Cidadania faz encontro em territórios para discutir atendimento às mulheres indígenas
Para além de traduzir, ao pé da letra, o que a legislação garante de direitos para mulheres indígenas. Entender contextos, culturas e a diversidade de povos é o que tem levado a cidadania a percorrer territórios ouvindo mulheres terena, guarani e kaiowá.
O primeiro, de três encontros Cidadania e Mulher, foi realizado no sábado (17) pela SEC (Secretaria de Estado da Cidadania), por meio da Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres em parceria com a Coordenadoria Estadual da Mulher do Tribunal de Justiça de MS dentro do projeto “Vozes Protegidas”.
No pátio da escola Tengatui Marangatu, na aldeia Jaguapiru, em Dourados, mulheres indígenas tiveram voz e vez de falar sobre direitos, atendimento e situações de violência de gênero vivenciadas na comunidade.
Uma das falas mais potentes é da indígena guarani, Edith Martins, de 69 anos, que se levantou para narrar o que tem vivido nas últimas décadas. “Trabalho desde os meus 13 anos na organização indígena. Sou nhandesy (rezadeira), e eu lido com criança, adolescente e ancião igualmente. Para as mulheres, é bom a tradução da Maria da Penha, mas o principal aqui para nós era a educação mesmo, e trabalho”.
“Eu me importo” – Os dizeres da camiseta da professora Cris Terena estampam a preocupação dela como mulher, professora e indígena. Há mais de três anos ela faz parte da Comissão de Mulheres Indígenas, que vem trabalhando com a educação e através dela trazendo outras discussões para o centro das aldeias.
“A gente foi criando assim um espaço de fala, fomos desabafando, falando, compartilhando das nossas experiências de violência e começamos a nos meter, a gente usa essa palavra mesmo ‘se meter’ na questão da organização política da nossa aldeia, para que as lideranças se importassem com as nossas denúncias”, contextualiza.
Da etnia terena, a professora da aldeia Jaguapiru recorda que o acolhimento às mulheres vítimas de violência muitas vezes passa pelos braços da rede formada pelas próprias indígenas na comunidade.
“Socorriamos as mulheres na nossa casa e levávamos até a delegacia, hoje a liderança já solicita o apoio da Polícia. Mas a maior dificuldade da mulher indígena é ter coragem de denunciar mesmo, sentir segurança em denunciar. Porque aqui, para nós, a questão da violência é muito mais séria, não temos uma política de segurança, e quando a gente não tem essa rede de proteção mesmo, as mulheres não veem que vale a pena denunciar”, conta.
Segurança, rede de proteção, atendimento, acolhimento, trabalho, autonomia, renda e moradia. São muitos os termos e vocábulos que permeiam a garantia de direitos que sim, já avançou, mas que ainda precisa chegar a todas as mulheres indígenas de MS.
Para Cris Terena, é preciso adequar os materiais de campanha no enfrentamento à violência contra a mulher para a realidade indígena já existentes e formular novos voltados especificamente aos povos originários.
“Explicar através da cartilha de uma forma que elas possam compreender o que está sendo colocado, os tipos de violência, que não é só a física, e reafirmar nesse material que a vítima vai ter o caso resolvido, porque não adianta nada ter uma lei, ela precisa estar muito clara de que sim, a mulher indígena vai ter apoio e vai ser resolvida a situação dela”, completa.
Rede de atendimento – Em uma roda, cada uma das mulheres se apresentou e, as que têm um trabalho voltado ao atendimento das mulheres indígenas, trouxe relatos, como a defensora Pública de Defesa da Mulher de Dourados, Inês Batisti Dantas, ao ressaltar que encontros como estes reforçam o quanto ainda há para se discutir e trabalhar.
“As mulheres têm dúvidas, até pelo entrave da língua, não conseguem entender exatamente no que consiste a Lei Maria da Penha, os direitos que ela tem, e onde se socorrer em cada caso especificamente. Por outro lado, também falta um mais de nós profissionais, da rede em si, e do sistema de justiça, de saber mais sobre as questões culturais, a tradição deles aqui dentro da aldeia. Não só o que está no papel, porque isso muitas vezes interfere no processo judicial”, pontua a defensora.
Coordenadora do Centro de Atendimento à Mulher “Viva Mulher”, de Dourados, Bárbara Marques Rodrigues é, antes de qualquer título, indígena guarani, psicóloga que lida diariamente com a questão.
Para Bárbara, estar no território indígena com um encontro destes é garantir a maior adesão das mulheres indígenas na construção das políticas públicas.
“Quando eu levo as reclamações que ouço delas por trabalhar na rede de atendimento é como se elas fossem invisíveis. Então, é muito importante que as vozes das mulheres que moram aqui na comunidade indígena sejam ouvidas por vocês. As legislações precisam compreender que as mulheres indígenas estão num contexto diferente das mulheres não indígenas principalmente nas questões religiosas, conflito com terras, que são onde estas mulheres sofrem violência também”, descreve.
Rede de atendimento – Em uma roda, cada uma das mulheres se apresentou e, as que têm um trabalho voltado ao atendimento das mulheres indígenas, trouxe relatos, como a defensora Pública de Defesa da Mulher de Dourados, Inês Batisti Dantas, ao ressaltar que encontros como estes reforçam o quanto ainda há para se discutir e trabalhar.
“Esta primeira foi uma reunião com muita representatividade, com muitos olhares sobre a violência contra a mulher indígena. A nossa missão é a de fazer a escuta, de reunir elementos socioculturais para que o projeto da Secretaria da Cidadania com o Tribunal de Justiça possa ser efetivado, que é além da tradução fria da Lei Maria da Penha para as línguas maternas indígenas, faze ruma construção de materiais pedagógicos e informativos sobre o contexto da violência”, finaliza Manuela.