Pelo direito de cuidar, mãe de filho com deficiência se revolta com governo de MT
Seguindo o exemplo de outros estados e do governo federal, a Assembléia Legislativa de Mato Grosso aprovou um projeto que concede redução de jornada dos servidores que são pais ou responsáveis de pessoas com deficiência. O projeto, no entanto, encontra resistência do governador Mauro Mendes, que tem usado a imprensa para criticar o projeto substitutivo aprovado na Assembleia que pode dar aos servidores estaduais que são pais e responsáveis por pessoas com deficiência a carga máxima de 20 horas semanais de trabalho.
“Infelizmente, o governador não é sensível à causa da pessoa com deficiência e tem nos prejudicado sobremaneira. São 700 servidores apenas nesta situação em um universo de 70 mil, ou seja, uma parcela ínfima que necessita desse direito garantido. O que solicitamos é sensibilidade, pois garantindo essa condição aos pais, você minimiza a chance de termos que pleitear uma vaga de UTI, de requisitar medicação de alto custo, fralda, sonda, além de alimentação enteral e parenteral. Ocorre que, para tudo isso, precisamos de tempo para cuidar, impedir que nossos filhos regridam e sobrecarreguem o sistema de saúde pública e social”, ilustra a servidora.
Histórico – O embate entre pais de pessoas com deficiência e o Governo de Mato Grosso não é novo. Em 2009, a própria Solanyara foi uma das pioneiras da luta e fez uma requisição da redução da carga horária e conseguiu, administrativamente, a chance de cuidar melhor do filho, naquele momento ainda com apenas um ano de idade. Mais à frente, a servidora teve de migrar a batalha para poder ter tempo hábil para cuidar do filho para os tribunais, momento em que passou a somar forças com outros servidores na mesma condição.
“É um direito que o servidor goza, mas quem é beneficiado, na verdade, é a pessoa com deficiência. Precisamos cuidar dos nossos filhos, estimula-los, levá-los às terapias, a própria alimentação precisa ser diferenciada. Essa redução da carga horária já é garantida pela Constituição, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e outros dispositivos legais, como o próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em outros estados e no Governo Federal isso já é pacificado”, explica.
No ano de 2012, os pais conseguiram ver aprovada no legislativo a emenda constitucional 070, dando a eles a garantia de redução de carga horária. Todavia, a iniciativa do legislativo foi enquadrada em vício de iniciativa pelo entendimento jurídico de que deveria ter tido como autora o Executivo. Em 2016, a lei complementar 607 também tratou do assunto, mas o então governador, Pedro Taques, também foi um opositor à medida, validando apenas 25% de redução e não os 50% ou 20 horas semanais máximas pleiteadas pelos pais de pessoas com deficiência.
O atual governador entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – Adin contra a medida, derrubando novamente o direito, e enviou à Assembleia Legislativa de Mato Grosso um projeto para estipular a redução em até 25% da carga horária dos servidores que tenham filho, cônjuge ou que seja filho único de genitor (a) dependente com deficiência. A frase “até 25%”, na visão dos pais, não garante sequer os 25%, o que na visão de todos já não serviria para suas tantas demandas. A partir disso procuraram os legisladores, que procederam com um projeto substitutivo, elevando a redução para um máximo de 20 horas semanais.
“O Governo (Mauro Mendes) fez um projeto de lei excludente, indecoroso do ponto de vista de direito da pessoa com deficiência. Procuramos o Legislativo e conseguimos encaminhar essa modificação e posterior aprovação, que foi uma vitória. Preferimos que dê vicio iniciativa (por ter partido do parlamento) porque, pelo menos, ganhamos tempo”, disse a servidora, reiterando que os termos do governador não atendem as necessidades.
Na imprensa, desde então, o governador tem demonstrado claramente que irá vetar a medida e não tem tido qualquer pudor de tratar o tema de enorme complexidade com uma frieza totalmente incompatível com a que precisa ter um gestor público, na visão da servidora. “O governador dizer que a “iniciativa privada” não é beneficiada com a mesma medida é um argumento absurdo, porque na iniciativa privada essas mães nem chegam a ter espaço, não há esse olhar. Já o Estado, como grande garantidor de direitos, precisa dar o exemplo. Outros estados estão dando o exemplo, bem como o Governo Federal e aqui em Mato Grosso não estamos”, finaliza.
Palavra do governador – Mendes, como sinalizou Solanyara, tem usado a narrativa de demonizar servidores públicos e seu estigma de ter “muitos benefícios” para ganhar apoio popular e poder impedir que entre em vigência a lei aprovada pelo legislativo. “Nós temos 3,5 milhões de habitantes no estado, alguém tem esse benefício? As pessoas da iniciativa privada, o cidadão da indústria, do comércio e que trabalha na agricultura, tem esse benefício? Não tem”, disse o governador em contato recente com jornalistas.
Enquanto a servidora vê o Poder Público com um instrumento de justiça social, inclusive por meio do seu funcionalismo, o governador reitera uma análise fria da situação. “O Estado não pode ser uma ilha, tão distante daquilo que é uma realidade da sociedade. Lamento, mas vou analisar com muito critério. Para enviar um projeto, a gente precisa estudar, olhar o impacto e ver se aquilo é correto e justo”, argumenta.
Mauro ainda mostrou irritação com a avaliação sobre a proposta inicial que enviou e, diferentemente do que disse a mãe, estudiosa do assunto, voltou a usar vagamente um comparativo de senso comum para descredibilizar a luta dos servidores estaduais. “Temos 95% dos mato-grossenses que não têm esse benefício de ter uma pessoa com deficiência e poder reduzir sua carga horária de trabalho. Nós temos que criar algo para os servidores sim e eu propus. Eu propus algo bom, mas eles querem algo ótimo, o bom parece que não serve. Ocorre que aí fora ninguém tem nada”, cravou o governador, sem especificar exatamente sobre o que comparava. (Fonte: MinutoMT)