No vale da pobreza, renda média do sul-mato-grossense é sonho distante
Uma linha reta de telhados iguais separa o horizonte do residencial Izabel Garden, na região norte de Campo Grande. Logo abaixo, no vale à beira do córrego Segredo, a linha fica irregular e os telhados escondem barracos, feitos com o material disponíveis às mãos. Ali, existe uma espécie de vale da pobreza na cidade, a favela Morro do Mandela. Ali, a renda média do sul-mato-grossense, apontada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apontada como R$2,3 mil, é sonho distante.
É a realidade distante da mãe de Lucineia Martins de Souza, 38, que cuidava do barraco da mãe durante a manhã desta quinta-feira (6). “Minha mãe trabalha como limpadeira na escola. Ganha um salário mínimo. As condições são péssimas, a casa dela molha tudo, não tem área de esgoto, é tudo no quintal, é péssimo pra criança, ela cuida de dois netinhos dela”, conta.
Com o dinheiro, conta Lucineia, a mãe prioriza a saúde. Com problemas na coluna, gasta com remédios e mal sobra para o resto das necessidades. “Bem difícil [sobrar dinheiro], aqui vive mais por doação”, conta ela, sobre a mãe que vive na favela há um ano e oito meses”.
“Vixe, exclama, ao ser questionada sobre o que a mãe faria com R$ 2,3 mil por mês. “Para começar ela arrumaria isso, o barraquinho dela. Colocaria um piso, uma fossa descente. Mas não é isso… é só pesquisa mesmo, porque na prática ninguém ganha isso”, afirma.
Campo Grande já anunciou, orgulhosa, não ter favelas. Hoje o cenário é passado, já que as ocupações irregulares espalham-se pela cidade. A maior delas, o a favela Mandela, tem ao menos 500 barracos que “se apertam” às margens do córrego segredo há mais de dois anos. Ali, também parece distante a pesquisa que aponta Mato Grosso do Sul com o 8º menor percentual de pessoas na linha da pobreza.
A favela é um pedaço da pobreza do Brasil, que jogou, em 2017, 2 milhões de pessoas na pobreza. Ali, os barracos escondem a dificuldade em manter um aluguel. Alcançar a renda média de Mato Grosso do Sul significaria, para os moradores, uma chance de deixar as vielas tortuosas e sujas do vale da pobreza e conseguir uma moradia melhor.
Jéssica Oliveira, 28, é desempregada e vive na favela com cinco filhos. Assim como ela, a maioria dos moradores são mulheres, mães solteiras, com renda de um salário mínimo ou a renda que as coloca na linha da pobreza: menos de R$ 400 por mês.
Mínimo para viver – “Antes trabalhava com faxina. Meu marido está preso por causa de pensão. Eu vivo com a renda do bolsa família e do vale renda, que dá uns R$ 360, por aí. Consigo comprar pouca coisa, comida, leite, mas não dá para passar o mês. Meu ex-marido me ajuda, tem pessoas que as vezes me ajudam”, conta Jéssica.
Se ganhasse R$ 2,3 mil, relata Jéssica, “mantinha a casa” e iria priorizar a alimentação dos filhos. “Vim pra cá há um ano porque não conseguia mais pagar aluguel”. O aluguel, afirma, era R$ 350, a renda que Jéssica tem, por mês, para criar os cinco filhos. “Já me acostumei [viver na favela], antes eu tinha medo, droga, as polícia entrando aí, entrando atirando”.
Maria de Lurdes Vardes, 51, não trabalha. Vive com a aposentadoria da mãe, que sustenta três pessoas no barraco, além do bolsa família, R$ 130. “Eu vim no começo, quando começou a abrir aqui a favela já começamos a montar”, conta ela. “Dá pra gente fazer compra, o que sobra compra roupa para minha mãe, compro gás. Dá para viver, dá para ir levando a vida”.
“Não tem conforto. Quando chove molha tudo”, explica, sobre a rotina. Se conseguisse alcançar a renda média dos moradores de Mato Grosso do Sul, conta, compraria coisas novas para a casa.
Jovem e sozinha. É a vida de Débora Camilo Gomes, 22, que deixou a casa dos pais para ocupar um barraco. Para se sustentar, ela descasca mandioca e ganha, por mês, cerca de R$ 250. “Eu compro gás e comida só, não sobra mais nada. Aqui é bom porque não paga aluguel, água, nem luz, mas não é tão bom porque quando chove os barracos molham, as madeiras estragam tudo. Um outro problema é que a gente fica com medo dos barracos descerem pro rio”, revela.
Se ganhasse R$2,3 mil, conta, alugaria uma casa e deixaria a vida na favela para trás.
É o que também sonha Ana Paula Alves de Souza, 33, auxiliar de limpeza. Ela vive com salário mínimo. Os R$ 954 sustentam ela, o marido, desempregado, e as duas filhas.
“A gente cuida da barriguinha das crianças”, afirma, rindo. “Saúde, a gente prioriza, deixa sempre um pouco guardado para uma emergência de saúde. Tenho uma filha de 15 anos que estuda, que sempre precisa de material novo. No momento está meio difícil, dá para guardar uns R$ 100”.
Viver no vale da pobreza, declara, “é complicado”. “Você não quer criar seus filhos na pobreza, viver toda hora na rua. Você vê na internet, tiroteio no Mandela, você não quer criar seu filho no meio disso. Só que no momento a gente não tem opção”.
Ana Paula faz uma pausa, sorri, e sonha com a renda maior. Parte dos R$ 2,3 mil seriam aplicados para “investir na educação das filhas”. “Eu ia alugar uma casa. Ia investir nas minhas filhas, educação, ia abrir um negócio para mim, para a gente ir pra frente, porque aqui…”.
(Por Izabela Sanchez, do Campograndenews)