Diagnóstico tardio ajuda autistas adultos a se compreenderem

O antropólogo Guilherme Falleiros, 45 anos, mora em Santo André e desde 2020 passou a entender melhor diversas situações que passou na sua vida. Seu jeito de se comunicar, suas percepções sensoriais, tantas coisas fora do que se chama de padrão. A cineasta, fotógrafa e palestrante Letícia Soares, 28, moradora de São Bernardo, também só entendeu na idade adulta por que tinha tanta dificuldade em se comunicar verbalmente com as pessoas. Os dois foram diagnosticados com TEA (Transtorno do Espectro Autista), distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por evolução atípica, mas com grande variedade de manifestações.

Estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil sejam autistas, mas a falta de estudos prejudica em muito essa projeção. O que se sabe é que, com a formação de mais profissionais capacitados a identificar as características das pessoas que convivem com o transtorno, têm se registrado aumento nos diagnósticos, não apenas em crianças, mas também em adultos. “Muitos pais descobrem o próprio autismo depois de ter filhos”, explica a doutora em distúrbios do desenvolvimento e diretora na Premium Tismo, centro de desenvolvimento comportamental com foco em autismo, Talita Pazeto.

Para Falleiros e Letícia, o diagnóstico os ajudou a se entender, se aceitar e lidar melhor com diversas situações das suas vidas. O antropólogo relatou que passou a se importar menos com a opinião de quem não aceita as suas peculiaridades. Já a fotógrafa define com objetividade uma coisa que mudou muito: depois do diagnóstico as pessoas pararam de tentar obrigá-la a parecer normal. “Preconceitos e discriminações sempre senti, mas não sabia de onde vinham, agora sei que tem a ver com capacitismo, ou com a dificuldade de interagir diante de situações de atenção compartilhada”, define Falleiros.

Também diretora da Premium Tismo, a mestre em distúrbios de desenvolvimento Naiara Adorna destaca que, para um diagnóstico em fase adulta, é preciso que haja um mergulho no passado para identificar características que sempre estiveram presentes. “O autismo é um espectro, tem desde casos mais graves até mais leves e quando as características são leves, isso vai passando ao longo do desenvolvimento. A pessoa tem uma dificuldade, mas não sabe que nome tem”, relata. “Comportamentos rígidos, no ambiente de trabalho, nas relações. Pessoas que na infância eram taxadas de preguiçosas. Porque o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, significa que as características já estão presentes na primeira infância, até os 6 anos. Já tinha alguma característica e as vezes os pais não percebiam”, detalha a especialista.

Tutora do curso de psicanálise da Uninter, a professora Raquel Berg destaca que em adultos é preciso que seja feito o que chama de diagnóstico diferencial. “O autista tem dificuldades de traduzir informações sociais. Mas não pode recortar um comportamento e expandir para um todo. O comportamento da pessoa autista se repete em diversas situações diferentes”, pontua a especialista. “Se o marido tem um comportamento de incompreensão com a esposa, mas compreende a família, os amigos, nos sugere que não é um problema de autismo”, completa, ressaltando a importância de se consultar profissionais especializados.

Um dos maiores desafios para que uma pessoa portadora de TEA (Transtorno do Espectro Autista) possa se desenvolver plenamente nas suas capacidades é o diagnóstico precoce. Profissionais da área consultados pelo Diário afirmam que, na rede pública, o acesso ainda é muito precário e, muitas vezes, quando a criança começa a receber algum tipo de tratamento e intervenção, tempo precioso já foi perdido.

Doutora em distúrbios do desenvolvimento e diretora na Premium Tismo, centro de desenvolvimento comportamental com foco em autismo, Talita Pazeto pontua que não há indícios de que estejam aumentando os casos de autismo, mas que, sim, mais profissionais estejam se capacitando para identificar os sintomas. Talita aconselha que quando os pais percebam algum tipo de atraso no desenvolvimento da criança, dificuldade em estabelecer o contato pelo olhar, comportamentos repetitivos, que um profissional seja imediatamente procurado.

Segundo especialistas, há possibilidade de se fechar diagnósticos em crianças muito novas. Mas, enquanto isso não ocorre, também é possível que já sejam realizadas intervenções precoces a fim de auxiliar o indivíduo com TEA no seu desenvolvimento, desde que haja o suporte de profissionais especializados.“É muito importante que os pais fiquem atentos a comportamentos repetitivos com o corpo, braços, pernas, mãos, ou comportamento repetitivo com o brinquedo; dificuldades na comunicação tanto verbal quanto na parte de compreensão”, ponta Talita.

Crianças autistas podem apresentar atrasos de linguagem e entender que o autismo é um espectro, que não vai acontecer da mesma forma em todas as crianças, porque são diversos os comportamentos, auxilia no diagnóstico. “Dificuldade de atender pelo nome, se interessa mais por objetos do que por pessoas. Qualquer sinal que se observe no atraso de desenvolvimento é importante procurar um especialista na área: neuropediatra, psiquiatra infantil, fonoaudiólogo, mas com especialização na área do desenvolvimento. Psicólogos também precisam ser especializados”, aconselha a mestre em distúrbios de desenvolvimento Naiara Adorna.

Psicóloga da Clínica Arte Psico, Alyne Dini reforça que um maior número de casos de autismo está diretamente relacionado a uma maior oferta de profissionais especializados, ainda que em sua maioria, apenas na rede privada de saúde, aliado a mais informações sobre o tema. “Podemos perceber que isso contribui não para aumento de casos, mas, sim, para um olhar atento dos transtornos do desenvolvimento e intervenção já nos primeiros sinais”, conclui. (Fonte: Diário do Grande ABC)

 

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(Fonte: Diário do Grande ABC)

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