Cadeira de rodas e a sinalização das vagas reservadas de estacionamento

A sinalização das vagas de estacionamento foi motivo de recente polêmica, por conta de declarações infelizes do dono das lojas Havan em live no mês de dezembro de 2019.

Na opinião dele, as placas seriam desnecessárias, por já haver a pintura no no solo, e além disso ele não vê razão para a reserva de vagas separadas para idosos.

Apesar de muita gente considerar que o empresário fez este vídeo polêmico como forma de autopromoção, e por isso não deveríamos citar o caso, acho que precisamos aproveitar a oportunidade. Na minha opinião, trata-se de um momento favorável para esclarecer a respeito da importância da acessibilidade e da razão das normas. Sendo assim, vamos em frente?

agas reservadas devem ter sinalização tanto horizontal (pintura no solo) como vertical (placas) – Foto: Uol

Burocracia inútil?

Tal como o dono da Havan, muitos empresários interpretam os itens de acessibilidade como algo inútil, como chatice do governo e por aí vai. Mas esses itens simplesmente são maneiras de proporcionar a todas as pessoas o acesso aos mesmos direitos.

Por exemplo, todos devem ter o direito de sair de casa e chegar até o supermercado, assim como o de fazer suas compras e até usar o sanitário, com segurança, conforto e autonomia. Tais atos não podem ser reservados a apenas uma parcela da população, concorda?

Considerando-se a porcentagem de idosos e de pessoas com deficiência em nossa população, e ainda a tendência de que esse número aumente muito nos próximos anos, promover a acessibilidade é não somente medida para o tempo presente mas também para prevenir problemas no futuro.

As normas não foram criadas aleatoriamente, mas após pesquisa e muitas reuniões, para que se chegasse ao melhor resultado possível. Além disso, a norma ABNT 9050/2015, que traz orientações para a acessibilidade de locais públicos, foi revisada em 2015 – e permanece a possibilidade de sofrer mudança, caso seja pertinente.

É curioso: o empresário deveria ser o primeiro a desejar que o cliente esteja seguro e confortável em seu estabelecimento, para que não tenha pressa de ir embora e possa fazer suas compras com tranquilidade, não acha?

Este veículo foi flagrado ocupando duas vagas, além de não ter visível o cartão que dá direito ao uso de UMA vaga. Em casos assim, chame a polícia – Foto: Denise Martins

Por que existem vagas reservadas?

Existem vagas reservadas no estacionamento para que os usuários que tenham direito a ela possam embarcar e desembarcar, bem como atingir a entrada do estabelecimento, em condições de SEGURANÇA, com AUTONOMIA E CONFORTO. Esses são os critérios para considerar algo acessível.

Para atingir esse objetivo, as vagas devem ser demarcadas no máximo a 50m da entrada do estabelecimento. Tem gente que acha que é privilégio, mas isso ocorre porque a pessoa julga sem conhecer nossa realidade.

Quanto à sinalização, não é verdade que as placas são desnecessárias, conforme afirmou o empresário no vídeo citado. E por que não? A sinalização vertical, ou seja, a placa é necessária tanto para que a vaga seja vista à distância quanto para que o agente de trânsito seja autorizado a fiscalizar e multar.

Tudo nas normas de acessibilidade tem razão de ser, e nada é aleatório.

“Que tipo de deficiência é esta?”, diz a frase em inglês. Vagas reservadas devem ser pintadas de acordo com a norma, para que não aconteçam coisas estranhas como neste caso

E a faixa amarela ao lado do local do carro?

A faixa zebrada, aquela que fica ao lado do carro, indica o espaço necessário para embarque e desembarque, já que um usuário de cadeira de rodas, por exemplo, precisará abrir toda a porta a fim de fazer a transferência da poltrona do veículo para o equipamento. Um usuário de muletas ou de andador também precisa de mais espaço para sair ou entrar no carro com segurança.

Caso a faixa esteja ocupada por uma moto, por carrinhos de compra, ou até por outro carro, a pessoa pode se ver impedida de entrar ou sair de seu veículo, como já aconteceu comigo. Mais uma vez, não se trata de algo inútil, muito pelo contrário.

sta faixa amarela ao lado da vaga é destinada a embarque e desembarque e não pode ser ocupada, sob nenhuma justificativa

Jabuticaba brasileira

Tudo isso está definido em leis e normas federais, ou seja, o cumprimento é obrigatório em todo o país. Caso esses itens de acessibilidade não sejam instalados, o proprietário do estabelecimento pode ser multado, bastando para isso que haja fiscalização ou denúncia.

Em qualquer país é assim, ou isso é “uma jabuticaba brasileira”, como disse o empresário, assim como o cadeirante que o apoiou?

A expressão “jabuticaba brasileira” foi usada de forma irônica, para dizer que são situações que só acontecem no Brasil. Mas isso não é verdadeiro.

É preciso lembrar que cada país tem as próprias normas, e elas estão relacionadas com necessidades locais. Algumas são iguais ou similares às nossas, outras não, e isso depende de inúmeras circunstâncias. Além disso, uma comparação parcial está fadada ao fracasso, pois a pertinência de cada uma dessas normas deve ser examinada com critério, conhecendo-se em profundidade a realidade local.

O que é necessário compreender é que as leis de acessibilidade não foram feitas para prejudicar ninguém, muito pelo contrário, como vimos.

Também precisamos frisar que leis e normas podem ser mudadas a qualquer momento, em instâncias competentes, com a tramitação prevista em lei, caso não estejam atendendo às necessidades da população.

Aprender para fazer valer os direitos

Aprender sobre leis e normas de acessibilidade é muito importante, para que possamos cobrar fiscalização e correção das situações que nos prejudiquem.

Sempre é útil lembrar que acessibilidade é algo bom para todo mundo, pois qualquer um de nós está sujeito a ter afetada a mobilidade, os sentidos ou a cognição. Além disso, se não morrermos, todos vamos envelhecer e necessitar de algum tipo de atenção específica. Também não podemos nos esquecer das deficiências temporárias, causadas por acidentes, assim como das gestantes e das crianças, que também necessitam de atenção específica.

(Por Laura Martins, da  cadeiravoadora.com.br)

 

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