Quando Adenir começou o ensino médio, optou por fazer magistério, já que o grande sonho da mãe era que ela se tornasse professora. No primeiro ano, ela foi convidada para substituir uma professora que dava aulas na zona rural.
“Eu pegava o ônibus bem cedo e quando chegava na escola ainda estava escuro. Na época tinha 16 anos, então eu abria a escola, deixava as luzes apagadas, deitava e ficava quietinha até que os alunos começassem a chegar. Porque a escola ficava na beira da estrada e passava muita gente, então eu ficava quieta para que ninguém soubesse que eu estava lá”, lembrou ela.
E tem um episódio que poderia ser trágico, mas que foi uma lição de amor, desta época. Um dia, o ônibus quebrou e não passou para que Adenir pudesse voltar para casa, em Naviraí. Como começou a escurecer, ela se escondeu atrás de uma moita e ficou bem quietinha.
“Quando meus pais perceberam que eu não chegava, meu pai chamou um táxi e gastou tudo que tinha para ir até a escola e me resgatar”.
Dom de ensinar – Mas, como os sacrifícios sempre resultam em boas coisas, ao final de três meses dando aula em uma turma multiseriada, todas as crianças sabiam ler e escrever.
“Para mim foi uma realização. Mesmo em tão pouco tempo, senti que tinha contribuído com a vida daquelas crianças de alguma forma”.
Quando terminou o magistério, ela se inscreveu no científico como era chamado naquela época. “Me matriculei e fiz o ensino médio de novo só para não parar de estudar”.
O racismo – Nesta mesma época, ela se candidatou a uma vaga para um agência bancária do município, mas mesmo sendo capacitada, não foi selecionada. “No entanto, o edital tinha um requisito que eu não preenchia aos olhos da sociedade. O anúncio dizia que era necessário ter ‘boa aparência’ e naquele tempo, negro era considerado sem boa aparência”.
Deste dia em diante, Adenir disse a si mesma que se candidataria a vagas de trabalho para as quais pudesse ser selecionada por sua capacidade.
Assim, fez concurso para o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul e foi aprovada, aos 18 anos, para trabalhar no Fórum.
Até então, ela pensava em cursar Educação Física, porque queria fazer por outras crianças o que o professor Napoleão tinha feito por ela.
No entanto, com o trabalho no Fórum, foi surgindo o interesse pelo Direito e ela então decidiu prestar o vestibular.
Passou para o curso de Direito, em Dourados, a 138 km de Naviraí. Na mesma época surgiu uma vaga na 3ª Vara Cível e ela foi novamente selecionada, assim conseguiu trabalhar e estudar. Com o salário que recebia, conseguiu pagar a faculdade, custear sua moradia e ainda ajudar os pais.
Nas horas vagas, ela dava monitoria para os colegas, era voluntária no juizado especial de pequenas causas e ainda jogava vôlei. Com tanta coisa para fazer, os anos de estudo passaram rápido. Sem contar que, não tendo condições de comprar livros, ela emprestava e transcrevia as partes mais importantes.
“Eu lia o mesmo livro, pelo menos três vezes. Uma para saber o conteúdo, depois voltava destacando as partes importantes e por fim transcrevia o que era importante para poder estudar depois, já que não sobrava dinheiro para fazer cópias”.
Em 1988, ela conheceu o amor e se casou com um argentino. Em 1991, ela concluiu Direito e decidiu que estudaria para a magistratura.
Em 1994 foi aprovada no concurso para juíza do Trabalho em Mato Grosso. Passou por vários municípios, até firmar residência em Rondonópolis, a 218 km de Cuiabá. Lá também atuou como professora nas faculdades de Direito.
Em 2020, foi nomeada desembargadora federal, por merecimento. E, portanto, transferida para Cuiabá.
“Sempre digo que o que sou foi sonhado por minha mãe antes de eu nascer, porque eu realizei o sonho dela e fui professora, mas o estudo que ela tanto queria para mim, me mostrou que eu poderia ir além”.
Além do sonho da mãe, Adenir carrega, até hoje, os valores que aprendeu com a família, como o apoio e incentivo incondicional aos filhos, a importância do conhecimento, o alicerce para que os sonhos sejam alcançados e, especialmente, que somos capazes.
“Hoje, tento, por meio de projetos, incentivar o estudo, o apoio às crianças e às famílias e assim, retribuir socialmente um pouco do que conquistei”.
Outro ensinamento que ela carrega para a vida e faz questão de destacar é que os desafios vêm para impulsionar, não para nos parar. “O fato de ter sido desclassificada lá naquela seleção do banco, me impulsionou a conquistar os espaços por mérito e me fez estudar, não desistir”.