Primeiro casamento de Lurdes veio aos 54 anos e na escuridão
Dona Maria de Lurdes Pontes, 57 anos, nasceu com catarata congênita, uma turvação do cristalino, e desde cedo teve de aprender a viver no “escuro”. O caminho até aqui não foi fácil, mas enfrenta tudo de cabeça erguida e bom-humor. Ela é casada há três anos com Edson Carlos Tomaz, 61, também deficiente visual, porém, tem como sonho de princesa de entrar de véu e grinalda na igreja e comprar uma casa.
“Sou casada no civil há três anos, pela Justiça Itinerante. Encontrei essa pessoa maravilhosa e resolvemos nos casar. Temos dois objetivos na vida, que é ter a casa própria e casar na igreja. Sempre quis isso, desde criança e ele também quer, então colocamos como nossa meta. Estamos na luta”, conta Maria de Lurdes.
É o primeiro casamento, graças as atividades no Ismac (Instituto Sul-mato-grosense para Cegos Florivaldo Vargas). Os dois eram amigos até pintar o romance e decidirem ficar juntos. “A gente tem que viver cada dia, é muito bom e eu gosto”, diz ela.
Lurdes tem resquício de visão, preserva a noção de cores. “Já sofri muitos preconceitos nessa vida, de chegar na sala de aula e o professor dizer que não ia dar conta porque nunca deu aula para deficiente. Mas é claro que dá. A gente procura superar as dificuldades com a ajuda dos amigos e da religião, isso facilita”, ensina.
Se estudar já era complicado, imagine arrumar emprego. “Eles dizem; ela é tão bonita, pena que é cega. Quando procurava emprego, as pessoas questionavam: Como vou dar o emprego para você se não enxerga? ”. Na opinião dela, o patrão até aceita um deficiente, mas não a maioria. “As pessoas querem um deficiente, mas que falte só um dedo, que enxerga bastante, não querem um deficiente total”, completa.
Apesar dos pesares, ela terminou o Ensino Médio, entrou para faculdade e conseguiu passar em um concurso público da prefeitura de Campo Grande. “Fiz por dois anos o curso de Assistência Social, mas tranquei porque não estava dando conta de trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Atuei como telefonista na Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) e no CCZ (Centro de Controle de Zoonoses). Hoje sou aposentada”.
Por ter enfrentando dificuldades devido à falta visão, ela conta que incentiva todos os deficientes visuais a estudarem. “Estudem, entrem para a faculdade. Hoje é mais fácil que na minha época, tem a tecnologia. No meu tempo, eram os colegas da sala ajudavam, a professora escrevia no quadro e eles iam ditando”, recorda.
Nascença – A deficiência visual de Lurdes é por conta de um problema genético dos pais. “É uma sequela, meus pais são primos e meus avós paternos também eram. Tenho tios e primos que não enxergam”, explica.
Lurdes frequenta o Ismac há 40 anos, foi onde entrou em projetos de inclusão social e aprendeu a atuar, cozinhar, usar internet e as redes sócias. “Me considero independente. Tenho conta no Facebook, WatsApp. No computador existe um programa de voz, que instalado, lê o que está passando na tela, alguns até tem leitores de fotos. Tem amigos que compram celular, porém não mexer, aí passo as instruções”.
É uma pessoa extrovertida, animada e gosta de ser independente e cuidar do marido, Edson. Ele perdeu a visão há 15 anos, mas, desde que a amada o conheceu, resolveu cuidá-lo. “Edson ficou cego com 47 anos, sentiu dificuldades e fez a reabilitação no Ismac. Trabalhava como pintor industrial, fazia serviços brutos, mas devido à cegueira parou. É mais complicado não poder ver depois de grande, tem gente que se fecha e fica depressivo. Mas eu cuido dele”, disse.
O casal mora em uma casa alugada, no bairro Coophatrabalho. No local, ela coloca a mão na massa. “Acordo às 6h da manhã para organizar a casa, vou ao mercado para comprar alimentos, sacolão. No começo Edson a ajudava, porém o médico mandou parar de mexer com produtos químicos”.
O plano de Lurdes é viajar em outubro, para visitar os familiares do esposo. “Fomos para Minas Gerais duas vezes, de ônibus, mas o retorno foi de avião. Em outubro a gente vai, mas a viagem é de avião, estamos apertando um pouquinho”, adiantou.
Apesar de não poder enxergar, Lurdes afirma ser feliz. “Sou realizada. Me tornei atriz do Grupo Teatral de Luzes, devemos nos apresentar no final deste ano”, diz. A dança também a incentiva a não parar.
(Por Alana Portela, do Campograndenews)