Dia da Consciência Negra: a desigualdade estampada na pele

Quantos médicos negros já te atenderam? Quantos professores negros você teve na escola? E na faculdade? Sob a supervisão de quantos chefes negros você já trabalhou? Se a resposta for poucos ou nenhum, saiba que não é uma simples coincidência.

Mesmo sendo maioria da população brasileira (54%), os negros são minoria em cargos de liderança. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Ethos, entre as 500 maiores empresas do país, apenas 6,3% dos cargos de gerência são ocupados por pessoas negras.

E essa realidade também não é diferente no serviço público. Negros representam 47,4% dos servidores, mas nos cargos mais concorridos e de maior remuneração esse número diminui.

Segundo dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (SIAPE), em âmbito federal, os negros são apenas 6% dos diplomatas e 12% dos auditores da Receita Federal.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, a renda média do salário de um negro é de R$1.570 e de um pardo é R$1.606, enquanto de um branco esse valor é de R$2.814.

E além de ganharem menos, o número de pessoas negras desempregadas é maior que a média geral. No terceiro trimestre de 2018, segundo dados do PNAD, enquanto a média de desemprego na população era de 11,9%, esse número era mais alto entre pardos e negros, 13,8% e 14,6%, respectivamente.

Entenda a data

Há 324 anos, o líder quilombola brasileiro Zumbi dos Palmares foi morto em uma emboscada, teve sua cabeça cortada e exposta em uma praça pública na cidade de Recife, em Pernambuco.

Zumbi, nascido em Alagoas, foi um dos principais nomes da resistência negra durante o período da escravidão. Em sua homenagem, no dia 10 de novembro de 2011, foi instituído oficialmente o Dia da Consciência Negra, pela Lei nº 12.519.

O Brasil foi o último país da América a abolir a escravidão, após mais de três séculos de trabalho escravo. O professor de História Pedro Mendes conta que, após o dia 13 de maio de 1888, não houve políticas para reparação dos danos causados pela escravidão.

“O fim da escravidão no brasil, em 1888, tardio em relação aos demais países do continente, libertou os últimos 400 mil cativos num país próximo dos 10 milhões de habitantes. Passada a euforia do dia 13, não houve, nem no império, nem na república, nenhuma medida de reparação com a população negra.”

Pedro conta também que o período escravista deixou inúmeros resquícios no dia de hoje. “Destaco o evidente preconceito racial, refletido na assustadora desigualdade de renda, escolaridade, expectativa de vida e acesso a serviços básicos entre negros e brancos”, completou.

Essa desigualdade racial Pedro chama de racismo estrutural. É a “consequência direta de uma república que, quando proclamada, projetou embranquecer a sociedade; e de um presente que, apesar de uma constituição democrática e inclusiva, se permite conviver com tamanhas desigualdades”, explicou.

Cotas para quê?

Como forma de tentar amenizar a desigualdade social, econômica e educacional entre as etnias, foi criada a Lei 12.990, que entrou em vigor no dia 10 de junho de 2014. A partir dessa Lei, fica definido uma porcentagem de vagas de concursos públicos para pessoas negras e pardas.

São reservadas cerca de 20% das vagas dos concursos e podem concorrer todos os candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos no momento da inscrição. No entanto, as cotas geram divergências de opiniões.

Uma das principais críticas às cotas é de que elas não reconhecem o mérito. O conceito de meritocracia, muito utilizado em empresas, diz respeito a um modelo de hierarquização e premiação baseado nos méritos pessoais de cada indivíduo.

No entanto, pensar meritocracia no âmbito social é pensar que todas as pessoas podem crescer com esforço e dedicação e que não há fatores externos que impactam nessa realidade, como a própria desigualdade.

A cota, como ação afirmativa, é uma medida temporária para eliminar desigualdades históricas. Ela por si só não vai acabar com o racismo, mas ajuda na busca pela equidade entre as pessoas.

Para Pedro, as cotas são fundamentais. “Para mim, a primeira grande medida do estado brasileiro no sentido de reparar sua maior desigualdade. Penso que cotas e ações afirmativas devem ser ampliadas, inclusive na iniciativa privada”, contou.

Processo de heteroidentificação

As ações afirmativas precisam ser monitoradas. Em 2018, foi publicada uma portaria que regulamentou o processo de heteroidentificação, complementando a autodeclaração dos candidatos. Basicamente, o processo visa controlar e combater a fraude nas cotas.

O uso indevido de cotas é um assunto que gera polêmica. Pelo fato de ser baseada na autodeclaração, qualquer pessoa pode se autodeclarar negra e se utilizar indevidamente das cotas. Para Pedro, essas atitudes “demonstram o mau caratismo de parte, felizmente pequena, dos que recorrem às cotas”.  “É culpa de quem age assim, não das ações afirmativas”, completou.

(Folhadirigida)

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