Pelo direito de cuidar, mãe de filho com deficiência se revolta com governo de MT

Solanyara Silva implora para que governador reveja conceitos sobre pessoas com deficiência, como seu filho – Fotos: Arquivo pessoal/reprodução

Seguindo o exemplo de outros estados e do governo federal, a Assembléia Legislativa de Mato Grosso aprovou um projeto que concede redução de jornada dos servidores que são pais ou responsáveis de pessoas com deficiência. O projeto, no entanto, encontra resistência  do governador Mauro Mendes, que tem usado a imprensa para criticar o projeto substitutivo aprovado na Assembleia que pode dar aos servidores estaduais que são pais e responsáveis por pessoas com deficiência a carga máxima de 20 horas semanais de trabalho.

A postura do governador tem revoltado quem vive essa realidade. Servidora há 17 anos na Secretaria Estadual de Saúde, Solanyara Silva (foto) é mãe de M.P.S.Q.N, de 14 anos de idade, que tem múltiplas deficiências,  afirmou ao site Minuto MT que repudia completamente as falas do gestor estadual, que tem feito uma narrativa como se a medida fosse um “privilégio descabido”, claramente tentando colocar a opinião pública contra o projeto, o que facilitaria seu veto.

“Infelizmente, o governador não é sensível à causa da pessoa com deficiência e tem nos prejudicado sobremaneira. São 700 servidores apenas nesta situação em um universo de 70 mil, ou seja, uma parcela ínfima que necessita desse direito garantido. O que solicitamos é sensibilidade, pois garantindo essa condição aos pais, você minimiza a chance de termos que pleitear uma vaga de UTI, de requisitar medicação de alto custo, fralda, sonda, além de alimentação enteral e parenteral. Ocorre que, para tudo isso, precisamos de tempo para cuidar, impedir que nossos filhos regridam e sobrecarreguem o sistema de saúde pública e social”, ilustra a servidora.

Histórico – O embate entre pais de pessoas com deficiência e o Governo de Mato Grosso não é novo. Em 2009, a própria Solanyara foi uma das pioneiras da luta e fez uma requisição da redução da carga horária e conseguiu, administrativamente, a chance de cuidar melhor do filho, naquele momento ainda com apenas um ano de idade. Mais à frente, a servidora teve de migrar a batalha para poder ter tempo hábil para cuidar do filho para os tribunais, momento em que passou a somar forças com outros servidores na mesma condição.

“É um direito que o servidor goza, mas quem é beneficiado, na verdade, é a pessoa com deficiência. Precisamos cuidar dos nossos filhos, estimula-los, levá-los às terapias, a própria alimentação precisa ser diferenciada. Essa redução da carga horária já é garantida pela Constituição, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e outros dispositivos legais, como o próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em outros estados e no Governo Federal isso já é pacificado”, explica.

No ano de 2012, os pais conseguiram ver aprovada no legislativo a emenda constitucional 070, dando a eles a garantia de redução de carga horária. Todavia, a iniciativa do legislativo foi enquadrada em vício de iniciativa pelo entendimento jurídico de que deveria ter tido como autora o Executivo. Em 2016, a lei complementar 607 também tratou do assunto, mas o então governador, Pedro Taques, também foi um opositor à medida, validando apenas 25% de redução e não os 50% ou 20 horas semanais máximas pleiteadas pelos pais de pessoas com deficiência.

O atual governador entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – Adin contra a medida, derrubando novamente o direito, e enviou à Assembleia Legislativa de Mato Grosso um projeto para estipular a redução em até 25% da carga horária dos servidores que tenham filho, cônjuge ou que seja filho único de genitor (a) dependente com deficiência. A frase “até 25%”, na visão dos pais, não garante sequer os 25%, o que na visão de todos já não serviria para suas tantas demandas. A partir disso procuraram os legisladores, que procederam com um projeto substitutivo, elevando a redução para um máximo de 20 horas semanais.

“O Governo (Mauro Mendes) fez um projeto de lei excludente, indecoroso do ponto de vista de direito da pessoa com deficiência. Procuramos o Legislativo e conseguimos encaminhar essa modificação e posterior aprovação, que foi uma vitória. Preferimos que dê vicio iniciativa (por ter partido do parlamento) porque, pelo menos, ganhamos tempo”, disse a servidora, reiterando que os termos do governador não atendem as necessidades.

Na imprensa, desde então, o governador tem demonstrado claramente que irá vetar a medida e não tem tido qualquer pudor de tratar o tema de enorme complexidade com uma frieza totalmente incompatível com a que precisa ter um gestor público, na visão da servidora. “O governador dizer que a “iniciativa privada” não é beneficiada com a mesma medida é um argumento absurdo, porque na iniciativa privada essas mães nem chegam a ter espaço, não há esse olhar. Já o Estado, como grande garantidor de direitos, precisa dar o exemplo. Outros estados estão dando o exemplo, bem como o Governo Federal e aqui em Mato Grosso não estamos”, finaliza.

Palavra do governador – Mendes, como sinalizou Solanyara, tem usado a narrativa de demonizar servidores públicos e seu estigma de ter “muitos benefícios” para ganhar apoio popular e poder impedir que entre em vigência a lei aprovada pelo legislativo. “Nós temos 3,5 milhões de habitantes no estado, alguém tem esse benefício? As pessoas da iniciativa privada, o cidadão da indústria, do comércio e que trabalha na agricultura, tem esse benefício? Não tem”, disse o governador em contato recente com jornalistas.

Enquanto a servidora vê o Poder Público com um instrumento de justiça social, inclusive por meio do seu funcionalismo, o governador reitera uma análise fria da situação. “O Estado não pode ser uma ilha, tão distante daquilo que é uma realidade da sociedade. Lamento, mas vou analisar com muito critério. Para enviar um projeto, a gente precisa estudar, olhar o impacto e ver se aquilo é correto e justo”, argumenta.

Mauro ainda mostrou irritação com a avaliação sobre a proposta inicial que enviou e, diferentemente do que disse a mãe, estudiosa do assunto, voltou a usar vagamente um comparativo de senso comum para descredibilizar a luta dos servidores estaduais. “Temos 95% dos mato-grossenses que não têm esse benefício de ter uma pessoa com deficiência e poder reduzir sua carga horária de trabalho. Nós temos que criar algo para os servidores sim e eu propus. Eu propus algo bom, mas eles querem algo ótimo, o bom parece que não serve. Ocorre que aí fora ninguém tem nada”, cravou o governador, sem especificar exatamente sobre o que comparava. (Fonte: MinutoMT)

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