Campo Grande: Assistência de igrejas atrapalha combate a cracolândia, diz PM
s ações, deflagradas desde o mês passado pela Polícia Militar, na região da antiga rodoviária de Campo Grande com o objetivo, segundo a corporação, de coibir o tráfico de drogas e os pequenos furtos na região central, tem surtido pouco efeito. A cada semana a forma de atuação é a mesma: abordagem, revista e, caso estejam portando qualquer quantidade de droga, mesmo que pequena porção, são presos e levados para a delegacia.
A intenção da ação também é fazer com que essas pessoas em situação de rua deixem a região e, conforme o comandante do 1º Batalhão de Polícia Militar de Campo Grande, tenente-coronel Claudemir de Melo Domingos Braz, voltem para suas casas ou procurem atendimento médico, já que a maioria é viciada em drogas.
Porém, após a oitava edição, que ocorreu na sexta-feira, o número de pessoas que permanecem na região continua o mesmo – o que pode ser um sinal de que o problema não será resolvido apenas com repressão, mas com ajuda assistencial e de saúde.
Polícia Militar, representantes da antiga rodoviária, Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) e até o prefeito Marcos Trad, apontam a atuação das igrejas como o principal motivo da permanência nas ruas.
Enquanto isso, quem faz o trabalho social se defende. “Toda terça-feira vamos lá e fazemos corte de cabelo, levamos um lanche e algumas vezes oferecemos banho e roupa. No frio, levamos agasalho. Isso é o mínimo que podemos fazer”, afirmou o pastor Manuel Moraes, da igreja Universal, que criou o projeto Anjos da Madrugada – que leva assistência para pessoas em situação de rua.
Segundo o pastor, o grupo atua onde o Poder Público já não consegue. Entretanto, a PM e a administração da rodoviária antiga dizem que o projeto é “assistencialismo desordenado”, contribuindo para a permanência das pessoas naquela região.
“É um grande problema porque essa forma de ajuda da igreja acaba mantendo eles ali. Têm pessoas que recebem duas, três marmitas por período e elas acabam jogando nas ruas, fazendo sujeira. Isso não tem ajudado em nada. Nós temos o Centro POP, que dá alimentação, banheiro. Porém, eles não querem usar, porque ali eles tem controle. Então eles ficam nas ruas, esperando esses marmitex, mas, se não tivesse, com certeza eles teriam que procurar o Cetremi e o Centro POP”, avalia Braz.
A afirmação é contestada pelo pastor, que garante que não é a comida que os mantém na rodoviária. “O que mantém as pessoas ali são as drogas. Já encontramos gente que estava há três dias sem comer e eles não sentem fome. Nós só vamos lá porque é lá que eles estão”.
A síndica administrativa do antigo terminal, Rosane Nely Lima, contrapõe a afirmação. “Esse tem sido nosso maior problema. Precisamos entrar em um acordo com essas igrejas por conta de todo esse assistencialismo. Não adianta a SAS vir aqui oferecer acolhimento se eles continuarem a oferecer comida na porta da rodoviária. Eles não tem vontade de sair daqui desse jeito. Tem ‘cardápio’ variado”.
Além da Universal, Nely afirma que várias outras igrejas e centros espíritas fazem a mesma coisa. “Não estou dizendo que eles não tem que se alimentar, mas isso deveria ser feito em local adequado, como o Centro POP e o Cetremi, e não aqui. Porque essas igrejas não se juntam e criam uma fundação? Conversar com a prefeitura e arrumar um lugar para atender essas pessoas, um local fixo seria melhor”.
Trad tratou a ação das igrejas como um “mal necessário”. “Está na bíblia que é preciso estender a mão ao próximo. Eles são seres humanos iguais a mim e iguais a você. A partir do momento em que você entende a questão da placa religiosa, você entende que ela leva muito mais que o alimento da carne, ela leva o alimento espiritual, então é muito benéfico”.
AJUDA
Mas para quem se alimenta com a ajuda de entidades que vão até a rodoviária, só existe gratidão. “É o melhor café da manhã do mundo: tem chá, café e um monte de coisas. Para mim, eles são como se fossem da família”, afirmou Luiz Souza – durante a abordagem policial, na sexta-feira –, que há cinco anos é usuário de drogas e álcool e vive na região da rodoviária antiga.
A SAS confirmou o atendimento religioso no Centro POP e Cetremi, porém, apenas com culto, evangelização e roda de conversa. Já na rodoviária, o grupo também leva alimento e outros serviços, incentivando a permanência dos usuários.
A pasta afirma que o acolhimento itinerante na antiga rodoviária é feito de forma ininterrupta todos os dias da semana – durante 24 horas –, mas com foco maior nas quartas e sextas-feiras. A insistência é por conta da dificuldade em conversar com as pessoas em situação de rua que vivem na região, que não aceitam serem encaminhados para os serviços sociais por não poderem consumir droga nos prédios da prefeitura.
A SAS, em nota, também se posicionou contra oferecer apenas “alimentos ou qualquer outra ‘ajuda’, sem um trabalho sistemático, contínuo”, contribuindo para a permanência das pessoas em situação de rua, o que dificulta as estratégias e eficácia do trabalho.
SEM CUMPRIR – A prefeitura anunciou há dois anos o projeto Banho de Cidadania, que seria feito de forma itinerante em um ônibus com dois banheiros instalados, podendo atender até 100 pessoas por dia. Entretanto, não entrou em funcionamento.
(Fonte:correiodoestado)