Estudantes dão lição de amizade e inclusão de colega autista
De óculos, mochila do Yoshi, personagem do “Super Mario”, e caderno da “Hora de Aventura”, Victor Hugo chega todo dia à Escola Municipal Geraldo Castelo, em Campo Grande, onde cursa o 3º ano do Ensino Fundamental. Na sala de aula, ele se senta no fundo, com a professora auxiliar entre ele e um coleguinha, e segue a rotina da classe com questões, provas e explicações adaptadas.
Em uma das atividades da escola, ele descreve como se enxerga no futuro ao responder o enunciado “o que você quer ser quando crescer?”. E, em palavras e desenho, Victor Hugo será um guarda de trânsito.
Na sexta-feira, a mãe dele, Yanara Campos Nobre, 32 anos, sentiu um frio na barriga que talvez o filho nunca tenha sentido ao entrar na sala. Convidada pelas professoras auxiliar e de Ciências, ela aceitou falar sobre o autismo para uma turma de crianças entre 7 e 8 anos.
A preocupação era sobre como simplificar um assunto com o qual Yanara convive desde que o diagnóstico de Victor Hugo foi dado, em 2015: ele faz parte do número cada vez maior de crianças com o transtorno do espectro autista.
Apresentada como mãe do colega de turma, a professora falou aos alunos que eles iriam tratar sobre um assunto e tinha uma pessoa expert naquilo. Com o livro “Meu Amigo Faz Iiiii”, da autora Andrea Werner, Yanara narrou a história de Bia, a menina que percebe que seu colega Nil tem alguns comportamentos diferentes. “Em nenhum momento a autora aborda que ele é autista, a menina pergunta para a professora como ela pode ser amiga e em cima disso eu expliquei toda a questão do autismo. As necessidades deles, por que alguns se comportam assim e outros não, por que alguns falam”, conta.
DIAGNÓSTICO
Quando Victor tinha 3 anos, a família foi chamada na escola pela professora, que abordou a possibilidade de ele ter autismo. Em alguns momentos, o menino não brincava com outras crianças e se dispersava, apesar de estar atento a tudo o que acontecia ao seu redor. Entre testes, exames e consultas em especialistas, a palavra final veio e marcou para sempre a mãe. “Quando sua criança vem ao mundo, você cria expectativas, sonha com ela trabalhando, com tudo o que ela pode ser na vida, e o autismo te tira tudo isso”, recorda.
Entre passar o momento do “luto” e a família pôr em prática o que ouvia dos especialistas, sobre viver um dia de cada vez, Victor Hugo e Yanara passaram por episódios de cortar o coração, como quando uma das escolas por onde ele passou pediu para que Victor Hugo não fosse mais aos passeios com a turma.
Em 2017, ele ingressou no Geraldo Castelo por opção dos pais, que estavam cansados de vê-lo segregado. Na escola em que o filho está agora, a mãe sabe de cabeça quantas crianças autistas estudam, 25. “O olhar é completamente diferente, o Victor Hugo não é o aluno da professora de apoio, ele é o aluno da sala”, frisa.
DIA A DIA
A inclusão verdadeira ou mais próxima da ideal é o que mãe sonha vivenciar, tanto na escola como na sociedade em geral. “Eu preciso que ele esteja inserido, preciso que entendam que, quando eu estou dentro do mercado e pego a fila preferencial, é porque ele necessita estar ali”, relata.
Se o tempo em uma fila, por exemplo, for muito, o menino pode apresentar um comportamento “inadequado” nas palavras da mãe e que vão terminar em julgamentos. “Fico como a mãe que não dá limites e ele como a criança mal-educada”, descreve.
NA SALA
Com as crianças, foi isso que Yanara abordou, deixando os termos complicados para trás e falando sobre comportamentos que todo mundo conhece: quando alguém balança as pernas, rói as unhas ou mexe no cabelo.
“Isso são esterotipias, quando a gente balança a perna, é porque estamos nervosos, e eles podem girar, bater as mãos, correr de um lado para o outro, porque o cérebro de um autista funciona constantemente, desde a hora em que ele acorda até a hora em que ele dorme. Ele se sobrecarrega e precisa de esterotipia para se autorregular”, explica a mãe. O nome pode até ser difícil, mas o que ele significa as crianças já viram: balançar as mãos, girar e correr de um lado para o outro.
A reação dos pequenos foi a mais genuína possível. A todo momento, eles levantavam as mãozinhas com dúvidas. “Eles perguntaram se ele tinha animal de estimação, qual era a comida preferida dele, por que o símbolo do autismo era o quebra-cabeças, se ele tinha irmãos. Foram perguntas direcionadas para quem ele era e como poderiam ajudá-lo”, se emociona.
Victor Hugo fala e conversa, não só repete perguntas que ouve e trechos de falas de desenhos animados, por exemplo, mas ainda não se vê como autista. E ficou presente a todo momento na sala.
Para explicar como as crianças poderiam ficar amigas dos dois, Yanara foi perguntando o que cada um dos alunos gostava de fazer e dizendo que, assim como a garotada se divide entre cantar e jogar futebol, Victor Hugo é apaixonado por “Super Mario” e pela “Turma da Mônica”. “Estes são os interesses dele, e a gente pode fazer com que todas as crianças se interessem e trazer de alguma forma o interesse da turma para ele também”, acredita a mãe.
Esta também não deixa de ser uma forma de Yanara evitar o que pode acontecer. Quando os autistas se percebem dentro do diagnóstico, muitas vezes, é porque eles foram “xingados” pelos colegas. “Pode acontecer de uma criança chegar para a mãe e perguntar: ‘Mamãe, o fulano me chamou de autista e riu de mim’. E aí você tem que sentar e conversar”. A conversa ainda não aconteceu na casa da família e a orientação que Yanara segue é que é preciso que o próprio Victor Hugo se perceba e chegue até os pais.
“No fim da palestra, depois que eu li o livro, foi muito bacana a resposta das crianças. Todos se aglomeravam em volta, porque queriam ficar mais próximos tanto do Victor Hugo quanto do coleguinha deles”, diz.
Além da foto, as crianças receberam um convite. “Eu abri a minha casa para eles, caso algum pai tenha interesse em trazê-los, propus também um piquenique e eles supertoparam”.
(Por Paula Macieulevicius, do Correio do Estado)