Cuiabá 300 anos: Rainha, curandeira e as revolucionárias que alvoroçaram a cuiabania
Mulheres, que fizeram história, ecoam pelos corredores do tempo. Nem sempre seus nomes são lembrados nos livros. Algumas recebem homenagens com nomes em escolas, samba enredo, parque ou teatro. No entanto, apesar do longo apagamento histórico, alguns fatos nunca as impediram de estar no imaginário popular. Todas foram importantes para grandes transformações sociais, cada uma em sua época, predestinadas ao atrevimento de enfrentar os Poderes e o machismo a que eram submetidas. Em Cuiabá, que completa três séculos em 8 de abril, algumas dessas mulheres de fibra escreveram parte da história da Capital e de Mato Grosso. O portal de noticias RDnews mostrou um pouco mais sobre quatro delas, em reportagem no final de semana passado.
Para o historiador Pedro Félix, é preciso separar com cuidado o que são os fatos e aquilo que apenas faz parte do imaginário popular. Ressalta que houve uma espécie de contaminação em teorias que visaram denegrir a imagem de algumas delas, em outros tempos, quando apenas homens poderiam ser historiadores ou jornalistas. “Uma coisa é se construir a história e outra coisa é como se conta a história. Precisamos dar destaque aos formatos fantasmagóricos e cheios de boatos que envolvem o universo feminino no decorrer dos séculos. A história é contada por uma visão machista. Geralmente o que se escrevia sobre tudo e todos partia só de olhares masculinos”, comenta Pedro.
Teresa de Benguela
Rainha Teresa é uma delas. Notada por pesquisadores em diferentes partes do país, ela foi à única rainha do quilombo e ajudou a libertar índios e negros escravizados no século 18. O Forte permaneceu completamente abandonado por mais de 50 anos e foi localizado por Marechal Cândido Rondon em 1914, responsável pela instalação da linha telegráfica entre Cuiabá e Rondônia. Teresa liderava o Quilombo de Quariterê após o assassinato do companheiro José Piolho. Documentos estimam que haviam mais de 100 pessoas no lugar, sendo 79 negros e 30 índios. O local de resistência permaneceu sob sua proteção até ela ser capturada e morta por soldados em 1770. À época, o quilombo fazia parte das terras cuiabanas, isso porque as demarcações da “grande Cuiabá” eram bem diferentes das hoje existentes.
Teresa tem sua liderança estudada por criar uma espécie de Parlamento, munido de um sistema de defesa. Além disso, o Quilombo de Quariterê cultivava o algodão que, posteriormente, virava tecido. No local, também cresciam plantações de milho, feijão, mandioca e banana, além de existir uma colmeia. Tudo isso fazia com que o grupo fosse independente. A história desta mulher também foi relembrada em 1994 pela escola de samba Unidos da Viradouro no samba-enredo “Teresa de Benguela, uma rainha negra no Pantanal”.
Mãe Bonifácia
Há quem duvide da veracidade da existência de Mãe Bonifácia, uma mulher curandeira, africana, negra alforriada e mãe, que motivou o nome de um parque ambiental na Capital e recebeu uma estátua no centro de suas trilhas. No entanto, a figura, mesmo que simbólica, representa outras mulheres que, assim como Bonifácia, eram protetoras de outros negros e moravam em meio às matas para preparar remédios e chás aos refugiados e doentes que pediam sua ajuda.
Pesquisadores investem na teoria de que, por ter uma idade bastante avançada, no século 19, os senhores do engenho ou capitães do mato não tinham mais interesse em capturá-la. Mãe Bonifácia morou na Estrada da Guia, em um barracão em frente ao 44º Batalhão, local próximo ao local em que iniciava o córrego que também seria batizado com o seu nome. Como curandeira, tinha um vasto conhecimento sobre plantas e emanava esperança aos mais fracos e aos que ainda eram escravizados. Alguns, fugitivos a procuravam e a “mãe” os guiava até um quilombo que se estabelecia na mata densa onde hoje se localiza o parque.
Maria Taquara
Em 1940, retirante do Nordeste, era uma figura bastante comentada pela conservadora cuiabania. Lavadeira, também foi a primeira a vestir calças na cidade. As vestes facilitavam no seu trabalho. Maria Taquara morava num “barraco” em um terreno baldio próximo ao 44º Batalhão. Era uma mulher alta, com aproximadamente 1,80m de altura e usava cabelos curtos.
Por ser diferente de todas as outras mulheres daquele tempo, chegou a ser presa de forma “indecente” e só foi solta quando uma turista norte-americana chegou na cidade também vestida de calça e camisa de safári para conhecer o Pantanal. Populares ainda acham uma afronta a existência atrevida da retirante. Alguns arriscam dizer que ela era uma prostituta, mas não existem evidências que confirmem este fato. Em sua homenagem foi erguida uma escultura, localizada na confluência das avenidas Generoso Ponce e Prainha, que foi criada pelo artista plástico Haroldo Tenuta. Em 2009, ela foi restaurada por Fred Fogaça.
Zulmira Canavarros
Já virou clichê tratar mulheres como “a frente de seu tempo”, já que muitas não se prenderam aos períodos e modelos de sociedade. Elas lideraram movimentos e combateram preconceitos que ainda estão presentes em nossa sociedade. Pelo menos é nisso que uma das primeiras mulheres a falar sobre “feminismo” em Cuiabá acredita. Contra os padrões, provou que uma mulher não apenas pode entender e gostar de futebol, mas também pode fundar e ser a presidente do primeiro clube de futebol da cidade, o Mixto.
Zulmira também era compositora, música, dramaturga, esportista e feminista. Fundou o Clube Feminino em 1928, primeiramente para a prática esportista e cultural da cidade. Ela criou um estatuto que só permitia que mulheres fizessem à gestão da instituição. Além disso, para divulgar os movimentos, foi pioneira e fundadora da rádio Voz d’Oeste, em 1939. Essa foi a primeira rádio de Mato Grosso e conectava não apenas a Capital com o interior, mas Mato Grosso com o país inteiro. Atualmente, também é lembrada com nomes de escolas e um dos teatros em Cuiabá.
(Por Mirella Duarte, do RDnews)