Entrevista: Luz da Semiosfera Literária “Matrogrossulense” foca no advogado e poeta Athayde Nery

Atahayde Nery com a professora doutora em Letras, Gicelma Chacarosqui

A atuação do advogado e poeta sul-mato-grossense, Athayde Nery de Freitas Junior (foto em destaque), resplandece também fora do universo jurídico e cultural. A trajetória de dedicação à justiça e cultura de Athayde Nery está ganhando uma nova abordagem, que será feita pelo mundo acadêmico.

O advogado e poeta será um dos pesquisados de um projeto da professora doutora Gicelma Chacarosqui, da Faculdade de Letras da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Conforme a professora, o projeto vai abordar “Aspectos de uma Semiosfera Literária “Matogrossulense” dando voz ao poeta Athayde Nery.

A professora entrevistou Atayde para sua pesquisa que, segundo ela, faz parte de um projeto maior, que é o de pesquisar a “Identidade e Representação Cultural Matrogrossulenses: Aspectos de uma Semiosfera de Literatura e Arte”.

O projeto de autoria da professora Gicelma pretende estudar a cultura “Literária matogrossulense.”, ou seja, autores nascidos no Mato Grosso unificado e que a partir da divisão do estado, passaram a ser autores sul-mato-grossenses. Além de Athayde, Gicelma cita Moacir Lacerda (Grupo Acaba), Raquel Naveira, Douglas Diegues e Sylvia Cesco, entre outros. “Desta forma, pelo viés intersemiótico, tentaremos pontuar aspectos que fundamentam a poética de Athayde Nery, que intentamos nomear de liquida, fulgás, transitória. Pretendemos levantar o papel da água e da liquidez – e de seus ressoadores – enquanto metáfora da matéria poética na escritura do autor elencado, pois percebe-se na escritura de Athayde Nery, que a água e/ou úmidez, liquidez, se mostra como um tipo de mote criativo”, avalia a professora de Letras.

De acordo com Gicelma Chacarosqui, a entrevista com Athayde Nery é um princípio salutar e primevo que proporciona
a articulação de aspectos integracionista, promovendo a atualização de conhecimentos que servirá como fonte de estudos e divulgação da poética do referido autor. “A articulação desses aspectos proporcionará um conjunto de conhecimentos semióticos, literários e artísticos, bem como poderá levar a renovação de conhecimentos sobre o corpus proposto, através de novas ideias e questionamentos sobre a poética de Athayde Nery”, pondera.

Ao fazer a entrevista, a pesquisadora convida o leitor para mergulhar num rio de vida e poesia, com curso e percurso de Athayde Nery.

 

                      E N T R E V I S T A

 

“Aspectos de uma Semiosfera Literária “Matogrossulense” dando voz ao poeta Athayde Nery

(Por Gicelma da Fonseca Chacarosqui Torchi)

PerguntaAthayde, poderia se apresentar?

Resposta – Sou Athayde Nery de Freitas Júnior, nascido no dia do poeta, 20 de outubro, e no ano de um infeliz e violento golpe militar de 1.964. Sou advogado como profissão, político como missão e poeta por devoção. Procuro defender a vida, as pessoas, a democracia e a liberdade no meu país e no mundo. Como escritor, faço poesia para compartilhar sensações e emoções. Como diria Terencio, dramaturgo e poeta romano que viveu lá pelos 150 anos antes de Cristo, “Nada do que é humano, me é estranho”, ou seja, o ser humano é capaz de amar ou odiar com a mesma intensidade, dependendo do que você o
estimula. Sendo assim, não vejo saída para a humanidade se não houver amor, poesia, cultura, paz, justiça, convivência, desenvolvimento humano e econômico sustentável com base na educação plena e sem pobreza, para que o ser humano espalhe mais amor e menos ódio.
P Nos fale um pouco de você, família, filhos e dos sonhos. E também de como você começou a escrever…

R – Nasci em Três Lagoas, na Barragem, ali nas confluências dos Rios Paraná, Sucuriú e Tietê. Mas, logo minha família mudou-se para a cidade de Cáceres, na beira do rio Paraguai. Em seguida fomos morar em Corumbá, também na beira do rio Paraguai, e depois nos mudamos para Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai. Só aí, viemos para Campo Grande. Desde cedo fui impregnado por rios, como o Piquiri, Aquidauana, Miranda, Paraná, Coxim, Taquari, e, especialmente pelo Rio Paraguai, pela fronteira com o Paraguai, pelo pantanal e suas histórias e lendas. Até porque, meus pais, tanto minha mãe quanto meu pai são nascidos e criados no pantanal, ela da Nhecolândia e ele do Paiaguás.
Sempre fiquei conectado com essa minha infância no pantanal do Paiaguás e da Nhecolândia, sem dúvida que encharcaram o meu olhar e espírito. As conversas dos meus pais, o sotaque, meus irmãos, tios e primos.Muitas imagens arraigadas na minha
existência. Em Campo Grande, incorporei novas sensações de um ser urbano já com os córregos Segredo e o Prosa, cercados de asfalto e cimento, fluindo em mim. Mas foi em Dourados, onde fui fazer faculdade, que desabrochei para a construção poética e política de maneira muito intensa, misturando todos esses olhares. É preciso respirar poesia o tempo todo e resgatar a criança que habita nosso ser. Ela é o começo, meio e fim. Eu sou como a piracema, sempre preciso estar voltando nesses lugares da minha infância.

