Suposta fraude em processo contra ex-delegado-geral coloca perícia de MS sob suspeita
A briga de trânsito em fevereiro de 2022 que levou o delegado Adriano Garcia Geraldo, então DGPC (Delegado-Geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul), a disparar contra uma garota em Campo Grande agora implica a cúpula da instituição em suspeita de fraude processual.
O MPMS (Ministério Público Estadual) pediu no último dia 28 a investigação por fraude processual supostamente cometida por servidores públicos estaduais para acobertar o ex-chefe da Polícia Civil, Adriano Garcia.
Adriano já foi denunciado à Justiça por seus crimes, no dia 18 de setembro deste ano. Além disso, os indícios reforçam a suspeita de que colegas de Adriano teriam deixado de cumprir as obrigações funcionais em suposta tentativa de ‘salvar’ o então chefe na Polícia Civil.
Cartão de memória ‘inutilizado’ favoreceu ex-DGPC
Um cartão de memória que tinha gravações da briga e perseguição no trânsito e poderia revelar erros de conduta funcional e tática de Adriano Garcia foi considerado ‘inacessível’ pelos peritos da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul).
No entanto, o saco plástico de evidências que continha o dispositivo tem indícios de violação. A suspeita é de que alguém com acesso às provas sob custódia da Sejusp teria feito furos no plástico suficientes para inserir um cabo com leitor de cartões.
Assim, feita a conexão, as imagens e vídeos poderiam ser apagadas, alteradas e até mesmo a memória inutilizada, como o laudo oficial diz ter acontecido.
Investigação deve implicar mais servidores da Sejusp
Segundo o MPMS, nota técnica emitida pelo setor técnico do Gaeco noticiou que o lacre de um dos envelopes de provas estava com dois rasgos, onde poderia passar um cabo e conectar no cartão de memória. Além disso, restou comprovado que o cartão de memória foi manipulado de modo a inviabilizar qualquer perícia.
“Tal fato, a princípio caracteriza crime de fraude processual, previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, motivo pelo qual é imprescindível e necessária a apuração de quem teve acesso ao saco plástico e quem poderia ter praticado tal delito”, fala o MPMS.
Segundo a promotora Cristiane Amaral Cavalcanti, o fato deverá ser apurado pelo crime de fraude processual e deve-se remeter ao conhecimento da 6ª Vara Criminal.
Desde 2015, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul também mantém uma unidade que tem como responsabilidade acompanhar e fiscalizar a atuação policial. O Gacep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial) é atualmente chefiado pela promotora de Justiça Luciana Moreira Schenk.
Segundo a resolução 17/2016/PGJ, o Gacep deve investigar ‘infrações penais cometidas por agentes públicos no exercício da atividade policial’ sempre que houver “gravidade do objeto da investigação, elevado grau de complexidade da atuação e necessidade de urgência na adoção de medidas”.
Perícia da Sejusp sob suspeita
Não é a primeira vez que o serviço de perícia da Sejusp é alvo de suspeitas.
Na época, a suspeita também foi de tentativa de ajudar o policial, que acabou condenado pelo crime.
Agora, com relação ao então chefe maior da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, o caso deve sair do âmbito da corregedoria da Polícia Civil, que um ano após o incidente com o servidor público, sequer havia instaurado um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) contra o então Diretor-Geral da PCMS.
Ex-DGPC cometeu ao menos 6 crimes, diz MPMS
A denúncia contra o ex-delegado geral foi apresentada no dia 18 deste mês pelos promotores Douglas Oldegardo e Cristiane Amaral pelos crimes de abuso de autoridade, disparos de arma de fogo por três vezes em lugar habitado, desviar bem móvel público em proveito próprio ao usar viatura oficial descaracterizada, destruir e inutilizar com violência à pessoa e com grave ameaça a coisa alheia, além de perseguir alguém ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica.
