MPE alerta para o risco de escassez de água em Cuiabá em 5 anos

Promotor Gerson Barbosa revela que maior degradação de nascentes e córregos acontece com entubamento

O promotor Gerson Barbosa, da 17ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente Urbanístico, alerta para o risco de Cuiabá de sofrer uma crise hídrica nos próximos anos.

“Se a gente continuar nesse ritmo de degradação [dos córregos e nascentes], de 3 a 5 anos pode haver um colapso no abastecimento”.

Segundo ele, a canalização e o aterramento de córregos e nascentes na área urbana são o que mais prejudica os mananciais, pois é quase impossível recuperar essas fontes de água.

Barbosa aponta que a degradação do sistema hídrico se dá, principalmente, por construções de imóveis em Área de Preservação Permanente (APP) e pelas invasões desses locais.

“Quando você entuba um córrego, você mata ele para sempre”, revelou.

O promotor ainda enfatiza que os praticantes desses crimes ambientais podem responder civil e criminalmente por seus atos.

De acordo com Barbosa, uma das medidas para evitar a crise hídrica é o trabalho realizado pelo projeto Água para o Futuro, do Ministério Público Estadual.

A iniciativa pretende mapear todas as nascentes da Capital e garantir a segurança hídrica e o abastecimento de água para os próximos anos. O projeto busca identificar, preservar e recuperar as nascentes.

Das 188 nascentes catalogadas pelo projeto, cerca de 82% já estão degradas, de acordo com Barbosa.

“Não existe elemento mais importante que a água e não está se dando a devida importância a ela”, alerta.

Veja os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – De onde veio a ideia de criar o Água para o Futuro?

Gerson Barbosa – No Brasil nós temos mais de 800 municípios com crise hídrica. Podemos citar dois grandes exemplos: Brasília e São Paulo, que destruíram o sistema superficial de abastecimento. E eu percebi que há muito aterramento de nascente aqui. E os aterradores, sejam eles invasores ou mesmo empresas, sempre usam o benefício da dúvida, alegando que não sabiam que há nascente no local. Então percebi a necessidade da gente se antecipar, de fazer um levantamento criterioso dada a importância da nascente, da água. E água é vida. Não existe elemento mais importante que a água e não se está dando a devida importância para a água. Em 2010 nós tentamos levar a cabo o projeto. Não conseguimos parceiros, tentamos a Sema [Secretaride de Estado de Meio Ambiente] e mais alguns e não conseguimos. Em 2010 contamos com a colaboração de alguns professores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) para elaborar o projeto. Em 2015 tentamos novamente e cheguei ao procurador-geral e falei que nós tínhamos de qualquer forma que criar esse projeto.

MidiaNews – Cuiabá está assentada sobre quantas nascentes?

Gerson Barbosa – Não temos essa resposta ainda. Nós fizemos um levantamento preliminar. A gente faz um mapeamento prévio usando softwares e a base de dados. Cuiabá tem pelo menos 600 nascentes. Dessas 600, nós confirmamos até hoje 188. E há indícios de que cerca 245 já foram descaracterizadas ou aterradas.

MidiaNews – Algumas das grandes cidades do planeta já estão sofrendo com a escassez de água. São Paulo teve problemas há cerca de 4 anos. Cidade do Cabo, na África do Sul, tem uma situação ainda mais grave. Qual é o risco de isso vir a ocorrer em Cuiabá?

Gerson Barbosa – Há um risco muito grande. Se a gente continuar nesse ritmo de degradação, de 3 a 5 anos pode ocorrer um colapso no abastecimento porque ocorrem muitos problemas, muitos danos em Cuiabá. Nós temos um grande privilégio, nós temos um grande manancial, mas estamos destruindo nosso manancial. Basta você ver aqui na área urbana a canalização e aterramento de córregos e nascentes. Além da grande perda em termos de beleza cênica, paisagem e microclima, temos a perda da quantidade e qualidade de água. Nós temos ainda o risco de uma crise hídrica em Cuiabá pela destruição das nascentes, dos mananciais. O projeto Água para o Futuro veio para evitar isso, mas sem a ajuda da sociedade, sem a conscientização das empresas, nós ainda estamos correndo esse risco.

MidiaNews – Como é feito o trabalho do projeto Água para o Futuro?

