Enfermagem na linha de frente:: ‘Dizem que somos heroínas, mas somos heroínas que chegam em casa e desabam’
No mesmo dia em que conversava com a BBC News Brasil, a enfermeira Alessandra Alencar Gadelha de Mello, 48, comemorava 27 anos de formada em Enfermagem.
Ela concilia dois empregos — à tarde, é enfermeira auditora em um hospital privado de Salvador (BA), auditando os processos e atendimento do hospital, e passa as manhãs em um hospital psiquiátrico da rede estadual baiana, onde faz controle de infecções.
Esse trabalho é particularmente sensível em meio à pandemia da covid 19, pelo constante temor de que algum dos pacientes portadores de transtornos mentais — que costumam ter um longo tempo de internação — se contamine com o novo coronavírus.
A seguir, Alessandra conta sua rotina à reportagem.
“Antes, nos preocupávamos com infecções, com antibióticos que causassem resistência de bactérias. Mas era rotineiro.
Com a pandemia, tivemos que readequar toda a estrutura do hospital psiquiátrico e refazer todos os treinamentos para cumprir com as normas da OMS e do governo do Estado, e para garantir que o paciente psiquiátrico não se infecte nem infecte os demais.
O hospital privado em que trabalho não é de referência, mas tem recebido casos de covid-19 por ser uma instituição de grande porte.
Então, quando saio para trabalhar de manhã, eu tento vencer o dia. Preciso que as equipes não se cruzem, que os pacientes não se cruzem. Que os protocolos não sejam quebrados, que os pacientes não sejam infectados, para salvaguardar a saúde deles e a nossa.
Tivemos dois casos suspeitos entre pacientes, que transferimos em tempo hábil. Hoje (12 de maio), com muita felicidade, recebemos a notícia de que o teste deles deu negativo para o coronavírus.
Mas temos funcionários e servidores que se contaminaram.
Essa é a nossa maior preocupação: o grande número de profissionais da saúde infectados. É um grande medo pessoal, uma grande angústia, e que diminui muito a nossa força de trabalho na enfermagem.
Nos hospitais onde trabalho, estamos perdendo cerca de 40% da equipe. Estamos trabalhando com déficit de pessoas, e muitos estão cansados de dobrar os turnos para compensar essa ausência.
Recentemente, uma colega apresentou sintomas, então é muita tensão. Às vezes eu preferiria estar em uma unidade de referência contra o covid-19, em que você já sabe qual é o perfil do paciente que vai chegar, do que ficar nesta tensão de ser pega de surpresa ao se deparar com a doença.
No hospital psiquiátrico, estamos equipados e com máscaras, mas não tão paramentados como estão os profissionais de UTI.
Então eu vivo em alerta constante. Sempre que chega mensagem no meu celular, penso, ‘meu Deus, será que algum paciente está com sintoma?’
Trabalho 12 horas por dia, porque, assim como muitos enfermeiros, tenho que ter vínculo (profissional) com mais de uma instituição. E não é porque a gente quer, mas porque a gente precisa. E é complicado abrir mão de um emprego no meio desta crise econômica.
E para muitos, entre uma jornada e outra entre os hospitais, tem o medo de se contaminar no transporte público.
Eu também penso muito também no pós-pandemia. Agora é o momento em que a infectologia está em alta, mas depois vai ser a vez da psiquiatria. Porque, quando tudo isto passar, teremos muitos profissionais adoecidos. Tenho colegas que não conseguem mais sair de casa, de tão apavorados, exauridos.
As pessoas dizem que somos heroínas, mas a gente se pergunta, meu Deus, que heroínas são essas que chegam em casa e desabam?
Em casa, o medo é grande também. Minha filha acabou de se formar em Medicina e dá plantão em hospital de referência no tratamento da covid-19. Então fica ela preocupada comigo, e eu preocupada com ela.”
(Fonte: BBC News Brasil)