Gêmeos autistas inspiraram Meire a “salvar” outras mães do peso do diagnóstico

Gêmeos adoram se equilibrar. (Foto: Arquivo Pessoal)

O peso do diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista) em dois gêmeos de três anos mudou para sempre a família de Rosemeire e Eleandro. Dos olhares de preconceito ao isolamento social, sentiram na pele o “recomeçar” e a adaptação à condição de Mateus e Tiago. Da dor e amor, os filhos inspiraram a criação do “Integrar”, um parquinho onde eles podem ser quem são.

Rosemeire da Silva e o marido Eleandro de Almeida, são os típicos pais corujas. Ao lado do filho mais velho de 19 anos, experimentam a vida de um ângulo diferente e azul, há nove anos.

Os irmãos estavam na escila durante a visita da  reportagem, pois uma visita surpresa poderia ser o motivo para uma crise ou inquietação.

Mateus e Tiago foram diagnosticados com autismo aos três anos. Meire só percebeu que algo estava errado, com o atraso da fala. Os dois meninos só diziam palavras soltas e não formavam frases. Uma consulta com uma pediatra não resolveu muita coisa, já que a resposta era de que cada criança tem seu tempo.

Até que uma amiga da igreja indicou uma fonoaudióloga. No consultório ela já suspeitou, não disse nada, mas no encaminhamento colocou um ponto de interrogação para autismo. “Os gêmeos não davam função para algumas coisas, como o pente, eles não pegavam o pente para pentear os cabelos. Eu não percebia porque a coordenação motora deles era perfeita e eu, na minha ignorância, achava que o motor estava especificamente ligado ao neurológico e não é só isso”, conta Meire.

O casal iniciou uma correria e busca por exames até chegar a um otorrino, já que eles não atendiam aos chamados. “A otorrino encaminhou para a neuro com a mesma suspeita. A dr. Maria Cristina Arruda Sanches fechou o diagnóstico na primeira consulta”, lembra Meire.

Hoje a duplinha tem 12 anos, cursa o 6º ano do Ensino Fundamental e medem 1,71 metro. (Foto: Arquivo Pessoal)

Peso do diagnóstico – Mesmo com tudo indicando para sim, a confirmação foi um susto. Tudo era desconhecido e os pais precisaram mergulhar no universo complexo TEA. Hoje a duplinha tem 12 anos, cursa o 6º ano do Ensino Fundamental e medem 1,71 metro.

“Por muito tempo eu tentei explicar, mas me frustrei e me cansei. Quem tem interesse busca. Quando recebi o diagnóstico eu achava que eu não tinha direito a mais nada na vida e é esse sentimento que queremos mudar na cabeça de outros pais”, frisa Meire.

“No início a gente encara uma “não aceitação” do diagnóstico, então você se cerca de informações, até falsas, e começa a trabalhar de maneira intensiva e gastar até o que não tem para tirar os filhos daquele quadro. Com o tempo você vê que a coisa não acontece, que o autismo não tem cura e que teremos de viver a vida com essa condição. Cada um vai lidar de um jeito. Eu levei três anos até a ficha cair. No início até tivemos raiva da médica que nos deu o diagnóstico, mas hoje vemos que foi necessário”, admite o pai.

Enquanto algumas crianças autistas precisam até de fone para proteger os ouvidos, a disfunção sensorial de Tiago é controlada. Já Mateus é “ligado no 220” e isso reflete muito nos movimentos e brincadeiras. “Se vai pular é muito alto ou se vai balançar impressiona quem está ao redor”, destaca Meire.

Qualquer medo, surpresa ou ofensa são sentidos em dobro por Meire. (Foto: Danielle Valentim)

Quando completaram 7 anos, a mãe viu que já não dava para dividirem o espaço com crianças da mesma idade. Os dois irmãos são grandes e os movimentos avantajados começaram a preocupar. “Apesar do tratamento, eles vão crescendo e as características vão ficando cada vez mais evidentes. Eles têm uma ótima coordenação motora, mas parece que o autista não tem controle corporal ou da força, então acabam esbarrando em tudo”, conta Meire.

Pais machucados – Qualquer medo, surpresa ou ofensa são sentidos em dobro por Meire e Eleandro. Criar uma forma de proteger os filhos e a si próprios virou uma missão.

“No parque comum, por exemplo, para um pai reclamar e dizer que ali não é o lugar deles é muito rápido. É claro que tem gente que já percebe que são crianças especiais, mas outras já falam que você nem deveriam sair com elas na rua. A gente acaba se tornando pais muito machucados. A gente acaba querendo se proteger. Porque eles não ligam para olhares”, pontua.

Mesmo com toda a dificuldade de lidar com a condição dos filhos, Meire não deixa de dar utilidades nas tarefas diárias. Mas um episódio no mercado quase acaba em agressão.

“A gente até entende o outro lado, só não entende a intolerância. Estávamos no mercado, o Tiago empurrando o carrinho e eu junto, só que ele se entreteve com um negócio e soltou o carrinho, que bateu em outro que tinha um bebê. O pai da outra criança já foi pra cima dele e eu tive que interferir e dizer que ele não tinha feito por querer e que ele era autista. Então tentamos o tempo todo protegê-los”, frisa Meire.

“A grande maioria entende, mas também quando a gente se depara com pessoas intolerantes é doloroso”, completa o pai.

O filho mais velho – Quando os gêmeos nasceram o filho mais velho tinha sete anos e dez, quando surgiu o diagnóstico. Meire admite que as revelações interferiram até na relação com o primogênito, que também sentiu tudo na pele. A família toda adoeceu e muita gente se afastou.

“Parei de acompanhá-lo em tudo e somente agora tivemos uma conversa em que ele expôs tudo que sentiu. Vimos amigos próximos partirem, e isso falo de familiares também. Porque a inclusão social não é só na escola ou na igreja, mas em todos os ambientes que a criança ou adulto na condição vai passar. Mas hoje posso te dizer que a família é a primeira a não apoiar. Hoje se precisarmos de alguém pra ficar com eles, tenho meus pais, uma sobrinha e meu filho mais velho. O restante não os conhece suficiente para cuidar deles. Festas? Esquece. Ninguém vai adaptar uma ceia de natal para todos nós participarmos”, conta Meire.

“Ficou insustentável de irmos todos à igreja, porque eles emitiam sons, mexiam nas coisas das pessoas, aí decidimos não ir”, lembra Eleandro. (Foto: Danielle Valentim)

A exclusão – O pai lembra que o crescimento dos filhos influenciou até na frequência a igreja. “Somos de uma comunidade evangélica e quando eles começaram a crescer, ficou insustentável de irmos todos à igreja, porque eles emitiam sons, mexiam nas coisas das pessoas, aí decidimos não ir. No início um ficava e o outro ia, mas perdemos o convívio. Hoje vivemos nossa religião de forma individual”, pontua.

(Por Danielle Valentim, do Campograndenews)

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