Na denúncia, o MPMS fala: “O denunciado, por sua vez, nutrido por sentimento particular de indignação com tal atitude, passou a perseguir a vítima com o veículo oficial da Polícia Civil até a Rua Nortelândia, onde conseguiu fechá-la com a viatura descaracterizada, descendo com a arma em punho e dando ordem para que ela saísse do veículo, o que, por óbvio, não ocorreu.”
Ainda segundo a denúncia contra Adriano, é relatado que a vítima não sabia do que se tratava.
“A vítima, sem qualquer percepção de que se tratava de uma abordagem policial em razão da total descaracterização do veículo e do denunciado, continuou seu trajeto, ao passo em que o denunciado efetuou dois disparos que acertaram dois pneus do veículo. Iasmin, sentindo-se atacada, arrancou com o veículo e seguiu pela Rua Antônio Maria Coelho, sendo que, próximo à esquina da Rua Dr. Paulo Machado, o denunciado efetuou mais um disparo em área pública e habitada, atingindo mais um pneu do carro conduzido pela vítima. Os disparos destruíram três pneus do veículo.”
Manda quem pode: Ex-DGPC mobilizou 16 servidores e 3 viaturas da Sejusp
De acordo com a denúncia, o ex-delegado geral usou de sua condição e influência para ligar para o Ciops e relatar que teria quase sido atropelado e que havia perseguido o ‘sujeito’, sem saber ainda que se tratava de uma jovem, pedindo por reforços.
“Num intervalo de duas horas, compareceram no local dos fatos,1 Delegado de Polícia plantonista, 8 Investigadores de Polícia Judiciária, 7 Policiais Militares, 3 viaturas da Polícia Militar e 3 viaturas da Polícia Civil, sem mencionar os outros agentes públicos que assumiram a parte burocrática após os fatos, como escrivães e peritos, estrutura essa movida em razão do desagrado do denunciado com a fechada no trânsito e posterior ofensa gestual empreendida pela vítima”, diz a denúncia.
Então DGPC teria usado estrutura da Depac para se favorecer
A denúncia ainda diz que Adriano usou da estrutura da Depac (Delegacia de Pronto Atendimento) do Centro para registrar um boletim de ocorrência, onde, exclusivamente, havia a narrativa do delegado colocando a jovem como autora dos fatos pelos crimes de desobediência, expor a vida ou saúde de outrem ao perigo cujas penas somadas seriam da competência do Juizado Especial Criminal após lavratura de um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), mas ao invés disso foi instaurado um inquérito policial para justificar ‘a atitude desproporcional do denunciado por conta de uma fechada no trânsito, após um insulto sofrido’.
Por fim, o MPMS relata: “Deixa de propor ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL ao denunciado, vez que o fato do delito foi cometido mediante violência e grave ameaça à pessoa e a soma das penas mínimas ser superior a 04 (quatro) anos, inviabilizando a celebração do acordo por não preenchimento do requisito exigido pelo art. 28-A, do Código De Processo Penal.”
O Jornal Midiamax entrou em contato com o delegado Adriano Garcia, e em resposta o ex-delegado geral disse: “Minha defesa será em juízo onde vou demonstrar que minha ação foi legítima. Há provas suficientes nos autos que demonstram o meu dever de agir.”
Sem PAD – A Corregedoria havia concluído o inquérito no dia 17 de maio deste ano, com relatório favorável a Adriano. Em nota, a DGPC (Delegacia Geral de Polícia Civil) confirmou que a corregedoria havia concluído a investigação.
No entanto, conforme apurado pela reportagem do Jornal Midiamax, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) teria solicitado mais provas. Então, o procedimento foi reaberto no dia 3 de julho deste ano “para cumprimento de novas diligências policiais, as quais estão em andamento”, confirma a DGPC em nota.
À época, o secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Antônio Carlos Videira, chegou a dizer publicamente que Adriano iria ser investigado por abuso de poder.
Videira prometeu que seriam duas investigações paralelas: uma administrativa por se tratar de agente da segurança pública e uma pela Polícia Judiciária.
(Por Thatiana Melo, do Midiamax)