Seminário no MS mostra importância econômica do trabalho indígena
(Por Rayani Santa Cruz, enviada a Anastácio-MS) – A inserção do indígena no mundo do trabalho foi discutido na quinta-feira (11), em um evento organizado pelo Coletivo de Trabalhadores Indígenas de Mato Grosso do Sul no município de Anastácio- MS. O seminário contou com a presença de procuradores do Ministério Público do Trabalho responsável pela fiscalização e apoio aos trabalhadores, indígenas de diversas regiões do estado, professores doutores e autoridades locais.
A dificuldade do índio em conseguir um trabalho, preconceito e a necessidade de melhores políticas públicas para atender a demanda no estado foram discutidas, além de orientações aos trabalhadores que viajam pelo menos uma vez ao ano para colheita de maçãs na região sul do Brasil.
Apesar de ainda não ser o ideal a colheita de maçãs auxilia na renda do indígena, dando trabalho a aproximadamente 7 mil índios de MS, e o mais importante é que o valor salarial termina inserido na economia local. De acordo com José Carlos Pacheco, coordenador do Coletivo, somente nas cidades de Aquidauana e Anastácio são 843 trabalhadores que após retornarem de viagem injetam aproximadamente R $ 3 milhões na região, já que o salário total pela empreitada chega a R$ 4 mil.
Jefferson Pereira, procurador do MPT, disse a reportagem que o papel da Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho é fundamental para a população indígena, já que, após a interferência do órgão o conhecimento sobre questões trabalhistas e de segurança está sendo repassado aos trabalhadores, além das reuniões periódicas com os empresários contratantes e visitas in loco.
“Acredito que após o trabalho de acompanhamento e monitoramento do MPT, iniciado no ano de 2014, nós estamos mais próximos do indígena e das empresas. Sem dúvida, o número de reclamações diminuíram bastante. Questões de alojamentos, tratamento ao trabalhador foram sanadas posterior ao chamamento dos empresários para reuniões e visitas de fiscalização e do Coletivo no local da colheita”, exemplificou o procurador.
O trabalho árduo do Coletivo acontece há mais de 20 anos, e para José Carlos, a soma de forças com o MPT foi um divisor de águas na vida dos trabalhadores.
“Hoje, podemos dizer que a principal sustentação das famílias é nessa época sazonal, e eles tem o amparo da lei. O mais importante é levar o entendimento para a sociedade de que somos capazes e deveríamos ter trabalhadores indígenas em vários segmentos. Precisamos de incentivo após a época de colheita e de políticas públicas, uma alternativa seria a possibilidade do Governo do Estado, ter um meio de exigir de empresas e indústrias que recebem o incentivo fiscal a ter uma cota de contratação indígena”, explicou.
Questionado sobre a perda de direitos do índio ao sair da reserva, o procurador do MPT, Jonas Ratier, disse que “o índio tem o direito de ser índio garantido pela Constituição”. Ele exemplificou que o estereótipo e o preconceito com falácias de que “índio é preguiçoso”, vem desde a época de colonização e as pessoas devem mudar esse tipo de pensamento, haja vista, que no Brasil são 282 etnias em meio a 370 milhões de povos espalhados pelo mundo. “Temos que combater o preconceito, buscar alternativas. Esses trabalhadores já sofreram uma escravidão durante séculos, e na atualidade muitos ainda sofrem uma “escravidão” velada, disfarçada. É nesse ponto que os órgãos responsáveis devem atuar”.
O professor Maucir Pauletti, da UCDB e da Comissão de fiscalização apontou em apresentação no Seminário as garantias de segurança e saúde que o trabalhador deve exigir. “São doenças do trabalho e é importante que a própria pessoa esteja atenta”.
Qualificação e inserção no contexto urbano
Jose Carlos explicou que um dos objetivos do Coletivo é a qualificação profissional, por isso, enquanto os chefes de famílias vão a colheita da maçã, os filhos e jovens das aldeias recebem curso de qualificação profissional por meio do projeto Ressoarte. “Nós temos 275 alunos, 80 deles são índios e esses fazem o curso de tecnologia da informática, para se adequarem aos ambientes de trabalho e conseguirem entrar no mercado”.
A professora da Universidade Federal de MS, Vanderléia Paes Leite Mussi, que trabalha há 26 anos nas comunidades indígenas em contexto urbano, pôde ver de perto a falta de inserção do trabalhador no mercado por conta do preconceito. “Por mais que tenha a escolaridade exigida, a formação, ainda existe o preconceito e eles acabam sem trabalho até dentro das aldeias, procurando alternativas como a colheita da maçã. Por mais que haja avanço, é necessário avançar mais”, disse a professora.
Projetos que a Vanderléia já desenvolve nas comunidades estão sendo apresentados como proposta de implementação de políticas públicas em encontros por todo o Estado. A exemplo, a agricultura periurbana em comunidades indígenas lançada em 2018, que tem como intuito implantar um sistema de produção de hortaliças, com estufas para produção de mudas e telados para o plantio. A professora também apresentou proposta de inserção digital dos povos indígenas em processo de formação para diminuir o número de desempregados.
Novidades em qualificação e vagas
O coordenador do Coletivo adiantou que está em processo de conversa e planejamento para que os trabalhadores façam um curso de operação de máquinas e tratores para atuar na próxima colheita. “Nós temos uma empresa parceira do Rio Grande do Sul, o empresário demonstrou interesse em contratar os operadores, agora o objetivo é procurar meios de qualificar o trabalhador. É uma oportunidade a mais de emprego e a contrapartida poderia vir do próprio governo com cursos gratuitos”.
O trabalho continua
O primeiro encontro estadual de trabalhadores indígenas demonstrou que os caciques, capitães e comunidades estão cada vez mais organizados, mas, existe muito trabalho a ser feito para diminuir a demanda.
“Nós enquanto membros do MPT temos que dar a devida importância as comunidades, e a participação efetiva do José Carlos, com a interlocução vinda das aldeias é fundamental para conseguir deliberar e organizar uma melhor forma de trabalho para os indígenas”, concluiu o procurador Jefferson Pereira.