Fotos do ex-marido mostram o medo diante dos efeitos da 1ª quimioterapia
Da força que recebe lendo a história de outras pessoas que Gislayne Fátima Barros, de 40 anos, decidiu compartilhara experiência vivida diante de um diagnóstico assustador e dolorido: o linfoma Hodgkin, um tipo de câncer que atinge o sistema linfático. Na metade do tratamento, a professora fala dos medos, da fé em Deus e despedida emocionante dos cabelos.
A reportagem chegou a história de Gislayne a partir de fotos publicadas pelo ex-marido, o fotógrafo Kleber Alves de Moraes, de 38 anos. As imagens mostram muito mais que um corte de cabelo e expõem o misto de dor e libertação ao assumir a todos que algo realmente está diferente.
Gislayne conta que ao longo da vida, os hemogramas realizados sempre apontaram a presença da anemia em seu sangue. Acompanhando rotineiramente, a professora vivia de alguma forma à sombra de uma possível leucemia.
Os primeiros sintomas do linfoma Hodgkin surgiram em janeiro, deste ano, durante as férias escolares. Fraqueza, bolinhas pelo corpo e muita dor de cabeça, em princípio, foram confundidas com estresse da profissão. Dias depois, enquanto tomava tereré na casa de uma amiga, sentiu a presença de um nódulo ao passar as mãos pelo pescoço. A amiga olhou e concordou que algo estava diferente.
“Eu tinha passado pela ginecologista e teria de voltar para levar os resultados dos exames. Mesmo não sendo especialista, a médica olhou e também achou estranho. Ela pediu um ultrassom e me encaminhou para um endocrinologista achando que se tratava da tireoide. No especialista, os exames relacionados aos hormônios estavam normais e, então, ele disse que não queria me assustar, mas que me encaminharia ao hematologista ou oncologista. Naquele momento já fiquei desesperada” conta.
s aulas já estavam para retornar, em fevereiro, quando Gislayne ligou para seu pai. “Como somos evangélicos, ele orou comigo e ao fim disse que o que tivesse de ser seria”, conta.
Logo de início, o plano de Gislayne que só conta com um médico só teria vaga para março, mas a partir de uma amiga conseguiu um oncologista para o dia seguinte. Na manhã da consulta, o médico já pediu uma punção para o período da tarde e com algumas perguntas do especialista, a professora teve a certeza que estava doente.
“Ele começou a fazer perguntas do tipo: você é casada? Ou seja, terá alguém para cuidar. Meu plano é o Santa Casa Saúde, acho que ele entendeu que eu tinha ido até ele pela Santa Casa e me disse que precisaria de um plano”, lembra Gislayne.
Uma ligação no dia seguinte informando que a punção seria levada para São Paulo foi outro choque em Gislayne. Foram mais dez dias até o retorno com o diagnóstico. “Chamei a amiga que tinha me ajudado a conseguir a consulta com o oncologista para me acompanhar. Fui diagnosticada com linfoma Hodgkin, que atinge o sistema linfático, no meu caso no pescoço”, lembra.
Como esse tipo do câncer afeta a imunidade, antes de iniciar a quimioterapia, Gislayne teria de passar por um último exame, para descartar a presença em outro órgão, por exemplo, intestino ou pulmão. A professora estava na carência do plano e precisou entrar na justiça para liberação do procedimento.
“Eu consegui, porque em casos de câncer não se trata de uma doença pré-existente. Nesse exame, você recebe uma dose de radiação e os focos cancerígenos acendem como uma árvore de natal. Se o câncer estivesse em outros órgãos e eu iniciasse o tratamento poderia ter metástase. Demorou dez dias para eu começar, mas em uma semana o nódulo cresceu 9 centímetros”, explica.
A primeira quimioterapia – No dia 2 de abril, Gislayne iniciava a luta contra a doença em um procedimento demorado, assustador e dolorido. Atualmente, a professora acaba de passar pela oitava quimioterapia e o encerramento do quarto ciclo, a professora terá de completar 16 sessões.
“Eu achava que a quimioterapia era uma medicação e acho que muitas pessoas acham isso também, mas eu fico oito horas tomando várias medicações e soro em intervalos de 30 minutos. Uma das minhas melhores amigas foi quem me acompanhou na primeira sessão. Foi horrível. Quando a medicação entra no braço, parecem cacos de vidros”, conta.
