‘Falaram que eu era velha’, diz mulher que passou em medicina aos 49 após tentar 12 vezes
Aos 49 anos e após 12 tentativas, a passadeira Janecleia Sueli Maria Martins (foto), de Petrolina (PE), foi aprovada no curso de medicina da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Salvador, a quase 500 km de distância de sua cidade. Agora ela se prepara para começar o curso no dia 13. Ser médica é o sonho de Janecleia, ou Jane, como é conhecida, desde os 11 anos. No entanto, a falta de dinheiro fez com que esse sonho ficasse adormecido por algumas décadas.
Aos 16 anos, Jane deixou de frequentar a escola após concluir o ensino médio. No mesmo ano, ela se casou e, com 17, foi mãe pela primeira vez. Trabalhando em diversas funções, como caixa de supermercado, faxineira e cozinheira, ela se dedicou aos cuidados com a família. Aos 24 anos, teve seu segundo filho. “Sou de uma família muito simples e humilde, nunca tivemos condição de nos dedicar aos estudos. Sempre precisei trabalhar para levar comida para dentro de casa e assim foi desde que me casei”, explica Jane.
Apesar dos contornos da vida, nunca deixei o meu sonho de ser médica morrer dentro de mim Em 2010, com a chegada do curso de medicina na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) de sua cidade, Jane decidiu retomar os estudos com o objetivo de cursar medicina. Sem condições de pagar um cursinho de preparação para o vestibular, ela passou a disputar vaga de bolsista em instituições de ensino do município.
“Como eu sempre estudei em escola pública, podia disputar bolsas para estudar de graça [em preparatórios], e assim foi. Mesmo quando eu não conseguia, eu pedia ajuda e fui conseguindo voltar a estudar. Comecei do zero, porque como fiquei mais de 15 anos sem estudar, o conteúdo mudou bastante”, disse.
‘Velha para estudar’ Desde que retomou os estudos, Jane passou a prestar vestibular na faculdade da cidade e também em universidades federais e estaduais espalhadas pelo Nordeste. Mas sempre teve de lidar com os olhares preconceituosos das pessoas, que desacreditavam de seu potencial. “Quando eu falava que ia prestar medicina, logo vinham os olhares me julgando. O que eu mais ouvi é que estava velha para isso. Muita gente me disse que eu já estava no fim da vida e não deveria perder tempo tentando ser médica”, diz a passadeira.
Jane afirma que nunca deixou os comentários afetarem o seu objetivo e todos os anos prestava vestibular em busca da aprovação. “O único momento em que parei para avaliar se realmente deveria fazer medicina foi quando meu pai morreu no ano passado. Pensei em desistir e não prestar o vestibular da Uneb, mas como eu havia feito a inscrição como baixa renda, fiz a prova para não perder o benefício”.
E foi justamente nesse vestibular, em que Jane fez a prova sem muita esperança de passar, que ela foi aprovada. O resultado foi divulgado no dia 27 de fevereiro. “Nem lembrava a data em que sairia o resultado. No dia, comecei a receber mensagens dos meus amigos me parabenizando pela aprovação. Levei alguns minutos até acreditar”.
R$ 30 no bolso – Com o nome na lista de selecionados, Jane precisava fazer a matrícula em 48 horas para garantir a vaga no curso de medicina. Sem dinheiro, a família se uniu para pagar os R$ 350 das passagens de ida e volta até a capital baiana. “Comprei só a passagem de ida e, com mais R$ 30 no bolso, fui para Salvador fazer a minha matrícula. Depois voltei para a rodoviária e aguardei até minha filha conseguir arrecadar com alguns amigos o dinheiro da minha passagem de volta.” Mudança de estado – Devidamente matriculada, Jane vai para Salvador na próxima semana, já que as aulas começam na segunda-feira (13). Para pagar a viagem e garantir a estadia na nova cidade, com a ajuda da filha, Jane fez uma vaquinha virtual para arrecadar R$ 10 mil. O dinheiro vai ajudar a agora universitária a se manter na cidade pelos três primeiros meses de aula.
“Vou procurar o serviço de assistência social da universidade e tentar a moradia social. Se for preciso eu trabalho, passo roupa, faço faxina, mas vou realizar o meu sonho. Vou ser a primeira médica da minha família.” (Por Simone Machado/Uol)