“Podemos dizer que em Mato Grosso chove veneno”, afirma pesquisador

O pesquisador Jackson Barbosa revelou que não há maneiras de retirar o agrotóxico da água – Foto: Alair Ribeiro

Um levantamento realizado pelo Ministério da Saúde, entre 2014 e 2017, apontou que Cuiabá possui mais de 27 tipos diferentes de agrotóxicos na água. Além da Capital, outros 29 municípios também apresentaram a mesma quantidade de defensivos agrícolas.

Porém, o professor de Saúde Coletiva e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Jackson Barbosa, afirmou que o núcleo de pesquisa do qual faz parte alerta para a contaminação da água há mais de 10 anos.

“Nós somos pesquisadores de agrotóxicos desde 2003. Nós demonstramos, há mais de 10 anos, que a nossa água está contaminada, o nosso ar está contaminado, o nosso solo está contaminado, tudo está contaminado em Mato Grosso”.

Segundo ele, não é apenas as áreas rurais que sofrem com a contaminação por defensivos agrícolas. O envenenamento chegou até as cidades por meio da pulverização aérea.

“A pulverização aérea tem que ser extinta do Brasil. Ela que é a maior contaminadora dos espaços rurais e urbanos. Quando o avião passa, uma parte cai na planta, mas outra parte sobe, vai para a nuvem e se espalha. Nós podemos dizer que no Mato Grosso chove veneno”, explicou Barbosa.

Além disso, o agrotóxico chegou também aos mananciais e até a água mineral está contaminada. O ar e o solo também foram envenenados pelo agronegócio, de acordo com o pesquisador.

“A sua água de Cuiabá está contaminada porque ela vem de um manancial. Os rios de Mato Grosso nascem no meio das plantações de soja, milho, algodão. Já entram contaminados e vão contaminando a cadeia inteira. A água mineral é pega do manancial subterrâneo, que também está contaminado”.

Ainda segundo uma pesquisa divulgada no início de abril, a exposição de agrotóxico no Estado é 10 vezes maior que a média nacional. Enquanto a média brasileira de exposição é de 7,3 litros por habitante, em Mato Grosso pode chegar a 67 litros. Apenas no ano passado, o Brasil utilizou 1,4 bilhão de litros de agrotóxico.

“Nós temos as produções agrícolas que mais usam agrotóxicos no mundo, só perde para o fumo. O fumo usa 60 litros por hectare, a soja usa 40 litros e o algodão usa 25 litros por hectare. O Brasil é o maior consumidor do mundo. E o Mato Grosso é o maior consumidor do Brasil”, afirmou Barbosa.

O professor ainda chamou a atenção para a quantidade de agrotóxicos encontrados na água de países da União Europeia. A Europa tem apenas 0,01 micrograma de defensivos agrícolas na água potável enquanto no Brasil é de 500 miligramas, 5 mil vezes maior que na União Europeia.

Ação do agrotóxico

De acordo com Jackson, a contaminação por veneno agrícola pode causar diarreia, mal estar, dor de cabeça, alergias, enjoos, perda de força motora além de doenças crônicas e agudas como hipertenção, diabetes, Parkinson e Alzheimer.

“Tudo isso está comprovado cientificamente. Começam a aparecer as escleroses, canceres e as variações neurológicas ou psíquicas, como autismo, depressão e uma serie de outras coisas”, afirmou.

Barbosa afirmou que a incidência de câncer tem aumentado nos últimos anos, porém a justificativa não está correta. Conforme o professor, o senso comum diz que a grande incidência de câncer é devido ao novo estilo de vida, no entanto ele alerta que o agrotóxico tem um papel fundamental ao provocar essas doenças.

“Vão dizer para ele que ele pegou porque ele era nervoso, estressado, porque trabalhava demais, não fazia exercício físico, não comia alimento adequado. Mas na verdade não foi por isso. Foi por causa da exposição anos seguidos ao veneno agrícola”.

Outro problema apontado pelo pesquisador é o fato de que hoje o alimento com agrotóxico não consegue mais fornecer todos os nutrientes que possuía décadas atrás.

Descobriram que o próprio agrotóxico e os transgênicos impedem a planta de absorver certas vitaminas e sais minerais. Além de estar matando você, está te desnutrindo”, expôs.

Os venenos agrícolas, segundo ele, também podem causar alterações genéticas que passam para as futuras gerações.

A notificação de intoxicação por agrotóxico é obrigatória, porém os casos não notificados são enormes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), para cada caso notificado, há 50 subnotificados.

“Em Mato Grosso, nós calculamos que para cada caso notificado, temos 150 não notificados. Em Cuiabá é a mesma coisa”, afirmou Jackson.

Os agrotóxicos podem agir de diferentes maneiras, segundo o professor. Se for inseticida, o veneno vai atacar o sistema nervoso do inseto e matar o parasita por paralisia ou problemas de respiração. Se for herbicida, o defensivo atua na degradação na degradação do sistema vegetativo de vida e na reprodução desregulando os hormônios da planta. A planta vai morrer pois os sais minerais e vitaminas foram retirados e isso também pode acontecer com o ser humano.

“Tem alguns agrotóxicos que são teratogênicos. Terato é monstro, gênese é origem. Então é quando a mulher está grávida, se for exposta, pode ter um filho com uma série de deformações. Para eu fazer isso, eu tenho que atuar em um lugar que provoca deformação, que é o DNA. O DNA está no núcleo da célula. Eu tenho que atravessar toda a planta e atacar a semente”, revelou.

Descontaminação

Conforme o pesquisador, o tratamento de água não é capaz de lidar com o agrotóxico. Não há nenhuma forma de retirar o veneno da água.

“Não existe maneira de tirar agrotóxico dos alimentos, da água, do solo, do ar. Então adianta lavar? Não adianta porque tem alguns que atuam na semente. E alguns que ficam na casaca, alguns que ficam na polpa e alguns que ficam na semente. Não tem como tirar”, disse.

Segundo ele, a única maneira de reverter esse processo é parar de utilizar o veneno na produção agrícola. Jackson acredita que isso só será possível com a pressão dos consumidores.

“Não vejo uma mudança se não entrar em ação o único ser que pode mudar isso, que se chama consumidor. Eu que consumo, sou eu que compro a soja, sou eu que compro o algodão. Eu posso exigir não consumir mais tomate contaminado. A indústria vai ser obrigada a produzir tomate não contaminado. Mas a gente acha que nosso corpo é de aço e quando aparece uma doença é por algo nada a ver, não foi pela exposição”, advertiu.

(Por Bianca Fujimori, do Midianews)

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