A professora é a primeira da família a ser diagnosticada com câncer e tem vivido na pele o que antes só via em filmes. “É muito difícil. A gente só vê nos filmes. Meu pai tem nove irmãos e minha mãe 17. Eu sou a primeira a ser diagnosticada com câncer. Um diagnóstico como esse, você só imagina longe de você. E eu digo a vocês, a minha primeira sensação foi de morte”, conta.
O linfoma que atinge Gislayne tem 99% de cura e, segundo o médico que faz seu acompanhamento, o corpo está respondendo muito bem ao tratamento. Emocionada, ela reafirma sua fé em Deus e mantém o pensamento nas pessoas que já venceram a doença.
Aos 17 anos, o sonho de Victhoria Barros Domingos, filha de Gislayne, é ser médica. A adolescente conta que devido a correria dos estudos e ânsia em passar em uma faculdade, mesmo após o diagnóstico da mãe, a ficha ainda não tinha caído.
“Assim que chegaram as férias e fiquei mais dias em casa eu comecei a sentir. Sempre fico preocupada entre estudar ou dar atenção para minha mãe, porque como quero fazer medicina e é uma faculdade que exige muito. Mas nesse momento minha mãe é prioridade. Estudar a gente estuda depois, o que importa para mim esse ano é ficar com ela e cuidar dela”, disse.
“A Victhoria é minha força, assim como os filhos são para as mães. Mas agora eu quero mais ainda, porque quero vê-la realizando os sonhos, quero acompanha-la, quero voltar a ser aquela mãe forte que ela sempre teve, cuidar dela, porque agora é ela quem me cuida, com as roupas ou com um prato de comida. Quero vencer por mim, mas também por ela”, completa Gislayne.
Em meio a explosão de acontecimentos, Nutella que é outra companheira de Gislayne, parece sentir tudo. A cadelinha chegou a ficar sem comer por dois dias, ao ver presenciar o sofrimento da dona.
Próxima parada? Morro do Ernesto! A professora acredita que tudo na vida é para uma aprendizagem, apesar de tudo, se sente grata. Ela garante que nos últimos seis meses, melhorou como ser humano, e que a próxima parada é para levantar a placa da cura a 1.200 metros de altitude, no Morro do Ernesto.
“Melhorei na forma de olhar o mundo, hoje vejo com outros olhos. Eu era muito metódica, organizada, quadrada e agora eu vejo que nada está nas nossas mãos. Ao mesmo tempo é assustador é libertador, porque você entrega cada dia. Você vive cada momento. A vida é um sopro e se eu pudesse dar um conselho, diria a todos para amar as pessoas, viver hoje, porque quando estamos numa situação como a minha, só pensamos no que poderíamos ter feito. Eu vivia marcando para ir ao Morro do Ernesto e agora eu não posso ir para não aguento. O primeiro passeio que eu quero fazer quando tiver meu laudo de cura vai ser subir no morro e colocar “eu venci”. Minha filha foi esses dias e como eu me arrependo de não ter ido”, conta.
Os cabelos de Gislayne começaram a cair desde a primeira quimioterapia, no entanto, de forma moderada. A partir da segunda sessão, Gislayne fez o primeiro corte.
“Meu cabelo era médio e na segunda sessão cortei um pouco menor. O mais dolorido de tudo isso é ver ele indo todos os dias. Ver o box ficar preto de cabelo, você encosta no sofá ou deita na cama e parece que fez depilação. Então fui cortando aos poucos, cortei a segunda vez um pouco mais curto até que as falhas passaram a me incomodar”, lembra Gislayne.
E foi com a decisão de se despedir de vez dos cabelos, que Gislayne entendeu o porquê era tão difícil e lembrou do que o médico havia dito: cortar os cabelos é assumir para todos que realmente algo está diferente. “Isso mexe muito. Eu me apeguei ao cabelo, porque todos me viam e diziam que eu estava bem. Com o cabelo eu me sentia sã. As pessoas falavam, “ah Gi, é só um cabelo!” e eu respondia “é porque não é o seu””, conta.