P Como você escolheu a profissão e como é sua trajetória profissional?
R – Na juventude militei no movimento estudantil secundarista e a bandeira principal era a luta contra a ditadura militar, ensino público e gratuito, eleições diretas. Fui militante na clandestinidade do então PCB. Nossa casa era muito democrática quanto ao debate sobre a situação do país. Daí para fazer Direito, foi um pulo.Finalmente fiz concurso para Oficial de justiça em Dourados, onde cursava o Direito. Por doze anos fui servidor público . Em Dourados iniciei minha militância mais intensa no movimento sindical e nas lides poéticas. Com Eloise Mello, minha primeira companheira, tive dois filhos: a Larissa, 33 anos,
Doutora em História,nascida em Dourados-MS; e o Athayde Neto, formado em Computação nascido em Campo Grande-MS
Com a Psicóloga Tânia Maura Barbosa, com quem estou casado até hoje, tenho um filho com 18 anos, o Rafael, que está cursando o Direito, também nascido em Campo Grande-MS. Como dirigente sindical dos Servidores Públicos, fundamos associações, sindicatos e a Federação dos Servidores Públicos de MS, entidade que fui eleito Presidente por três mandatos.

Por conta disso fui obrigado a me mudar para Campo Grande, com 23 anos de idade.Graças ao movimento dos servidores públicos e do movimento sindical, fui eleito vereador pelo PPS, exercendo quatro mandatos. Como Vereador, além de fiscalizar,
legislar, chamar inúmeras audiências públicas, atuei fortemente na área cultural, direitos humanos e cidadania, defendendo a tese de “Inclusão institucional de Vulneraveis”. Criamos a Comissão permanente de Cultura, Lei de Fomento ao Teatro e à Música, Tombamento da Estação Ferroviária, Vila dos Ferroviários e Colégio Osvaldo Cruz. Criamos o primeiro Conselho Municipal de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. Como Presidente da Fundação de Cultura do Município, criamos e aprovamos como Lei, o primeiro Plano e Sistema Municipal de Cultura do Brasil com incremento de 1% do orçamento para cultura num prazo de 10 anos. Como Secretário de Estado de Cultura e Cidadania, aprovamos o Plano e Sistema Estadual de Cultura, como Lei. Criamos a primeira Subsecretaria dos Povos Indígenas e LGBTQIAP+, além de introduzir a Cidadania nos festivais de Bonito, Corumbá e em todas as atividades da Secretaria que passavam a ser de Cidadania e
Cultura.
PComo você avalia suas habilidades técnicas e competências literárias?

R – Tento escrever poesia desde os meus 13 anos. Escrever poesia é exercitar sensibilidades pessoais e alheias, permanentemente. É olhar e sentir o tempo que nos veste e vesti-lo com toda intensidade. É rasgar o aço humano em que nos transformamos e reduzi-lo à lata, ouro, pedra, flora, fauna, água, fogo, terra e ar. É chorar de tanto procurar devaneios sinceros. É transformar o nada em um nada ainda mais profundo. É chapiscar o nosso olhar com o olhar do Manoel de Barros. Tanto pela obra como pelo próprio Manoel que foi muito generoso comigo, conversando, orientando, observando e clareando minha escuridão. Fazer poesia é ter uma leitura sistemática, é ouvir, observar, captar, e exercitar a escrita permanentemente. Só assim me atrevi a escrever cinco livros. Minhas influências foram de vários matizes.

