Autismo: A cada pequena conquista, um grande orgulho
A gente sonha e idealiza um filho, projeta o seu futuro. Quando a gente descobre que ele tem autismo é um choque, mas a gente descobre que é necessário amar do jeito que Deus mandou. E a gente vibra com cada pequena vitória, dia após dia”. Esse é o relato de Tânia Ferreira de Souza Longo mãe do pequeno Marco Antônio, de sete anos, e que foi diagnosticado com autismo aos três anos.
Nesta semana, no dia 02 de abril comemorou-se o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, uma doença que muitas vezes não é entendida. O autismo é uma desordem complexa do cérebro, que acaba por provocar dificuldade de interação social e de comunicação, comportamento repetitivo e que não apresenta nenhuma característica física visível. As causas e a cura para o autismo ainda são desconhecidas, por isso um diagnóstico precoce contribui muito para o desenvolvimento da criança.
“A gente percebia que o Marco Antônio era uma criança diferente. A gente percebia que na escola ele era uma criança diferente, quando a gente ia busca-lo ele estava sempre atrás da porta, nunca junto com as crianças. A professora avisou que ele ficava sempre muito isolado, mas a gente achava que era porque não tinha irmãos, ele se isolava sempre. Aos três anos, ele não se desenvolvia, não conversava com ninguém, não olhava nos olhos, o Samuel falou com quatro anos, então achava que era normal, que cada criança tem o seu ritmo”.
Mas essa dificuldade de interação, o fato de não olhar para câmeras ou para os pais incomodava. “Nós o levamos a uma neuropediatra em Cuiabá e com 40 minutos de consulta ela deu o diagnóstico. Ela falou assim: mãe você veio aqui porque você sabe que seu filho é diferente, então o diagnóstico é autismo. Nesse momento o mundo abriu, desabou. Abriu aquele buraco e a gente caiu. Naquela hora, aquela medica bonita se transformou num monstro na minha frente. Tanto que os exames que ela pediu eu não levei, levei para outro profissional porque eu tive um bloqueio”, relata Tania.
Para ela esse diagnóstico foi uma bomba e modificou todos os sonhos que a família tinha construído. “Não foi fácil aceitar, eu levei oito meses para aceitar aquele diagnóstico. A gente entra num luto porque a gente idealiza um filho, fica grávida, sonha … eu sempre dizia, o Marco Antônio só não vai ser alguém na vida se ele não quiser, porque oportunidade ele terá, nós pais íamos fazer de tudo. E ai quando vem essa bomba: autismo, você fala assim – meu filho vai estudar? Meu filho vai casar ? vai poder ter filhos, se relacionar com outras pessoas, se ele não consegue se relacionar nem com o pais? Tem um monte de interrogações que você não sabe a resposta. Ai quando você tem a resposta é assim: Vai falar, o médico diz, não sei.. vai depender .. Vai depender do grau, das terapias, da evolução em casa. A gente nunca sabe. Você tem que enterrar o filho que você idealizou para nascer algo que você não conhecia”.
Após esse choque, a mãe conta que foram vários médicos e a cada confirmação do diagnóstico um novo sofrimento, pois a esperança era que algum dissesse que o diagnóstico estava errado, que não era autismo. Apesar de não aceitar esse diagnóstico de imediato, é preciso agir. “Eu recebi o diagnóstico do Marco Antônio no dia 14 de novembro de 2014 e na outra semana ele já estava fazendo sessões com fonoaudiólogo, psicólogo, terapia educacional. Mas depois desse tempo, eu percebi que eu tinha uma missão e que tinha muito a aprender com o meu filho, pois a partir desse momento é preciso ir à luta”. E é esse suporte que o autista e também a família deve receber que vão fazer toda a diferença no desenvolvimento da criança. Quanto mais cedo for diagnosticado, melhores são as chances e a qualidade de vida.
Os pais de autistas em Cáceres contam com o apoio e o suporte do GPAC – Grupo de Pais de Autistas de Cáceres, que se ajudam mutuamente, que se organizam para conseguir alguns avanços principalmente no sentido de se fazer respeitar e reconhecer os direitos dos autistas. “Com esse grupo conseguimos algumas coisas, como por exemplo, a contratação de uma neuropediatra pelo município, que não existia, conseguiu junto ao o Ministério Público e Prefeitura a colocação de placas de identificação de deficientes junto a todas as escolas. Temos parceria com o Centro de Reabilitação, onde as crianças com autismo são atendidas com psicólogos e fonoaudilógos e até mesmo a família tem recebido esse suporte. A Fapan também é parceira no atendimento às crianças e aos pais, pois a família toda precisa tratar”, relata Tânia.
