Gicelma Chacarosqui escreve: A destinação de tudo é o acaso?
Gicelma Chacarosqui *
Há sentido na vida? Há destino? Há direção pré-estabelecida? Ou a destinação de tudo é o acaso? Não se faz música com sons a esmo, nem mesmo com tons de descaso jogados ao vento, ao acaso, à ondulação. É assim para a música, para o futebol, para a política e para o amor.
Biafra, o pequeno e poderoso Biafra, cantou seu Sonho de Ícaro no Fantástico dos anos 80 e conquistou fãs por todo Brasil. Sim, os brasileiros cantaram, inclusive do banheiro, de cor e salto alto. Voar voar/Subir subir/Ir por onde for/Descer até o céu cair/Ou mudar de cor/Anjos de gás/Asas de ilusão/E um sonho audaz feito um balão...
Hoje o Brasil canta coisas parecidas através do samba, do rock, do rap, do funk, do techno, do pop, sertanejo e de outros ritmos mestiços. E eu me pergunto: alguém algum se preocupou em saber quem foi Ícaro?
Ah, eu sim, quando dançava de rosto colado nos bailes da região do vale do Ivinhema, eu fechava os olhos e sonhava com Ícaro. Meus pares de dança nunca imaginaram que meus suspiros, não eram por eles e sim pela música e por ÍCARO.
Assim é o Brasil, assim é o brasileiro. Ele acredita no que quer, impulsionado por sonhos de outros, por fakes News, por suspiros vãos, por lágrimas falsas. É válido? O que não é válido no Brasil em termos de sonhos? “Som sobre som/Bem mais, bem mais”, cantava Biafra. “Você é luz”, cantava o Vando. E continuamos cantando todos. Todos que querem, que sonham com amor, amor de
Ícaro, que “te ame no sim, nunca no não”. Que não precisemos fugir para ser feliz e nem precisemos mudar do nosso país. Que mudemos o País.
E o Brasileiro entra 2022 sonhando, que a Gasolina vai cair de preço, que o presidente não é corrupto e insano, que a Pandemia acabou. Sonha com o melhor e se deixa levar. E acredita, e assim comparecerá às urnas…
Meu Deus, quando foi que deixamos de descrer em utopias? Quando Ícaro Caiu?
No Brasil a gente “voa pelo pensamento”, pois “amar não é brinquedo”, não. E nós beletristas, ou apenas curiosos, que sabemos quem é o Ïcaro mitológico, também queremos amar e ser felizes, com a diferença que temos não só esse desejo, temos outros inúmeros. “Aguenta coração” pensamos nós, não só o José Augusto. Não tem mais salvação? Esse ano é de eleição. Não tem mais saída? Mas nós vamos votar? Vamos acertar dessa vez? O Lula vai voltar? Ele será a salvação? Temos medo? Quem era o “anjo azul? Quem foi Ícaro? Qual foi nosso pecado?
Quem sabe?
Podemos não acreditar no Pecado? Talvez esse tenha sido o meu pecado e o de muita gente. E não tivemos e não temos medo de ser felizes. Dançamos, na década de oitenta, hoje e dançaremos sempre. Saudades da década de 80, pelo popular dance e pelo Rock Brasil que conclamava: “Que país é este’? ‘Alagados’, “não me convidaram para esta festa pobre”, em que “bebida é agua, comida é pasto”. Você tem sede de que? Relembramos nossa MPB consagrada e perguntamos ‘Quem é”? “O que os homens armaram para me convencer”? Quem é ÍCARO?
E nós Beletristas curiosos e críticos perguntamos; “Quem é você”? Quem é você que nos deixou a deriva? Porquê? Porque já sabíamos que era Ícaro desde sempre, inclusive desde a década de 80, e antes dela. Nós somos os que dançam, os que suspiram e choram muito mais que os outros, pois sabíamos e sabemos que nossos representantes políticos, não foram e não são ÍCAROS.
Pois amigos, “não deixem tudo acabar assim”, é a vida do brasileiro, que não tem graça sem amor, política ou futebol: “a vida não tem graça sem você”. O Jerry Adriane se perpetuou e os sertanejos cantam isso todo dia. E nós desencantados com nossas instituições de poder, com nossos representantes políticos, dançamos a indiferença, que nossos poetas cantam. Mas como todo brasileiro queremos “beijar na boca” como Mauricio Reis, ‘Beber cerveja” com Zezé de Camargo e Luciano, vinho, uma boa cachaça e acreditar. ACREDITAR, acreditar e votar.
Mas, pera ai, e o ÍCARO? “Voar, voar, subir, subir, por onde for. Descer até o céu cair, ou mudar de cor. Anjos de gás, asas da ilusão, em um sonho audaz feito um balão” Ainda não é a mitologia só a música do Pachoal, cantada pelo Biafra, ou o Adilson Ramos em Sonhar contigo.
