Primeira rapper a gravar CD em MT tenta superar invisibilidade

Rapper foi finalista de campeonato nacional que tem final sediada em Paris, na França

Primeira rapper de Mato Grosso a lançar um álbum, Ana Gabriela Santana Corrêa, conhecida pelo nome artístico “Pacha Ana”, de 24 anos, busca driblar um dos obstáculos no cenário do rap: a invisibilidade feminina.

O álbum Omo Oyá” foi lançado com incentivo de um edital da Secretaria Municipal de Cultura, que custeou a produção digital. Já a impressão dos CDs foi financiada pela própria rapper.

“Tive que correr atrás para conseguir ‘prensar’ o CD. Todas as minhas produções são realizadas com baixo orçamento e parcerias”, relata Pacha Ana.

Em suas músicas, Pacha Ana fala sobre as vivências da mulher negra, ancestralidade e fé através das rimas.

Neta de duas mulheres com realidades e vivências diferentes – uma baiana e outra neta de escravos, como define a rapper – as avós, já falecidas, possuem grande responsabilidade no processo criativo das músicas da rapper.

“As minhas avós não são mais vivas, mas são referências para mim pelo exemplo de mulheres que foram. A força das duas era incrível. Tento agregar essa ancestralidade em mim através da música e da poesia”, conta.

Natural de Rondonópolis (a 218 km de Cuiabá), a rapper se mudou para Cuiabá em 2013 para cursar Medicina Veterinária na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A mudança de cidade apresentou também uma nova oportunidade para a jovem: se dedicar ao rap.

“Quando vim morar em Cuiabá um amigo me incentivou a começar a escrever minhas próprias letras. Deu ‘um toque’ falou que eu tinha noção musical e tentei me desenvolver no rap, que são músicas que escuto desde criança. Quando vi, já estava me apresentando”, lembra.

No dia 27 de janeiro, a rapper foi convidada para fazer um show na Casa de Cultura do Butantã, em São Paulo, dividindo palco com outros nomes do rap da Capital paulista, como Gabi Nyarai e as meninas do Rap Plus Size.

“Hoje em dia já consegui um pequeno espaço, mas nem sempre foi assim. Acho que as pessoas de outros Estados me enxergaram primeiro que o Mato Grosso”, avaliou a rapper, que já realizou apresentações e parcerias em São Paulo e Minas Gerais.

Invisibilidade feminina

Pacha Ana avalia que o cenário do rap é ocupado, em sua maioria, por homens.

“A cena feminina de rap em Cuiabá é um trabalho de ‘formiguinha’ mesmo, de inserir a mulher num contexto que é majoritariamente ocupado por homens. É muito difícil”, diz a jovem.

Pacha Ana durante o aniversário de 3 anos da “Batalha da Alencastro”

Ela afirma que a mulher, desde os primórdios do movimento do rap no hip hop, foi colocada como coadjuvante. Mas, de acordo com Pacha, cada vez mais mulheres são inseridas na cena, apesar de serem “invisibilizadas”.

“Isso acontece em uma cena em que a mulher é totalmente protagonista. Sei de trabalhos femininos de extrema qualidade dentro do hip hop. Tem mulher dançando break, grafitando, discotecando, mas ainda são invisibilizadas”, avaliou.

Pacha diz que nunca teve medo de se inserir na cena do rap por causa da presença maior de homens. Porém, ela conta que muitas mulheres talentosas ficam de fora do movimento por não terem tanta facilidade.

“Meti a cara, falei ‘vou fazer’ e fiz. Decidi que não contaria com homem para nada e veria onde conseguiria chegar. Mas não é o que acontece com outras mulheres. Algumas ainda se sentem muito inseguras e não conseguem se inserir por conta de vários ‘gatilhos’. Ser mulher em uma sociedade é tão difícil quanto ser mulher no rap”, contou.

A jovem, que escuta rap desde os oito anos com a irmã mais velha, explicou que busca, em suas letras, falar sobre a realidade de ser uma mulher negra e rapper.

De acordo com ela, “ser uma pessoa negra traz uma carga ancestral muito grande”, ancestralidade que a jovem expressa em cada uma de suas letras.

“Me inspiro muito na minha religião e em ancestralidade para poder falar como é ser uma mulher negra dentro do rap e de onde trazemos forças para isso”, diz.

Através do trabalho de “formiguinha”, como a rapper define a cena feminina no rap, Pacha Ana tenta ajudar outras mulheres que estão tentando se inserir no movimento. Para ela, de nada adianta possuir notoriedade se o mesmo não acontece com outras mulheres.

“Enquanto for uma das únicas mulheres que fez um trabalho, que algumas pessoas respeitam e entendem a importância, não é possível falar de visibilidade de cena feminina em Mato Grosso. Enquanto não conseguirmos levantar a cena feminina, isso ainda é pouco”, avalia.

“Batalha das Minas”

Na tentativa de ajudar outras rappers da Capital, o movimento feminino criou a “Batalha das Minas”, um núcleo de organização e incentivo ao rap feminino de Cuiabá. Cerca de oito mulheres se encontram – sempre na primeira quarta-feira do mês – para as batalhas, como são chamadas as competições de rima, na Praça Alencastro, em Cuiabá.