Além do Manoel de Barros, o mundo de Machado de Assis, sempre me deslumbrou, assim como o de vários outros que acabei me alimentando como Carlos Drumond, Fernando Pessoa, Padre Antonio Vieira, Victor Hugo, Marcel Proust, Brecht, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz Eça de Queiroz, Sartre, Cícero, José Murilo, Platão, Fernando Sabino, Ferreira Gullar, Darcy Ribeiro, Trotski, Bakunin, Maiakovski, Vinicius de Moraes, Castro Alves, Viana Moog, Eric Hobsbawn, Rainer Maria Rilke, Casimiro de Abreu, Alighieri, Byron, James Joyce, Herman Hesse, Kafka, Rubem Braga, Otto Lara, Carlos Heitor Cony, João Ubaldo, Veríssimos, Millôr, Henfil, Milton Nascimento, Paulo Simões, Geraldo Espíndola, Jerry Espindola, Rodrigo Teixeira, Marcio de Camillo, Almir Sater, Rocca, Guilherme Rondon, Celito Espíndola, Tetê Espindola, Victor Hugo de La Sierra, Moacir Lacerda, Grupo Acaba, Chico Buarque, Caetano, Gil, Raul, Rita Lee, Roberto Carlos, Beatles, Led Zeppelin, Queen, Bob Dylan, Rolling Stones, Chitãozinho e Xororó, Pena Branca e Xavantinho, Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico, Délio e Delinha, Helinho do Acordeon, Cocomarola, José Asunción Flores, Jandira e Benites, Jorapimo, Ilton Silva, Patricia Helney, Humberto Espindola, Adilson Schiffer, Conceição do Bugres, Isaac de Oliveira, Lidia Bais, J. Pantaneiro, Cazuza, Florestan, Bobbio, Lenin, Marx, Engels, Nietzsche, Dostoievski, Anton Tchekhov, Dante, Nabokov, Miguel de Cervantes, Edgar Allan, Hannah Arendt, Bauman, Khaled, Shakespeare, Saramago, Garcia Marques, Camões, Mira y Lopes, Augusto de Franco, Bernardo Élis, Vargas Llosa, Goethe, Jorge Luis Borges, Yuval Noah Harari, Cortázar, Lucilene Machado, Emanoel Marinho, Raquel Naveira, Sylvia Cesco, Americo Calheiros, Gicelma, Nicanor Coelho, Narinha, Carlos Amarilla, André Alvez, Proença, Lobivar, Samuel, Henrique Medeiros, Rubenio, Abilio de Barros, Paulo Machado, Janete Zimmerman, Febraro, Taunay, Cicero, Hilda Hilst, Itamar Vieira, Guimarães Rosa, Sponville, Rupi Kaur, Jesse Souza, Pablo Neruda, Clóvis Rossi, Gilberto Dimenstein, Chaplin, Freud, Alex Fraga e tantos outros escritores e escritoras, fazedores de arte ou de “amanhecer”, como diria Manoel que me encantaram, encantam e haverão de encantar esse espírito ávido de aprender e conhecer.
P – Quantos livros? Quais as ordens de data de publicação? Tem reedições? Você tem uma das obras que gosta mais?

R – 1 – Silêncio Escancarado – 1995
2.- Tereré com água Guarani – 2.010.
3.- Estrelas líquidas – 2.016.
4.- Livro dos acasos – 2.020.
5.- Rio Paraguai, berço de Guerra e de Paz. 2.022.
6.- Enferrumentos d’alma – 2023.
O primeiro livro “Silêncio escancarado”, a meu ver, tem todo um movimento de gestação e nascimento que acabou criando coragem e se lançou dando o primeiro grito no mundo da poesia. O poema “Bem ali”, já carrega influências do Manoel mas, com um fluir urbano, equilibrando o abstrato e o concreto e buscando o belo na sonoridade das palavras de maneira muito suave. Nessa poesia, faço menção a Casimiro de Abreu, esbarro em Castro Alves, chamo Byron. Tem “Soneto da distância”, “Interior” que arrisco uma poesia em duas partes, “Rio Paraguai” no olhar da Balsa quando atravessava o Rio Paraguai para chegar em Corumbá, , “Correnteza” e “Acordando” em homenagem à luta contra a exploração da América do Sul. Tenho muito apreço por esse livro porque ele é como uma libertação do poeta. Vale dizer, que devo muito ao meu amigo e poeta de Dourados, falecido Nicanor Coelho, que junto com o poeta Carlos Magno Amarilha, criaram o Grupo Arandu. Só publiquei por insistência dos dois. Já no meu segundo livro “Tereré com Água Guarani”, me sinto mais amadurecido na construção de imagens e emoções. Tem alguns poemas interessantes como “Semelhante”, “Minha cidade”, “Soneto da amizade” e outros que não saem da minha memória.
PE como chegou a uma ode pantaneira? Por que “Rio Paraguai”, Berço de Guerra e de Paz, que tem mais de 400 versos?