Como “o que sai de mim vem do prazer” de ler, é de minhas leituras que tiro agora a história mitológica de ÍCARO, compare-a com o Brasil, com o Mato Grosso do Sul, com a última copa do Mundo, ou quem sabe com a sua história de vida: Dédalo era o melhor e mais conhecido dos artesões e inventores da antiguidade. Quem desejava algo valioso vinha primeiro à sua oficina em Atenas. Dédalo tinha um sobrinho, Talos, filho de sua irmã, Policasta. Ele aceitou Talos como aprendiz, e o garoto, apesar de ter só doze anos, logo mostrou sinais de ser mais esperto que seu Mestre. Foi Talos o inventor do primeiro serrote, da roda de oleiro e imaginou o primeiro compasso.
A Reputação de Talos se espalhou e as pessoas começaram a trazer seus problemas mais complicados para o garoto, e não para seu Mestre. Consumido de ciúmes. Dédalo atraiu o garoto até o topo do templo de Atenas e o empurrou para a morte. A mãe de Talos, Policasta, suicidou-se de tristeza, e Dédalo, juntamente com seu filho Ícaro: um garoto vaidoso, e nada esperto- foram banidos de Atenas. Acabaram indo para ilha de Creta e lá colocaram suas habilidades a serviço do rei MINOS. Mas perderam o favor do Rei, quando Teseu matou o minotauro e conseguiu escapar do Labirinto. Supostamente foi Dédalo que tinha construído o abrigo do monstro que deveria ser a prova de fuga. Furioso, o rei Minos jogou Dédalo e seu filho na prisão. No cárcere, Dédalo estudava uma forma de escapar e, o filho vaidoso apenas cuidava de si.
Certo dia Dédalo acordou com um plano audacioso. Construiu dois pares de asas, tecendo-as com penas e juntando-as com cera. Quando as asas ficaram prontas, levou Ícaro a um canto explicou que não podia voar perto do sol ou do mar. Pediu para manter um curso médio. Estava crente que as asas os levariam do cativeiro.
Os dois levantaram voo a partir de um rochedo alto e seguiram para o horizonte. Por muitos quilômetros o jovem seguiu o pai, mas sentindo-se jovem, forte, bonito, e despreocupado, iluminado, e desfrutando da liberdade e do vento, começou a subir para o céu, livre como um pássaro. Quando Dédalo deu conta não podia mais vê-lo. Gritou, Ícaro, Ícaro e nada, não obteve reposta. No mar lá embaixo as ondas já retumbavam um punhado de penas que flutuavam nas ondas e marcavam o ponto aonde Ícaro caíra. Voando demais perto do sol, a cera que unia as asas derretera e, o restante podemos imaginar.
Pois é, perceberam? “O que faz de mim ser o que sou’? Voar com o coração não me faz mudar meu país, nem mesmo vestir azul. Sou sentimental, queria poder vestir o verde-amarelo, mas ultimamente não consigo nem olhar, pois sabemos o que semióticamente anda representando: Repetir o amor não me satisfaz, porque a vida passa e eu tenho compromissos. E se não tivesse? Não interessa. O que interessa?
Interessa? O que? Interessa o acordo do invisível jogo de poder. Que leva o orçamento das eleições ser maior que o da Educação, que o da Saúde. E esse jogo, pode ser mudado, pode ser ganho nas urnas? Para isso precisamos ganhar o processo midiático, ser mais forte que as fakes News…. É por isso que tem muita gente sem dormir, muita gente tentando se superar através das mídias e, muitos outros beijando na boca, e outros, ainda, calando muitas bocas. Sonhar?
Sonhar? Sim!!!! No fundo no fundo fazemos amor, dançamos forró, funck, samba, rock, polca, tango, chamamé, o que “vié”, torcemos pelo time do coração, e ainda acreditamos que o Brasil tem solução. Apesar dos pesares, “porque meu partido é um coração partido”. Por isso eu digo: pense na historinha de Ícaro, retome a música do Biafra e: Sorria, sorria…, quem ri por último ou rirá atrasado, ou rirá melhor. E isso será por acaso?
* A autora é Pós-Doutorada pela Universidade Federal do Mato Grosso, UFMT, Programa de Pós-Graduação em Estudos de Culturas Contemporâneas. PPGECCO/ UFMT (2020). Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008), PUC/SP. Graduação em Letras, UFMS (1992). Professora Adjunta III na Universidade Federal da Grande Dourados Faculdade de Comunicação Artes e Letras (FACALE) e do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFGD, área de Linguística e Transculturalidade. Foi Coordenadora de Cultura (2015/2019) e atualmente é Pró-reitora de Extensão e Cultura da UFGD.