Marinalva recupera flores condenadas e ameniza a dor do câncer na família
O último ano tem sido uma batalha para os aposentados Laércio Pereira e a esposa Marinalva Silva. Eles viviam felizes em uma chácara recém reformada para a família, até descobrirem no marido um câncer. Hoje, ela que nunca gostou de cuidar de plantas, encontrou no verde das orquídeas uma terapia que hoje ameniza a dor da doença na família.
“Eu queria dar flores a ela, mas não tinha jeito, ela não gostava de plantas”, diz Laércio, policial aposentado. “Não sei porque, mas eu não gostava, não tinha paciência de ficar cuidando”, justifica Marinalva, ao lado de inúmeras orquídeas que hoje chama de “filhas”.
A paixão repentina veio em um dos momentos mais difíceis para o casal. Juntos há 15 anos, nos últimos três eles haviam gastado todas as economias na reforma de uma chácara, de meio hectare, longe do Centro. A ideia era viver uma vida tranquila, curtir a aposentadoria ao lado dos filhos, ter a natureza como companhia. Mas no ano passado o diagnóstico de câncer mudou tudo.
“Eu senti um caroço pequeno próximo a garganta, não tinha tantas dores, mas resolvi ir ao médico”, conta o aposentado. Na consulta veio o pedido de exame e após 20 dias o resultado inesperado. “Era um câncer maligno”.
A notícia veio como uma bomba na vida do casal. “A gente se assusta. Mas quem realmente tem o câncer, vê o psicológico ir embora com a doença”.
Terapia – Foi então que duas decisões mudaram a vida. Primeiro o casal abriu mão de viver longe da cidade para dar continuidade ao tratamento e Marinalva se apegou as plantas que o marido tanto gostava no jardim da chácara para trazer vida dentro de casa. “Me apeguei ainda mais as orquídeas. Virou uma verdadeira terapia”.
Mas para que o trabalho tivesse sentido dentro de casa, Marinalva escolheu não comprar plantas bonitas. Toda as orquídeas que ela cuida são plantas que um dia foram “condenadas” nas floriculturas ou mercados. “Sabe aquelas plantinhas que vão ficando caídas, abandonadas e os preços vão lá em baixo? Pois é, passei a comprar só o que ninguém quer com objetivo de recuperá-las”, conta.
Aos olhos de Marinalva e de Laércio, cada plantinha recuperada conta uma história, a história do casal que enfrentou de mãos dadas as dores e a solidão com a doença. “Passamos por maus bocados, veio uma onda de tristeza, de dor e falta de esperança na vida do Laércio”, diz a esposa.
Ele sentiu na pele o que o câncer é capaz de fazer. “Senti muita dor, foram dias comendo só alimentos batidos e mesmo assim quando descia, aquilo queimava dentro de mim”, conta.
As dores foram efeitos das sessões de radioterapia que além de feridas na região da boca e da garganta, causavam pânico em Laércio toda vez que era necessário usar a temida máscara que serve para o imobilizar o paciente durante cada sessão de radioterapia. “Eu sentia fobia toda vez que colocavam ela em mim, dei muito trabalho no centro de tratamento”, ri.
Mas além das dificuldades físicas, outro desafio para Laércio e Marinalva foi encarar olhares de amigos. “As pessoas chegavam em casa para me visitar e o olhar delas pareciam de extrema-unção, como se eu fosse morrer em pouco tempo. Outros queriam justificar a doenças, como se eu estivesse pagando uma pena na vida. Isso é uma das piores coisas no tratamento e a gente se sente muito pra baixo”, descreve o aposentado.
Foi preciso paciência e até solidão para tirar a tristeza de jogo. “Cheguei ao ponto de dizer para a Marinalva que não queria mais visitas. Era melhor ficar sozinho do que ter que encarar a minha dor e a dor do outro sobre mim”.
As sessões de radioterapia terminaram, os remédios continuam e todo mês uma série de exames precisa ser feito para constatar a saúde. Mas ter a família e as plantas de Marinalva dentro de casa é esperança e principalmente sinal de superação. “Eu sempre falo que o câncer trouxe muitas novidades. Eu era um homem confiante, não achava que ficaria doente, mas a doença me fez enxergar o outro com um novo olhar”.
Mesmo com toda dor, comemora o que a doença trouxe de boas transformações, como o simples fato de pegar o carro com a esposa e ir até pessoas que estão com a mesma doença levar uma palavra de conforto. “Passei a dividir minha história com outros pacientes. A ouvir e contar que apesar de tudo, hoje eu estou bem e a pessoa também pode ficar”.
Marinalva aproveita cada instante de solidariedade para também ensinar aos outros o amor as plantas que um dia Laércio lhe mostrou. “Além de recuperar as mudinhas, sempre que alguém me pede, eu dou. Não vendo, não troco, simplesmente dou de coração e a recompensa são as fotos que recebo no celular com as orquídeas floridas”.
(Por Thailla Torres, do Campograndenews)