 R –Sou pantaneiro de pai e mãe, e também por ter vivido os melhores anos da minha infância e juventude naquele universo ensandecido de uma beleza absolutamente deslumbrante e genuína. Quanto ao épico “Rio Paraguai, berço de Guerra e de Paz”, foi uma provocação generosa de Moacir Lacerda, do Grupo Acaba, para que eu compusesse uma saga sobre o Rio Paraguai. Levei pelo menos dois anos buscando na memória afetiva e pesquisando. Ficou um trabalho extenso que procurou dar vida ao Rio Paraguai e as suas entranhas históricas.
É uma poesia narrativa dividida em 19 partes que foi sendo construída como sendo a vida do nosso querido Rio Paraguai, no seu fluir quilométrico até se encontrar com o seu irmão Rio Paraná. Nesse caminho para o mar, o Rio Paraguai é testemunha “corporal e emocional” do nosso nascimento como pantanal, suas riquezas e fases desde a “Corumbella”, a primeira vida na terra com 600 milhões de anos, até as primeiras ocupações das plantas, minérios, dos animais e dos seres humanos desde os indígenas até os estrangeiros para que nos tornássemos brasileiros, matogrossulenses pantaneiros.
O Rio Paraguai também foi palco do maior conflito armado internacional ocorrido na América Latina envolvendo o Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai, também conhecida como Guerra do Paraguai (1.864 a 1.870), que completou 150 anos do seu acontecimento em março de 2.020. Em 09 de janeiro de 2.022 se completou 150 anos da assinatura do Tratado bilateral de Paz de Loizaga-Cotegipe, assinado em 1.872 entre o Paraguai e o então Império do Brasil. Cerca de 150.000 paraguaios, 50.000 brasileiros, 30.000 argentinos
e 3.600 uruguaios foram mortos nessa tragédia.
A guerra é uma chaga incurável que carregamos por absoluta insensatez dos seres humanos desprovidos de capacidade de dialogar. No final de uma guerra, não existem vencidos e nem vencedores, apenas um legado devastador de tristeza, perdas, misérias e cicatrizes indeléveis que devem servir como um ensinamento doloroso do que não devemos nutrir em relação aos nossos semelhantes.
Já fizemos uma apresentação dessa poesia narrativa na sede da Academia Sul Mato Grossense de Letras, com a participação especial de Geraldo Espíndola, Jerry Espíndola e o trio formado por Victor Hugo de La Sierra, Dario de La Sierra e Abel Baez, como Cancioneiros do Rio Paraguai. Uma noite memorável. Essa poesia mostra também, que o Rio Paraguai é o grande caudatário da nossa cultura em permanente formação e identidade já que o nosso Estado tem apenas 46 anos, mas que, no entanto, traz no seu corpo existencial várias influências milenares que precisam ser resgatadas. ‘Kikio” de Geraldo, “Kananciuê” do Grupo Acaba, a polca rock, “Rio azul” de Jerry Espíndola, chamamé, polca paraguaia e as variadas manifestações que se misturam formando a nossa personalidade tão genuinamente pantaneira em que o nosso olhar e
espírito criativo não é só voltado para o Oceano Atlântico mas, especialmente para o
Oceano Pacifico e a nossa america irmã. Finalizar dizendo, que a nossa pluralidade forma a
nossa identidade.
Agradeço o estímulo e a orientação generosa do grande artista, compositor, poeta, músico e apaixonado pelo pantanal e o seu Rio Paraguai, Moacir Lacerda, que junto com vários outros artistas e colaboradores criamos o movimento “A chama da Paz na América do Sul”. Gratidão ao Alex Fraga com seu maravilhoso blog da cultura e ao Jornal O Estado, que cedem seus espaços para as minhas criações poéticas e literárias.
PQuais suas expectativas: Valores, cultura e futuro?

R – Somos um oceano de sentimentos, sonhos, tragédias, traumas, frustrações, alegrias, amores, e tudo isso forma em cada um de nós, uma maneira única e universal de viver nesse mundo, nos dando capacidade de amar ou de odiar intensamente. No final das contas, somos todos semelhantes, Homo Sapiens, repletos de gigantes da alma que nos movem diariamente para enfrentar o maior gigante que é o medo da vida ou da morte.
Freud já dizia que é a pulsão de vida ou de morte que nos impulsiona ou nos destrói. Que pulsemos vida.

PAthayde, fique à vontade para fazer suas considerações finais.

R -Fico muito feliz que as minhas escritas tenham sido escolhidas para pesquisa científica por iniciativa da Doutora, Mestre e Professora Gicelma Chacarosqui, de sensibilidade aguçada e também oriunda da beira do rio Ivinhema, que tem alma de poeta e escritora. Devo ter mexido com os rios que fluem na sua essência. Fico muito honrado e espero que minha
obra possa estimular o nascimento de mais poetas. Muito agradecido.

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