Médica diz em artigo que estupro é uma violência imperdoável

*Por Natasha SlhessarenkoAssisti estarrecida a notícia de que uma gestante, na cidade de São João do Meriti, no Rio de Janeiro, havia sido estuprada no momento mais sublime da sua vida: ao trazer ao mundo um bebê tão esperado. Investigação policial já aponta que o médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra aplicava sedação “excessiva e desnecessária” com a intenção de cometer esse crime, que pela legislação brasileira, é enquadrado como hediondo. A apuração indica ainda que pelo menos outras 5 mulheres passaram pela mesma situação ao serem submetidas ao “trabalho” de Bezerra.Embora o estupro não seja tolerado no sistema penitenciário do país – o médico foi hostilizado pelos demais privados de liberdade ao chegar em Bangu 8 – a prática é corriqueira no Brasil. Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 56.098 mulheres, nas mais variadas faixas etárias, foram violentadas sexualmente no ano de 2021, ou seja, a cada 10 minutos era registrado um estupro no país.  Essa mulher, além de ter sido violentada, pela sedação excessiva, perdeu a possibilidade mágica de conhecer a criança que gerou assim que ela saísse da sua barriga, não pôde acalentar em seus braços esse serzinho que com certeza vai mudar toda a sua trajetória de vida para sempre. Essa mulher agora terá que lidar com o trauma causado por um doente, além de tomar medicamentos utilizados na profilaxia das infecções sexualmente transmissíveis.Esse tipo de postura não pode passar impune. O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) aprovou a suspensão provisória do médico em questão. Agiu corretamente. Deixá-lo exercer a medicina significa expor mais mulheres ao risco.  Não podemos aceitar, minimizar ou banalizar esse tipo de postura. Os responsáveis precisam ser adequadamente punidos.Eu quero chamar atenção para um problema que é estrutural, a violência contra a mulher. A violência sexual é apenas uma das tantas cometidas contra nós, mulheres. Ainda temos a psicológica, a moral, a física, a patrimonial e a violência política – quando mulheres são hostilizadas, coagidas, assediadas, perseguidas, ameaçadas, humilhadas, constrangidas e impedidas de exercer integralmente o cargo para o qual foram eleitas ou mesmo na condição de candidatas a cargo eletivo.Essa violência de gênero precisa acabar. Mulheres morrem ou ficam marcadas pelo resto de suas vidas em razão do machismo estrutural que nos assombra. O mesmo Fórum Brasileiro de Segurança Pública evidencia que no ano passado 1.319 mulheres morreram apenas e tão somente por serem mulheres. Esse crime ganhou uma denominação: feminicídio. E Mato Grosso, infelizmente, é o quarto estado com o maior índice de registro desse crime no país. Enquanto a média no Brasil é de 1,2 feminicídios a cada 100 mil mulheres, aqui essa taxa é de 2,5. Perdemos apenas para o Acre, Tocantins e Mato Grosso do Sul.Fico profundamente tocada com essa triste realidade. Para provocar algum tipo de reflexão e tentar trazer alguma mudança para o cenário do nosso estado, é que me tornei voluntária do Movimento Conecta. O Conecta tem como uma de suas muitas atividades, levar às escolas públicas de Mato Grosso o debate sobre a violência contra a mulher, através da discussão da Lei 14.164/2021, grande orgulho para todas cidadãs e cidadãos mato-grossenses. Se alguma transformação pode acontecer, não tenho dúvida, ela se dará pela educação.Realizamos palestras, não só para estudantes, mas para todos os profissionais da educação envolvidos no dia a dia dessas crianças e jovens, para que a temática seja constantemente abordada no cotidiano escolar. De posse da informação, eles sabem as condutas que não devem adotar, como identificar se ocorre algum tipo de violência e quais os canais para denunciá-la. Aqui cabe uma preocupação de todos nós pediatras, com as escolas fechadas na pandemia, ficamos muito apreensivos, pois a escola é o maior identificador dos casos de maus tratos e abusos contra crianças e adolescentes.É preciso um esforço conjunto para que não vejamos mais casos de violência espalhados pelo país. Evitar o crime é muito mais importante que puni-lo. Cabe a nossa sociedade ainda não dar holofote para o agressor. O que me chamou atenção é que depois da divulgação do estupro – que foi revelado graças ao trabalho árduo de enfermeiras, parabéns a todas estas mulheres, que notaram que algo não ia bem e se esforçaram para desmascarar o médico – o anestesista ganhou 11 mil seguidores nas redes sociais.Esse tipo de “fama” faz com que a vítima reviva o trauma e chancela o comportamento do estuprador. Até quando vamos revitimizar as nossas mulheres? É preciso dar um basta a esse tipo de situação. Todos nós, homens e mulheres, em um movimento coletivo devemos lutar pelo fim da violência contra mulher. Essa missão é nossa e dos homens que nos cercam. O esforço deve ser conjunto, pois só assim será efetivo. E nós médicos não podemos perder a nossa essência que é cuidar, acolher e amparar.*Natasha Slhessarenko é médica pediatra e patologista clínica e tem atuado fortemente contra a desinformação

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