Gerson Barbosa – Nós fazemos o mapeamento preliminar. Com esses dados os técnicos saem a campo. E temos também o aplicativo Água para o Futuro, onde a comunidade pode comunicar possíveis nascentes ou denúncias. As pessoas às vezes comparecem aqui no MPE ou mandam e-mail comunicando a existência de possíveis nascentes. Nesse aplicativo a pessoa pode fotografar a nascente e mandar para a coordenação do projeto. Temos um geólogo lá, que se confirmar vai para a base de dados do projeto. Pode mandar e-mail para aguaparaofuturo@mpe.mt.mp.br. Tem a página no Facebook, tem o site. E tem o telefone: 3611-0684, pelo qual o cidadão pode comunicar não só danos como também comunicar  [a existência de] novas nascentes. Foi por meio de denúncia que chegamos a um empreendimento no Bairro Nova Esperança que estava drenando, aterrando uma nascente. Várias denúncias chegam aqui.

MidiaNews –  O que se vê em muitos cursos d’água em Cuiabá é que se transformaram em esgoto, como o Córrego do Barbado. Há solução para estes córregos que cortam a cidade? E qual seria a solução?

Gerson Barbosa – Pior que o esgoto, eu diria que é o entubamento desses córregos. Nós temos um caso terrível em que a Secretaria de Meio Ambiente (Sema), entendendo que o córrego já estava degradado, autorizou uma empresa a canalizá-lo, a entubá-lo. E o empreendimento ficou em cima desse córrego. É a morte do córrego. Nós assinamos um termo de ajuste de conduta com a empresa concessionária Águas Cuiabá que, até 2024, vai retirar o esgoto dos córregos, vai coletar e tratar 91% do esgoto de Cuiabá. O risco que nós corremos é chegar lá sem esgoto e sem córregos porque o esgoto a gente consegue retirar, mas quando você entuba um córrego, você mata ele para sempre. O mais terrível que está acontecendo em Cuiabá é o aterramento. O esgoto tem como retirar e isso já está sendo feito. O prazo é de sete anos, até 2024.

MidiaNews –  O projeto também analisa a flora e a fauna ao entorno das nascentes? Quais os impactos do aterramento para os animais e a vegetação?

Gerson Barbosa – Um exemplo é o Córrego do Barbado, que, entubando ele, você retira o refúgio, o abrigo dos animais. Os animais domésticos são protegidos por seus donos, entidades, mas infelizmente ninguém se preocupa ou protege esses diversos animais que tinham como sua casa as matas ciliares, as áreas de proteção permanente das nascentes e córregos que estão sendo destruídas. Então você perde espécies de vegetação e da fauna também. A equipe do projeto já identificou vários animais que tentam sobreviver, mas seu espaço está sendo retirado. Já identificamos na nascente do Bairro Distrito Industrial um mão-pelada e também uma onça parda, na área urbana de Cuiabá. Identificamos na saída para Chapada, em um empreendimento imobilário, um veado catingueiro. Espécies que estão perdendo o seu refúgio. E muitos animais chegam esquálidos, magros. Muitos animais morreram após perder o Barbado como refúgio. Já identificaram muitos animais mortos.

MidiaNews – O Parque Mão Bonifácia é uma das mais importantes unidades de conservação urbana de Cuiabá. Só que quem caminha ali é obrigado a sentir o cheiro do esgoto que o atravessa. O projeto pretende atacar esse problema?

Gerson Barbosa – Muitos anos atrás houve uma tentativa de canalizar o córrego e foi barrada pela minha Promotoria. Não admiti a canalização do córrego. Então a gente, às vezes, precisa conviver com o mau cheiro, mas pelo menos o córrego está vivo. Por conta de ele estar vivo, ele vai ser salvo. Uma das primeiras obras da concessionária [Águas de Cuiabá] vai ser a retirada do esgoto daquele córrego. Isso deve acontecer no prazo máximo de dois anos. Ela tem já o cronograma para agir.

MidiaNews – O que se vê muito comumente em Cuiabá são edificações sobre nascentes importantes. O MPE pretende remover os imóveis?

Gerson Barbosa – A gente pretende aplicar a lei. Estamos tentando evitar aterramento de nascentes e responsabilizar civil e criminalmente os responsáveis pela degradação. Com relação as nascentes que ainda não foram aterradas e estão degradas também, a gente busca o Termo de Ajustamento de Conduta para que a empresa recupere a área. O maior problema que encontramos são as invasões e o Município não consegue fazer frente as essas invasões de áreas de preservação permanente. Mas temos cobrado isso do Município para que ele exerça o seu poder e no âmbito do MPE a gente instaura o inquérito civil e essa pessoa vai responder civil e criminalmente pelos seus atos.

MidiaNews – Um dos objetivos do projeto é responsabilizar civil e criminalmente pessoas que poluíram cursos d’água em Cuiabá. Há muitas ações ajuizadas?

