Leilão de gado em ‘ilha’ de Lira no interior de Alagoas reúne ministros de Lula e Bolsonaro
Enquanto acontece o 2º Leilão Nelore Lira, na fazenda Santa Maria, localizada no município de São Sebastião (AL), a 127 km de distância da capital Maceió, os comércios se fecham.
O sábado (7) é dia de feira, mas às 12h já há poucas pessoas na rua e as barracas se desfazem na cidade de cerca de 32 mil habitantes onde fica a propriedade do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (ao centro na foto. abrindo leilão).
Os carros de luxo, em sua maioria camionetes, não precisam passar pela área urbana para chegar ao destino. Caminhões também aparecem, enquanto alguns trabalhadores chegam em suas motos.
Na BR-101, uma longa estrada de barro separa a fazenda de Lira do resto do mundo. Nem sequer é possível vê-la, somente as miniaturas dos carros até que se percam.
É esse caminho que percorrem os convidados para o leilão que, segundo Lira relata em discurso no evento, vêm de Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais, Distrito Federal, Paraíba, Bahia, Tocantins e “de todos os lugares do Brasil”.
Entre eles estão o ministro dos Esportes, André Fufuca, e o senador Ciro Nogueira, ex-ministro do governo Jair Bolsonaro, todos correligionários de Lira no PP e anunciados ao microfone.
“Muita genética, muito produto de qualidade, touros avaliados, touros testados, um grande grau de excelência”, afirma Lira em trecho do material de divulgação.
Para além do vídeo nas redes sociais, em que o próprio Lira aparece divulgando o evento, não há muito burburinho. A vida segue normal, a não ser por algumas placas sinalizadas que indicam o caminho para a fazenda.
As pessoas também sabem onde ela fica, mas não pelo seu nome oficial –Santa Maria. Um homem não sabe responder e diz que não conhece. Questionado, então, pela “fazenda do deputado Arthur Lira”, o cidadão ativa a memória e passa a explicar o caminho.
Uma frentista que prefere falar sob anonimato se limita a dizer que teve conhecimento da realização do leilão, mas considera que o evento não muda nada na rotina local, a não ser pelo deslocamento de prefeitos e outros políticos do entorno chamados a comparecer.
A Folha tentou acesso ao evento, mas não passou do primeiro portão. Segundo uma cerimonialista, apesar do convite público, aquele evento possuía uma lista de nomes e somente autorizados poderiam entrar. A assessoria de imprensa do deputado afirmou o mesmo.
Pelas redes sociais, o evento mostrou grande estrutura, com bebidas alcoólicas, bufê e churrasco de fogo de chão, além de um largo espaço com mesas e cadeiras cobertas por uma tenda para os convidados. A festa de encerramento ficou a cargo da cantora Bizay, chamada por Lira de “nova Marília Mendonça”.
Ao encerrar o evento, que durou cerca de quatro horas, o presidente da Câmara disse que integra o agronegócio “com o coração”.
“Aqui não tem conversa mole. Aqui é agilidade, gado bom, boa conversa, bons amigos. Todo mundo atento. A gente faz política, mas o [gado] nelore, o agronegócio, a gente faz com o coração. É aqui nessa fazenda que a gente vai ficar velhinho, criando nelore e recebendo os amigos”, disse Lira.
Dos 297 animais à venda, 293 (46 machos, 15 fêmeas e 232 bezerros) pertenciam à Lira Agropecuária, de propriedade do presidente da Câmara. Ele arrecadou R$ 146,8 mil com as vendas –sem contar os R$ 6.500 obtidos com uma vaca e doados para uma entidade que atende mães de crianças com microcefalia.
O patrimônio total da empresa com gado é desconhecido. O rebanho do deputado não apareceu nas declarações de bens que ele apresentou à Justiça Eleitoral nos últimos pleitos.
Em 2015, em depoimento em inquérito derivado da Lava Jato, Lira afirmou ter posse de 690 cabeças de gado. A última vez que o gado constou especificamente em sua declaração eleitoral de bens, porém, foi em 2006, quando disse possuir 240 animais.
A fazenda Santa Maria consta na declaração de bens de Lira. Ele informou ser dono de metade da propriedade, avaliada em R$ 104 mil.
Lira informou neste pleito possuir um total de R$ 5,965 milhões em bens, um acréscimo de 170% sobre o declarado há quatro anos (R$ 2,2 milhões, corrigidos pela inflação do período).
A declaração de bens entregue por ele no ano passado à Justiça Eleitoral deixou de listar, além de seu rebanho, direitos de posse que ele diz ter em uma fazenda em Pernambuco.
Entre suas propriedades listadas na documentação de candidatura estão seis fazendas no interior de Alagoas. Não consta na lista, porém, imóvel rural no município de Quipapá, em Pernambuco, pelo qual ele foi à Justiça argumentando ser o legítimo proprietário.
Conforme a Folha mostrou em agosto, essa propriedade, de 182 hectares, é alvo de disputa judicial do deputado com posseiros. O filho de um antigo morador do terreno, no qual funcionava uma usina de cana, pediu à Justiça o usucapião (direito sobre a propriedade devido à permanência prolongada).
A fazenda chegou a ser invadida por sem-terra em 2017 e já esteve na lista de desapropriação para reforma agrária do governo federal, mas a iniciativa acabou revista em 2016.
No ano passado, o deputado, por meio de sua assessoria, disse que adquiriu todo o seu patrimônio “dentro da normalidade, com recursos provenientes de quase 40 anos de trabalho e investimentos corretos”.
Também afirmou que em todo ano eleitoral surgem “acusações sem nexo, fatos já julgados em que se comprovou não haver irregularidades e notícias requentadas”.
(Por Josué Seixas e Ítalo Nogueir, da Folha de S. Paulo)