravam as personagens do encourado também era uma desse lugar da pesquisa e nós colocamos um heavy metal para fazer essa experimentação e foi muito bacana. Música pesquisada, música original, experimentações e a música de cena foram pensadas nessa grande proposição e nessa grande mescla que culminava na experimentação em cena. A gente era aberto estávamos abertos e abertas a múltiplas vertentes até para brincar com a estética do circo teatro e às vezes era num Play, às vezes era tocando, às vezes era tocando um pandeiro para entrar um personagem. Nós fizemos assim com todas as personagens, tocavam pandeiro para anunciar que chegava uma personagem nova, então talvez a palavra chave tenha sido experimentação. Abertura e experimentação.
P – Como foi realizado o trabalho vocal dos atores? Ocorreu algum trabalho com sotaques?
R – Sim, o trabalho vocal também esteve bastante próximo da direção e da criação de trilha sonora que é uma área que eu pesquiso que, eu abordo. Eu trabalhei com preparação vocal para as atrizes e para os atores com alguns exercícios para o canto, para dicção e a gente pensava muito na questão do sotaque, sem querer, novamente ressaltando, cair num estereótipo e clichê, por isso a figura da Ariane Guerra, nossa preparadora corporal, que eu trato como assistente de direção também, foi fundamental, porque ela como uma artista nascida no Ceará tinha outras vivências para dialogar conosco e foi nos dando alguns indicativos. A gente tinha um livro, que foi uma grande brincadeira, mas que é muito curioso que se chama Orélio Cearense, que é uma brincadeira com o dicionário Aurélio e a gente pegava o Orélio que tinha algumas expressões idiomáticas assim, umas gírias locais e a gente estudou essas gírias com a Ariane, com a turma e foi muito legal assim. Existia uma liberdade também, porque como a gente estava trabalhando com circo teatro e era uma família que estava às vezes assumindo o fazer de conta, estou fazendo de conta que estou fazendo um entreato, um personagem, como os anjos que eram os técnicos do circo que estavam lá de saco cheio, entravam de fralda, tínhamos arames fazendo as asas, então a gente assumiu às vezes esse lugar, de poder fazer, e de não ter a necessidade de fazer uma peça realista dentro do circo teatro já que a gente tá fazendo uma pesquisa, brincando com o fazer de conta mesmo, então a gente pegou essas expressões idiomáticas do dicionário cearense e usou até em uma música, em um dos entreatos, uma música original que nós fizemos cantava assim: “agora vem mudar a cara muda a roupa modelo elenco que um novo ato já vai começar e não repare não arroz que tá queimando mas a tropa que oferece um presente a mudar”, arroz queimando era uma expressão muito curiosa que tinha no Orélio cearense né e a gente usou também nas composições.
P – Como você acha que os ruídos podem ser aproveitados dentro de um espetáculo?
R – De forma maravilhosa, porque como excluir os ruídos, como suprimir, como não pensar na composição sonora total. Já falamos um pouco a respeito disso ao responder sobre música de cena e se pensarmos numa trilha sonora total ou numa musicalidade, uma sonoridade onde tudo compõe o acontecimento teatral, os ruídos fazem parte dessa sonoridade, desse acontecimento, fazem parte da trilha sonora. É preciso problematizar também a palavra ruído, porque ela pode ser lida de uma forma pejorativa, não à toa que algumas pessoas utilizam isso em seus vocabulários para falar que existem dissonâncias, existe um ruído entre nós, falando que algo não está legal e existe um ruído né, é uma abordagem um pouco complexa e não adequada tratar ruído como algo incômodo. O filósofo italiano Giovanni Piana, filósofo da música, falou e escreveu uma coisa tão bonita que tratava, quando ele fala sobre silêncio, quase reverberando o que John Cage outra hora já escreveu, que o silêncio não existe e são pensamentos e reflexões maravilhosas para se fazer em torno de teatro de música. Giovani Piana trata mais ou menos nesse lugar do silêncio e ele fala sobre o silêncio composto por várias ruídos, quase que é uma percepção, o silêncio é uma percepção, quando você nesse silêncio murmurante, esses ruídos ,você não percebe mas eles estão ali compondo, é só a sua atenção que não está nele e que você consegue deixar isso em outro lugar, em outros estados, o silêncio o ruído sem ser algo pejorativo, algo incômodo, a composição múltipla sonora oriunda das mais diversas ações, elas nunca nos abandonam né. No teatro dá para pensar isso de muitas formas, seja pensar isso como sons concretos, na parte do cinema se utiliza isso no mundo inteiro também, sons de máquinas, mas também o ruído como um arrastar de cenário, um figurino que tem placas e que ficam se batendo, então há muita beleza nisso em como os ruídos podem ser aproveitados dentro de um espetáculo. Você sabe que essas sonoridades e ações distintas de outros elementos do cenário, do figurino, elas existem e você pode usar isso na composição de uma sonoridade ou música proposta já. Então, dá para ser trabalhado de muitas formas e devem ser aproveitados e não suprimidos e ignorados. E lembrando que é uma palavra bonita de se usar, ruído, desde que a gente sublinhe que isso não se trata de algo necessariamente incômodo, ruim ou tratar essa palavra de uma forma pejorativa, ela é um silêncio murmurante que está a nossa volta, às vezes em destaque, às vezes chama a nossa atenção. O ruído é uma questão complicada, Giovani Piana fala que uma nota musical tocada de forma grosseira a gente considera como um som e às vezes o som de um vento nas folhas, a gente chama isso de ruído e depois fica atribuindo a questão de ser desagradável e agradável, mas como ser desagradável o vento nas folhas? não tem nada de desagradável ou tem muito pouco, menos do que uma nota soprada grosseiramente no seu ouvido com trompete. Você falar isso é um som. Por isso que levar o ruído a uma interpretação de agradável ou desagradável é sempre algo muito perigoso e que a gente precisa problematizar.
(Da assessoria)