A rotina da família muda completamente, pois há sessões de terapia, atendimento praticamente todos os dias, além das atividades em casa. Mas nem todos os tratamentos são conseguidos pelo sistema único de saúde e isso muitas vezes pesa significativamente no orçamento doméstico. Vida social, é outro problema, muitas vezes as crianças com autismo não aceita o convívio com pessoas fora do seu ciclo, não tolera muito movimento, barulho. Além do Marco Antônio, o casal ainda tem a pequena Maria Alice, que não tem autismo, e tem outras necessidades, com isso, é necessário se dividir para atender as peculiaridades de cada um. Mas, férias, por exemplo, não fazem parte dos planos familiares, pelo menos por enquanto. “O Marco Antônio não aceita que a gente coloque o cinto de segurança por exemplo, então é uma dificuldade viajar com ele. Além disso, a gente tem medo da reação dele dentro do avião, diante do desconhecido, e com isso a gente vive o hoje, o agora, e vibra com cada pequena vitória, como por exemplo o primeiro cocô no vaso ”, explica.
Segundo Tânia, é preciso ter persistência, amor e dedicação, para que o trabalho que vem sendo construído ao longo do tempo não se desfaça de uma hora para outra. “Às vezes a gente pensa que algo não vai dar certo e dá muito certo, e outras que você acredita que vai funcionar, não funciona. É uma caixinha de surpresas . Ele é uma criança muito inteligente, ele foi alfabetizado aos três anos de idade em português e inglês sem ao menos a gente ensinar. E isso foi uma das coisas que nos chamou a atenção para leva-lo ao médico. O autismo dele foi diagnosticado como leve, e hoje está moderado. Ele fala muito em ecolalia (forma em que a pessoa repete mecanicamente tudo o que ouve). Outras vezes ele chora do nada, ai você pensa assim: de onde saiu todo esse choro, dai ele repete que quebrou o braço (algo que aconteceu há dois anos), mas para ele é como se tivesse acabado de quebrar. A mente deles funciona de forma surpreendente, maravilhosa, e por isso eles tem a crise. O cérebro acumula
os estímulos sem conseguir processar toda essa informação, com isso ele tem a crise e ai não tem mais o que fazer… só nos resta abraçar e dizer: vai passar ”, diz.
Legislação:
O embasamento legal para assegurar os direitos do autista é a lei federal nº 12.764 de 27 de fevereiro de 2012 que institui a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do Espectro Autista.
Em Cáceres foram recentemente aprovadas três leis municipais que asseguram direitos dos autistas, que dizem respeito a garantia de atendimento preferencial em filas, a inclusão nos calendários municipais da data que trata da conscientização do autismo e do orgulho autista. As leis foram aprovadas e haviam sido vetadas pelo prefeito municipal Francis Maris, e o veto foi derrubado pela Câmara municipal em fevereiro deste ano e nesta semana foram publicadas, passando a ter o valor legal no município.
“As crianças autistas precisam ser diagnosticadas o quanto antes, para isso estivemos no ano passado realizando palestras nas escolas, a fim de que ao perceberem uma criança diferente para que ela seja encaminhada para o psicólogo e a neuropediatra a fim de obter um diagnóstico precoce. Muitas pessoas não sabem, mas se o laudo médico apontar a necessidade de uma Auxiliar de Desenvolvimento Infantil o município, estado e escola particular devem providenciar esse profissional que vai acompanhar a criança desde a chegada até a saída dela da escola. É um direito, e nós temos feito valer esse direito com o apoio do Ministério Público”, diz Tânia.
Rede de apoio:
Quando alguém souber de alguma criança que possa ter autismo, pode entrar em contato com o Grupo de Pais, o GPAC, para que possamos auxiliar. As pessoas podem conseguir falar conosco por meio do Facebook, na página “Autismo Cáceres”. Nós tentamos ajudar nos encaminhamento médico e do tratamento mais adequado.
Outra ação que tem sido encaminhada é junto a Unemat, por meio da psicóloga da instituição que num levantamento preliminar já identificou pelo menos seis acadêmicos autistas em Cáceres. Essa ação foi possível porque Tânia e o esposo são servidores da Instituição e com isso alguns professores a procuraram para ajudar no acompanhamento desses estudantes. Os alunos autistas identificados estão nos cursos de medicina, direito, computação e ciências contábeis. “Mas estamos conversando na Unemat a fim de tentar ampliar esse levantamento em toda a universidade e assegurar os direitos desses estudantes”, adianta.
(Fonte: Lígia Lima/Cáceres Noticias)