“Se formos falar de cena feminina, ela ainda é desproporcional na questão de visibilidade em comparação com a cena masculina, só que eu acho que estamos bem. Temos a ‘Batalha das Minas’ e tentamos fortificar as mulheres para que elas comecem a produzir seus trabalhos, para que comecem a ir nas batalhas de rima e para que tenhamos visibilidade. Só assim cresceremos enquanto movimento feminino”, avalia Pacha Ana.

Outra dificuldade enfrentada pelas rappers, de acordo com a jovem, se dá pelo fato do acúmulo de funções e responsabilidades das mulheres na socidade atual. Algumas são mães, outras trabalham e estudam para se sustentar, fazendo com que a dedicação ao rap não seja prioridade.

“É muito difícil, porque tem mulheres que são mães, outras trabalham e estudam, então não conseguimos um momento tão democrático para abranger todas”, explicou.

Apesar da plateia que assiste as batalhas ser generosa, o mesmo não acontece com a participação das rappers. A “Batalha das Minas” existe desde 2017, porém, em alguns dos encontros, menos de quatro mulheres que disputam a competição de rimas participam do evento.

Campeonatos de Slam

Pacha Ana já representou o Estado duas vezes no “Slam BR – Campeonato Brasileiro de Poesia Falada” e chegou a final em uma das competições, ocupando o quarto lugar da competição, que teve sua etapa mundial em Paris, na França.

O slam é um campeonato de poesia, em que os participantes possuem até três minutos para apresentarem uma performance de poesia de autoria própria, sem adereços ou acompanhamento musical.

O texto pode ser escrito previamente, mas também pode ser improvisado.

O slam foi criado nos anos 1980 em Chicago, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que  a cultura hip hop tomava forma, mas só chegou ao Brasil mais tarde, nos anos 2000.

Videoclipe

Pacha Ana também lançou um clipe “Omo Oyá”, que no idioma yorubá significa “filha de Iansã”, uma homenagem ao orixá dela, que tem o Candomblé como religião.

A produção foi concretizada com baixo orçamento e graças a parcerias firmadas pela rapper.

“Não sei nem falar em valores, porque foram parcerias. Uma pessoas cedeu o equipamento, outra fez a direção, fomos conseguindo dinheiro aos pouquinhos para comprar cenário e foram gastos mínimos, compramos apenas flores, velas e retalhos de pano”, contou.

O álbum foi produzido por Eazy CDA, renomado no cenário do rap em Belo Horizonte.

Veja o videoclipe de Pacha Ana:

Machismo “velado”

  Como outras mulheres que participam da “Batalha das Minas” e sonham com a visibilidade no movimento do rap em Cuiabá, a rapper Roberta Beatriz da Silva Wenceslau, de 20 anos, dá o primeiros passos no cenário. Conhecida como “RB8”, a jovem lançou um clipe no dia 8 de março.

A rapper contou que o machismo contra as mulheres rapper é “velado” e se lembrou de uma das vezes em que uma dupla de MCs duvidou da capacidade dela em uma das batalhas de rima que participou.

“Em rodas de freestyle, já fui desacreditada por MCs que estavam na mesma dupla que eu, rimando contra outra dupla. Foi a sensação mais esquisita e bizarra que senti na vida. O machismo é muito velado na cena, mas vai se mostrando aos poucos. Primeiro, do que eu ouço das pessoas. Depois, como elas vão se mostrando e se comportando. E em situações de batalha acontece, mas sai despercebido pelo conceito de ‘ataque’, ‘sangue’, toda a construção do freestyle ou ‘estilo livre” de se rimar'”, explica.

Roberta começou a participar de batalhas de rap em 2015

A história de RB8 com o rap começou quando ela tinha apenas oito anos e ouvia as músicas no carro com o irmão. Na época, costumava ficava impressionada com as batidas e letras que retratavam a realidade de um grupo de pessoas.

“Ouvia no carro com meu irmão, quando tinha 8 anos, sobre a realidade cruel que Brown vivia, sem entender muito daquela vivência, só absorvendo as letras pesadas e a batida inconfundível. Até então ouvia nos bairros, nas ‘quebradas’, com pessoas que conhecia”, lembra.

O primeiro contato de Roberta com batalhas de rap e a modalidade freestyle aconteceu em 2015, na “Batalha da Alencastro”, competição de rimas que também acontece na Praça Alencastro, em Cuiabá.

Foi quando ela percebeu a necessidade de mais mulheres serem inseridas no movimento do rap de Mato Grosso.

“Percebi que os espaços eram marjoritariamente masculinos. Pensei ‘por que não?’ e comecei a batalhar. Treinava com amigas próximas na época e fui ‘botando a cara’ nas batalhas onde só tinham meninos”, lembra.

A rapper, que também participou de batalhas em Campo Grande, contou que os movimentos sociais a permitiram entender as realidades retratadas no rap, assim como a história do movimento e sua importância.

“Quero fazer música para fortalecer mulheres, alertá-las sobre os abusos com base nos que vivenciei. Não foco em um assunto só, ainda estou percebendo esse processo de composição dia após dia”, conta.

(Por Bruna Barbosa, do Midianews)

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