Reflexões e Desafios: 28 de janeiro é Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo
O que é trabalho escravo moderno? – O trabalho análogo à escravidão é caracterizado, de acordo com o artigo 6º da Instrução Normativa da Secretaria de Inspeção do Trabalho, por situações em que o trabalhador é submetido, isoladamente ou de forma conjunta, a trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho ou restrição de locomoção por qualquer meio, em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, seja no momento da contratação ou no decorrer do contrato de trabalho. Também se inclui a retenção no local de trabalho.
Na obra “Escravidão Contemporânea”, o autor Leonardo Sakamoto, afirma que o trabalho escravo contemporâneo não é resquício de modos de produção ultrapassados que sobreviveram no mundo moderno. “Trata-se de um instrumento utilizado por empreendimento para potencializar seus processos de produção e expansão. A superexploração do trabalho, da qual o trabalho contemporâneo é a forma mais cruel, é deliberadamente utilizada em determinadas regiões e circunstâncias como ferramenta. Sem ela, empreendimentos atrasados não teriam a mesma capacidade de concorrer numa economia globalizada.” (Escravidão contemporânea. São Paulo: Editora Contexto, 2020, p. 10-11)
Estatísticas – Atualmente, 13 empregadores de Mato Grosso do Sul fazem parte da chamada “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que disponibiliza um Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condições análogas à de escravo. Ainda de acordo com esse documento, mais de cem pessoas trabalhavam para esses empregadores, em Mato Grosso do Sul.
Em 2023, o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho apontou que 77 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão em Mato Grosso do Sul. Os municípios com mais autos de infração lavrados no período foram Corumbá, Aquidauana, Bela Vista e Porto Murtinho.
Só no ano passado, o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT/MS) recebeu 17 processos relacionados ao trabalho em condições análogas à de escravo. Com o objetivo de promover um debate sobre o tema, o Subnúcleo de Prevenção e Combate do Trabalho Escravo do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região realizou dois eventos a respeito do tema. O primeiro foi realizado em maio do ano passado, em Campo Grande, e teve a participação do representante da OIT, da representante nacional do Comitê de Combate ao Trabalho Escravo e do jornalista Leonardo Sakamoto. O segundo evento foi em Ponta Porã e abordou a questão da migração de trabalhadores, especialmente os indígenas.
O coordenador do Subcomitê do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante do TRT/MS, desembargador Francisco Filho, destaca a necessidade da conscientização. “É preciso que a sociedade se conscientize, se una em defesa do combate a essa criminosa violação aos direitos humanos, especialmente os gestores, empresários e empregadores, nessa luta que sabemos não será fácil, mas se torna indispensável para se erradicar esse grave problema que insiste em se manter em pleno século XXI, inclusive em Mato Grosso Sul.”
Desafios enfrentados nas fiscalizações – O auditor-fiscal Kleber Pereira de Araújo e Silva explica que a maioria das denúncias recebidas, sobretudo no trabalho rural, não caracteriza trabalho escravo contemporâneo, embora revelem irregularidades. “Grande parte dessas denúncias não resultam em ‘resgate dos trabalhadores’, pois as condições, apesar de irregulares, não caracterizam trabalho escravo contemporâneo. Temos uma grande incidência de resgate de trabalhadores indígenas e paraguaios. Isso dificulta, pois é comum que os indivíduos desses grupos não possuam documentação”, pontua o auditor-fiscal.
Neste caso, fazemos contato com os órgãos competentes para agilizar a expedição dos documentos. Quando identificados casos de trabalho análogo à escravidão, as vítimas têm direito a três parcelas de seguro-desemprego e recebem apoio para regularização de documentos.
“O trabalho escravo contemporâneo resulta da vulnerabilidade do trabalhador, da ganância de empregadores e da impunidade. Atuamos com fiscalizações punitivas e pedagógicas para desestimular essa prática que fere direitos humanos e fundamentais.”
Promessas ilusórias de emprego – A coordenadora do Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Cristiane Viegas, ressalta a gravidade da situação: “Mato Grosso do Sul ainda figura entre os estados com maior número de casos de trabalho escravo devido à vulnerabilidade social, desigualdade econômica e falta de informação. Muitos trabalhadores são atraídos por promessas ilusórias de emprego e acabam submetidos a condições degradantes.”
A advogada também destaca a vulnerabilidade de migrantes e refugiados frequentemente explorados devido à precariedade de sua documentação, desconhecimento das leis brasileiras e barreiras linguísticas. “O estado apresenta uma combinação de vulnerabilidades sociais, grande concentração de atividades econômicas que envolvem mão de obra intensiva, como o agronegócio, e a presença de rotas migratórias. Esses fatores, aliados à falta de informação e à desigualdade, tornam trabalhadores locais, migrantes e refugiados mais suscetíveis a condições degradantes. Muitos aceitam propostas de trabalho sem conhecer seus direitos e acabam explorados em situações análogas à escravidão.”
Para mudar essa realidade, a coordenadora enfatiza a necessidade de ações integradas: “É fundamental fortalecer as políticas públicas de fiscalização, ampliar os programas de acolhimento e integração para migrantes e refugiados, além de promover campanhas educativas que cheguem às comunidades mais vulneráveis. Também precisamos aperfeiçoar os mecanismos de denúncia, para que as vítimas possam relatar abusos com segurança”.
Como denunciar?
- A denúncia pode ser feita pelo Disque 100 ou pelo número TRT/MS: 0800-731-0087
- Sistema Ipê Trabalho Escravo: Denuncie diretamente ao Ministério do Trabalho e Emprego pelo sistema Ipê, acessando https://ipe.sit.trabalho.gov.br.
- (Assessoria TRT/24)