Riqueza natural de MS, chaco é ameaçado pela criação de gado
De um lado, espécies inéditas para a biologia internacional, presentes apenas em Porto Murtinho, a 431 km de Campo Grande. Do outro, a bovinocultura, um dos motores econômicos de Mato Grosso do Sul. É uma batalha cujo cenário é o chaco, bioma sul-americano presente no Brasil, apenas em Mato Grosso do Sul, além da Argentina, Paraguai e Bolívia. Quem perde, aponta um projeto de pesquisa, é o ecossistema, já que seriam necessários 300 anos para recuperar uma das espécies, cada vez mais rara no Estado. Quem explica é a professora de biologia e coordenadora do projeto “Angiosperma do chaco brasileiro: sistemática, diversidade, fenologia e adaptações”, Ângela Lúcia Bagnatori Sartori. O projeto envolve a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e UFRGS (Universidade Federal de Rio Grande do Sul), com 8 subprojetos de pesquisa que estudam o bioma.
“A gente tem o barreiro, que é uma espécie de Prosopis que chama Rubriflora. Essa é uma espécie que ocorreu um estudo genético sobre ela, para a população dessa espécie, e meu aluno verificou que são necessários 300 anos para que a gente consiga restabelecer a diversidade genética das manchas de Porto Murtinho, porque os indivíduos da espécie estão ficando em número muito reduzido por conta da degradação”, explica.
Conforme a professora, a espécie é encontrada somente no Brasil e no Paraguai. “As espécies que são características do chaco, por exemplo a Prosopis Rubriflora, vai ocorrer aqui no Brasil e somente no Paraguai, então ela é uma espécie que até indica caras de chaco, e não é uma espécie abundante e está diminuindo por conta da devastação. Para áreas de pastagem, a vegetação nativa é muitas vezes suprimida, retirada, e aí deixa o mato crescer para o estabelecimento de gado”, comenta.
Soja – Geneticista de plantas, Anete Pereira de Souza é líder do Laboratório de Análise Genética Molecular no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ela afirma que além do gado, plantações de soja também ameaçam a sobrevivência do bioma. “Não há nenhuma política pública para proteção específica desta área. Hoje o Chaco está sendo derrubado para o plantio da soja e implantação de pastagens para a criação de gado”.
As características do bioma, explica a professora, são muitas vezes confundidas com a caatinga. O chaco apresenta solo com umidade lenta, o que determina a característica da vegetação, parecida com a da savana, com árvores retorcidas. O bioma tem 800 mil km², 12 mil km² no Brasil. Antes, explica a professora, os estudos apontavam 80 mil km² do bioma no país, indícios de agressões causadas pelo ser humano que remetem aos últimos 30 anos.
“E as plantas vão perder folhas em um determinado momento do ano, mas uma parcela das plantas, não é totalmente as plantas que perder as folhas, então com isso as pessoas fazem uma comparação, muitas vezes, com a Caatinga, mas não é parecido, a questão do solo é diferente, das plantas, dos elementos florísticos, das espécies, são diferentes”, explica a professora.
Riqueza sul-mato-grossense – Parte do acervo levantado pelas pesquisas só é encontrado em Porto Murtinho. Segundo a professora, 15% das 400 espécies catalogadas pelas pesquisas estão hoje restringidas pela atividade pecuária. Algumas dessas espécies correm o risco de serem perdidas para sempre.
Isso porque, segundo a professora, algumas espécies são endêmicas, ou seja, só podem ser encontradas no local de origem. Trata-se de uma riqueza sul-mato-grossense. Segundo a pesquisadora, 67 das espécies são completamente desconhecidas pela flora brasileira. São novas ocorrências ainda não registradas pela Flora do Brasil, uma espécie de catálogo científico das plantas brasileiras.
“Como tem espécies ali que têm uma relação evolutiva com o chaco da América do Sul se a gente não entende como elas estão ali naquele lugar, a gente não consegue entender a história de ocupação dela. Como elas são restritas no Brasil só naquele cantinho, ela faz um elo com o chaco que está em outro lugar, porque a história dela evolutiva, como evoluiu, se expandiu, vem do chaco, não vem do Pantanal, não vem do Cerrado, não tem nos outros biomas. E isso tem espécies de plantas, de animais. Então, a grande perda é a gente não ter uma Unidade de Conservação que garanta a preservação dessas manchas ali”, explica a pesquisadora.
As riquezas, comenta Sartori, têm uma relação de simbiose com os moradores locais, fazem parte da sobrevivência e cotidiano e são utilizadas para vários fins, inclusive como alimentação e remédio.
“Tem uma parcela das plantas que são utilizadas pelos moradores locais, naturalmente. Quando a gente sai da área urbana há uma tendência das pessoas utilizarem muitos recursos naturais como medicamento, alimento. Eles não tem tantos recursos quanto a gente tem. E a gente verificou isso, elas são usadas desde construção de casas, cercas, até alimento e remédio”, comenta.
(Por Izabela Sanchez, do Campograndenews)