A despedida – A professora revela que no momento do corte, você é despido da vaidade e assume a todos a doença. Segundo ela, não vai só o cabelo, mas sua identidade. “Tem gente que para não sofrer já raspa o cabelo no início. Mas representa muita coisa. Naquele dia eu tinha ido à psicóloga e dito que iria raspar os cabelos. Liguei para o Kleber e ele me encontrou na barbeadria. Para mim parece que tudo que eu tinha segurado nos meses anteriores, eu fui derramando. Eu fui sendo lavada. E quando eu olhei no espelho e reconheci meu sorriso, não tinha s cabelos, mas eu me senti liberta. Foi como se eu tivesse tirado um peso das minhas costas. Porque agora, os fios caindo não me lembram toda hora que eu estou doente. Foi diferente, foi dolorido, claro, mas digo que foi uma libertação”, finaliza.
Fase crítica – Depois da última quimio, Gislayne teve trombose. Com muitas dores diariamente, ela tem ciência de que possa enfrentar situações piores, mas acredita que essa seja a fase crítica da doença.
“Minha fé é tudo para mim. Porque se não fosse Deus, eu já teria enlouquecido. Nessa semana mesmo eu tive trombose, por causa, da quimio, então venho sentindo muitas dores. Esses momentos fazem a gente fraquejar, então essa semana estou bem abalada. Eu sei que podem vir situações piores, pois faltam oito sessões, mas como atinge minha imunidade, eu fico muito fraca. Essa semana fui furada em muitas lugares, porque minhas veias não saem sangue e por risco de infecção em outros lugares, terei de continuar com a quimio venosa”, explica.
No Facebook, as fotos publicadas por Kleber foram acompanhadas de uma legenda. No texto, ele fala da “Pequena grande mulher” que está enfrentando tudo com força, coragem e determinação. Ele conta que mesmo após a separação de um casamento de 11 anos, continuaram amigos e sempre se ajudaram.
“Fui convidado para fotografar o corte de cabelo, onde em meio a lágrimas e mãos tremulas, registrei alguns momentos”, escreveu.
Separados há três anos, Kleber conta que os dois nunca perderam contato. Ele revela que há anos enfrenta a depressão e que chegou a ficar acamado por conta da doença. No período difícil, foi Gislayne quem o ajudou, mesmo não estando juntos.
“Ela me ajudou até eu me restabelecer. Como já permeava essa possibilidade dela ter câncer, quando aconteceu o diagnóstico, não que eu tenha me sentido na obrigação de ajuda-la, mas não tinha como eu deixá-la sozinha. Sobre as fotos eu já tinha pensado em fazer algum ensaio, mas ela não queria. Mas no corte desta vez, ela disse que eu poderia fotografar. Foi emocionante para todos, desde a Gislayne que chorava muito, eu fotografando e cabeleireira. As fotos renderam mais de mil curtidas em um grupo de fotografia. Eu até disse para ela ler os comentários de incentivo, porque realmente ganhou uma proporção que eu não imaginava”, conta.
Gislayne ressalta que os amigos e família ajudam muito, mas que as finanças, com certeza, se tornam uma preocupação a mais. Ela atuava como professora, mas por não ser concursada foi afastada com meio período. O plano de saúde, o preço das medicações, exames e gastos extras que surgem, desestabilizaram as finanças. “Eu jamais mediria a dor de outra pessoa. Mas posso dizer que quando se enfrenta uma doença como essa, com dinheiro, o financeiro é um problema a menos”, frisa.
Ela conta que se conseguisse o tratamento peloSUS (Sistema único de Saúde), os gastos seriam menores, mas que apesar de tudo é grata, por ter um plano, pois não sabe o que poderia acontecer caso dependesse da saúde pública.
Na mesma época que entrou na Justiça para conseguir realizar o último exame, antes do diagnóstico definitivo, Gislayne entrou com pedido de tratamento pelo SUS. O problema é que até hoje espera atendimento pela lista do Sisreg.
“Eles não gastariam nada comigo. O que mais me choca no SUS é que eu não fui lá para ser diagnosticada. Eu já fui pronta só para receber o tratamento. Eu já estava com o pedido de oito ciclos de 16 aplicações de quimio e até hoje nada. Então, apesar de ser caro, sou muito grata a Deus pelo plano”, conta.
Para conseguir manter o tratamento e as medicações necessárias, Gislayne vai abrir uma Vaquinha Online. Mas quem quiser ajudá-la de alguma forma pode entrar em contato pelo (067) 99211-7993.
(Por Danielle Valentim, do Campograndenews)