Gerson Barbosa – Sim. Nós temos umas oito ações, porque a gente busca sempre um acordo através do Termo de Ajustamento de Conduta. Temos cerca de 16 termos. Em um horizonte de 188, não é muito, mas é o que podemos fazer até o momento. Mas pretendemos acelerar esses trabalhos até o final do ano porque é uma forma de salvar essas nascentes. Quando há apenas uma degradação, você busca a recuperação. O maior problema é quando gera o aterramento daquela nascente. Já registramos oito nascentes aterradas das 188. 82% das nascentes estão degradados por empresas ou invasões.

MidiaNews – Quem passa pela Avenida Beira Rio percebe que há muitas edificações às margens do Rio Cuiabá. Estes imóveis poderão, um dia, ser removidos dali?

Gerson Barbosa – Lá não se trata de nascente. É a Área de Preservação Permanente do Rio Cuiabá, que deve ser protegida. Nós viramos as costas e jogamos nossos dejetos nele. O rio tem que ser contemplado, valorizado, preservado. Lá há esgoto caindo, lixo e principalmente a ocupação de uma área que é de todo mundo. É um bem ambiental e não pode ser usado por empresas, mas isso aconteceu. Há uma ação e se busca a retirada de todos de lá. O juiz que vai decidir, mas possivelmente com a demolição e retirada dos entulhos. Inclusive tem uma universidade instalada lá. Estão invadindo a área de preservação permanente. É lamentável que um centro de pesquisa, de ensino, ocupe uma APP.

MidiaNews – Certa vez o senhor afirmou que haveria quadrilhas em Cuiabá especializadas em destruir nascentes. E que estas quadrilhas teriam apoio de políticos. Já conseguiu identificar e acionar integrantes destas quadrilhas? E por que alguém agiria apenas para destruir nascentes?

Gerson Barbosa – Tem sido feito um trabalho muito bom pela Delegacia do Meio Ambiente. Eles já identificaram algumas quadrilhas, o modus operandi. Em APP de nascentes e córregos, eles loteiam, vendem. Já houve até prisão em flagrante. Já tem um trabalho muito bom sendo feito. Já ocorreu de algumas invasões com apoio de políticos, isso aconteceu em um passado bem recente. Lucro, dinheiro, é a única preocupação. Não tem a menor preocupação com o bem comum, com os demais cidadãos e ele sabe das consequências daquilo. Uma nascente pode gerar 100 mil litros de agua por dia, pode abastecer centenas de pessoas. Quando você aterra essa nascente, aquela água não vai mais estar disponível. Quarenta nascentes em que fizemos levantamento da vazão geram 1.7 milhão de litros por dia pode abastecer mais de 10 mil pessoas. Há um grave dano praticado por essas pessoas que fomentam a invasão de nascentes, de aterramento. Mas o interesse é o lucro.

MidiaNews – O senhor abriu um inquérito para investigar o fato de o Detran, Derfva e Conen estarem assentados sobre nascentes. Já há alguma ação para retirá-los dali?

Gerson Barbosa – Recebemos os representantes desses órgãos, apresentamos o projeto, eles adoraram. Reconheceram o erro e não sabiam que se tratava de uma nascente. Já retiraram parte dos automóveis e já estamos elaborando um TAC na recuperação daquela área. Essa nascente podemos dizer que já está salva.

MidiaNews –  Como está a qualidade da água no Parque das Águas, que fica ali perto?

Gerson Barbosa – Melhorou muito. Estive conversando com o secretário José Roberto Stopa [Serviços Urbanos] recentemente e retirou aquele esgoto que vinha do Centro Político Administrativo e alguns órgãos. O Stoppa me disse que detectou que algum daqueles bares [no entorno no parque] estariam jogando esgoto lá. Ele está fazendo essa investigação para identificar e tomar as providências.

MidiaNews – Cuiabá é uma cidade que cresceu sem planejamento. Muitas obras foram feitas sobre nascentes. O projeto já identificou quantas nascentes não tem mais como recuperar?

Gerson Barbosa – Nós não temos esse número. Quando se aterra uma nascente, às vezes ela nasce mais à frente. Isso é um trabalho muito difícil. Mas sabemos que já perdemos muitas. Nossos esforços são para evitar esse dano total.

MidiaNews – Como o senhor vê a juventude atual, na comparação com os pais, no que diz respeito a conscientização sobre a importância de se preservar nascentes?

Gerson Barbosa – Melhorou muito. Por conta dessa consciência nos jovens, crianças e adolescentes é que publicamos um edital sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação e faremos um concurso voltado para alunos da rede pública municipal, que é uma forma de conscientizá-los sobre a importãncia das nascentes. Vai premiar os melhores trabalhos. Talvez a salvação das nascentes seja os jovens, que podem sensibilizar seus pais. Eles estão muito mais responsáveis, mais engajados, mais preocupados.

(Por Bianca Fujimori, do midianews)

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