Jovens não adotados vivem drama quando fazem 18 anos e precisam deixar abrigos
O drama das crianças órfãs e abandonadas que não conseguem ser adotadas pode ganhar contornos mais tristes ainda quando elas atingem a maioridade vivendo nos abrigos e instituições. O presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), senador Paulo Paim (PT-RS), avalia que, em grande parte, essa condição acaba sendo causada pelo próprio Estado, na lentidão para finalizar a burocracia que libera a criança para a adoção: busca por familiares que queiram ficar com as crianças, perda do poder familiar, liberação dos documentos.
Estima-se que, anualmente, cerca de 3 mil jovens egressos de abrigos atinjam a maioridade sem que encontrem uma família que os acolha. Por isso, é o próprio Estado que deve ajudar na socialização desses cidadãos recém-saídos da adolescência e que não têm apoio, avalia o senador.
— A realidade para esses jovens é dura. Passam por diversas crises emocionais, por insegurança frente ao futuro e por nunca terem sido adotados. Toda assistência ainda é pouca diante dos desafios que enfrentam. Precisam de educação profissionalizante que os prepare para a vida e de um emprego após sua saída dos abrigos. Geralmente eles são encaminhados para uma república ou lar que tenha jovens dividindo o mesmo espaço. Muitas vezes são jogados no mundo sem ter para onde ir. Precisam de apoio de psicólogos e assistentes sociais, durante e depois da saída do abrigo, para que se tornem independentes econômica e emocionalmente — defendeu Paim.
Motivado pelos questionamentos da Agência Senado sobre adoção e o futuro dos jovens das instituições que são obrigados a deixá-las aos 18 anos, e preocupado com a tragédia social que a covid-19 está causando — elevando o número de órfãos no país —, Paim apresentou no dia 11 de maio um projeto (PL 2.528/2020) com várias iniciativas para auxiliar esses desamparados.
Uma das principais ações previstas no texto é que os abrigos e instituições de acolhimento adotem como princípio a preparação gradativa dos adolescentes órfãos para o desligamento, com ensino profissionalizante e educação profissional técnica de nível médio. Esses lares deverão assegurar aos adolescentes de 14 a 18 anos a preparação e o acesso ao mercado de trabalho, por meio de programas de aprendizagem e cursos técnicos profissionalizantes — diretamente ou por convênio com as entidades de aprendizagem profissional do Sistema S, entidades filantrópicas de caráter educacional ou organizações da sociedade civil — e estágios supervisionados.
O texto diz que os órfãos egressos de instituições de acolhimento familiar a partir de 18 anos terão prioridade no acesso aos programas e projetos públicos de financiamento estudantil e acesso ao primeiro emprego. Também terão prioridade no preenchimento de vagas de estágio supervisionado em órgãos e entidades do governo e nas empresas que prestam serviços ao governo. O projeto garante ainda acesso prioritário aos benefícios do Projovem (auxílio pago pelo governo aos jovens que não tenham concluído o ensino fundamental), que também deverá ser reajustado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 2008 até o ano em que o projeto for aprovado, saindo dos atuais R$ 100 para cerca de R$ 190, segundo cálculos do senador.
Além disso, a proposta diz que os serviços sociais de aprendizagem do Sistema S deverão destinar anualmente pelo menos 5% das vagas gratuitas em cursos profissionalizantes a adolescentes órfãos de 14 a 18 anos, indicados pelas instituições de acolhimento, para formá-los e prepará-los para o mercado de trabalho.
— Gosto de lembrar que, mesmo com pai e mãe e mais dez irmãos, minha vida mudou depois que eu fiz um curso técnico. Por isso, propus um projeto para que o Estado, em parceria com o Sistema S, garantam curso técnico e profissionalizante aos jovens em casas de apoio, para que tenham a possibilidade de sair da proteção do Estado, com uma profissão e um emprego ou estágio garantidos. Infelizmente, a pós-pandemia deixará marcas cruéis na sociedade, e tudo indica que muitas crianças e adolescentes poderão perder seus entes queridos. É preciso que o Estado tenha compromisso e políticas públicas de acolhimento a esses meninos e meninas — afirmou o senador.
Hoje, das quase 34 mil crianças abrigadas, 6,5 mil têm de 12 a 15 anos, e 979 estão prontas para a adoção. Acima de 15 anos são 9,3 mil em instituições, sendo que 982 estão com a documentação liberada para serem adotadas.
Repúblicas
Aguardam análise dos parlamentares outras propostas que auxiliam os jovens abrigados que chegam aos 18 sem conseguir uma nova família. Uma delas é o PLS 507/2018, que cria a Política de Atendimento ao Jovem Desligado de Instituições de Acolhimento, um serviço de apoio para organizar moradias, nos moldes das conhecidas repúblicas de estudantes universitários, destinadas a jovens de 18 a 21 anos que precisaram deixar o serviço de acolhimento de adolescentes e que estejam em situação de vulnerabilidade.
De acordo com o projeto, elaborado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-Tratos, que encerrou seu trabalho em 2018, essas repúblicas deverão acolher, separadamente, os jovens do sexo masculino e feminino acima de 18 anos impossibilitados de retornar à família de origem ou de serem acolhidos por família substituta. Também vão abrigar aqueles sem condições de prover seu próprio sustento.
As repúblicas serão localizadas em áreas residenciais, seguindo o padrão socioeconômico da comunidade em que estiverem inseridas. O esquema de funcionamento da casa deverá buscar a construção da autonomia pessoal dos jovens, com o desenvolvimento da autogestão, autossustentação e independência. A permanência na república será por prazo limitado, que pode ser ampliado em função da necessidade específica de cada jovem. O texto também determina o incentivo à participação em atividades culturais, artísticas, esportivas, de aceleração de aprendizagem e cursos profissionalizante para a inserção no mercado de trabalho.
— Fundamental é entendermos que os jovens e adolescentes não podem simplesmente ser colocados “da porta para fora” das instituições de acolhimento, especialmente se estão em situação de vulnerabilidade ou correm riscos, se não mais possuem uma família em condições de acolhê-los e se não possuem meios de prover o próprio sustento — disse o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), quando a proposta foi aprovada na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), em dezembro de 2019.
O texto agora aguarda análise de Paulo Paim, relator na CDH.
Militares
Outro texto em pauta é o PL 557/2019, que estabelece prioridade aos jovens de abrigos e instituições de acolhimento na seleção para o serviço militar. Nas Forças Armadas, além de receberem um soldo, os jovens têm a chance de aprender um ofício.
“Há um vazio em nosso sistema de proteção social no que se refere à pessoa egressa das instituições de acolhimento. Após o jovem completar 18 anos, não há um robusto sistema que lhes permita transitar daquela situação de tutela estatal para o livre exercício da vida adulta, que acarreta, inclusive, a responsabilidade pelo próprio sustento”, avalia o autor da proposta, senador Eduardo Girão (Podemos-CE).
O texto é relatado pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) e aguarda análise da Comissão de Relações Exteriores (CRE).
(Fonte: Agência Senado)